O FARROUPILHA LEONEL BRIZOLA
Julio Ambrozio, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 30, Patrono – Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacelar
“A Carteira de trabalho de Lula, quem criou foi Getúlio Vargas!” – Leonel Brizola.
A grande mídia no Brasil, que golpeou em 1964, pois há muito vivia cúmplice do Imperialismo, melhor, das perdas internacionais, permanentemente demonizou Leonel de Moura Brizola, o que, aliás, muito explica a idiota e desqualificada idiossincrasia de boa parte da classe média contra aquele que, após o exílio de 15 anos, buscava alcançar o Poder de Estado brasileiro com o objetivo de reconduzir o país à união nacional originada em 1930: povo, exército e indústria – a aliança da classe média com o povo.
Diga-se a propósito, que esse objetivo não está ultrapassado ou enrugado, como querem fazer crer os ideólogos – travestidos em diversas atividades profissionais – quando escrevem ou falam acerca da ( já capenga ) globalização e do neoliberalismo. Hoje, ainda mais que ontem, tornou-se mais grave a contradição entre a Nação – incluído aí o mercado interno – e o Imperialismo; de modo que a luta pela formação da Civilização Brasileira, através daquela união nacional, mantêm-se urgente e atual.
Tanto isso é verdade que a grande mídia só agora quis saber de Leonel de Moura Brizola, quando desce às catacumbas; com ele, descem também a compreensão e o sentimento fronteiriços de nacionalidade, originados nos conflitos entre espanhóis e o mundo luso-brasileiro, em constituição no antigo continente de São Pedro do Rio Grande no período colonial.
Quem se debruçar sobre a literatura guasca, sem dúvida, irá encontrar em Brizola, com a Cadeia da Legalidade e com a tentativa de resistência ao golpe imperialista de 1964, a descendência de Mestres-de-Campo, tais como Francisco Pinto Bandeira e Rafael Pinto Bandeira, ou mesmo a herança de José Borges do Canto e Manoel dos Santos – responsáveis estes dois pelo embate que pacificou as fronteiras de tensão do Rio Grande do Sul em 1802: a definitiva conquista da região das Missões.
O leitor que procurar a Farroupilha e o Positivismo irá encontrar as origens republicanas de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola: o fortalecimento do Estado como veículo do Federalismo meridional; o guarnecimento do Estado, já agora com Getúlio Vargas, como garantia da nacionalidade. O Positivismo gaúcho possibilitou transferir o respeito, a disciplina e a solidariedade dos clãs de fronteira para o Estado. O campo gauchesco-brasileiro, pois, expandindo-se para o Brasil com a Revolução de 1930, resultou na luta pela democracia social, acoplada à descolonização do país, ao fortalecer o Estado brasileiro.
Diga-se de passagem, que já foi observado, em “Raízes do Brasil”, que Sérgio Buarque de Hollanda dera argumentos aos inimigos do Trabalhismo quando enxergou o Caudilhismo como desordenador em nossa história, esquecendo ou não desejando ver o caráter golpista da UDN. Posso acrescentar, que essa má disposição de “Raízes do Brasil” em relação ao pampa, estaria ligada a “Facundo – Civilização e Barbárie”, de Domingo Faustino Sarmiento, e não a “Martín Fierro”, de José Hernandez.
Mas eis o brasileiro Estado de bem estar social: a Era Vargas, saída dos campos raianos do Rio Grande do Sul, em 1930, envolveu o país com um projeto de Brasil propiciador da defesa do povo mestiço brasileiro, incorporando a projeção da Civilização Brasileira encontrada em autores como José Bonifácio, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Gilberto Freyre e outros que deram as bases, bem antes de sua fundação, do Partido Trabalhista Brasileiro criado em 1945. Se o cosmo deste período – 1930-1964 – existia em transe, isso somente significa que o povo brasileiro exercia a sua pulsão energética, criativa e de resistência, desse modo, afirmando que a sua Civilização não se construiria à imagem da antiga URSS e à dos EUA, mas como brasilidade popular e soberana: Ary Barroso, décimo terceiro salário, Villa Lobos, carteira de trabalho, Tia Ciata, Petrobrás, Oscar Niemeyer, Vale do Rio Doce, ISEB, reformas de base, Portinari, BNDE, Gustavo Capanema, lei de remessa de lucros, Cia. Siderúrgica Nacional, férias remuneradas, Maria Lúcia Godoy, FNM, voto feminino…
Contudo, 1964 foi um duro golpe. Quando, 15 anos depois, a anistia traz Brizola de volta, retorna como legítimo e único herdeiro do Trabalhismo. As dificuldades deste período podem ser ilustradas através da perda da legenda PTB para Ivete Vargas-Golbery do Couto e Silva e das sistemáticas traições de personagens saídos do PDT. Trânsfugas municipais, estaduais e federais. Além de outras traições. É verdade que tais deslealdades foram antes ao Trabalhismo do que propriamente a Brizola, pois 1964 configurou-se como fratura dorsal desse movimento, dando asas para personagens que, na antiga circunstância pré-64, não teriam interesse ou coragem de praticá-las.
Em contrapelo, sem consciência, aquilo que falaram alguns políticos – elogiando a coerência e pertinácia de Leonel Brizola – , na verdade, foi o seu admirável senso de responsabilidade pública com a sua terra, o seu mundo, a sua tradição e história.
Leonel de Moura Brizola – talvez mais do que Jango – está ao lado de Getúlio Vargas.
Brizola, quase ia dizendo, o Trabalhismo campeiro, vagou por esses anos pós-exílio em busca de herdeiro(s), i.é, de continuidade.
Lula e o seu Partido parecem não querer tomar ciência de que a sua carteira de trabalho e a dos sindicalistas do PT têm origem nessa longa tradição rio-grandense-do-sul e brasileira, da qual Brizola foi a sua foz. Revelar-se-ia, pois, o PT um Partido sem história, portanto, com sérias dificuldades para gerar projeto de nação, cujas conseqüências, entre muitas, foram a decisiva contribuição do PT na eleição presidencial de 1989, impedindo Brizola de chegar ao segundo turno contra Collor e, hoje, a ausência de planeamento cultural, tal como o Trabalhismo realizou, redundando, aliás, na indicação de Gilberto Gil e Pedro Correa do Lago – Ministro da Cultura e Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Outra conseqüência, curiosa, foi Frei Beto, hoje Capelão do Planalto ou mesmo Capelão do neoliberalismo compensatório, em artigo, escrever que Brizola, então, era “…Um pote até aqui de lágrimas…”
Mas isso é outra conversa, pois, de tudo o que foi dito, existe outro remate: “Cabeças Cortadas”, um Brasil sem liderança, pronto e acabado para eventual golpe – o Parlamentarismo..