GARIBALDI O HERÓI DE DOIS MUNDOS E O HOMEM DE AÇÃO DE SEU SÉCULO NA REVOLUÇÃO FARROUPILHA.
Cláudio Moreira Bento, associado correspondente
Nasceu Giuseppe Garibaldi em Nizza, Itália, em 14/jul./1807, segundo filho do casal Domenico e Rosa Garibaldi há 200 anos.
Cedo se iniciou no mar e revelou grande espírito aventureiro, ao ser preso com outros meninos, já na altura de Mônaco, em expedição marítima realizada à revelia dos pais.
Aos 15 anos era marinheiro e fez a sua primeira viagem de San Remo a Odessa.
Ao passar por Roma tomou conhecimento da realidade de uma Itália dividida e dominada pelos austríacos e passou então, a viver os problemas da pátria através de intensa leitura.
Em 1830, aos 23 anos aderiu à sociedade secreta, “A Jovem Itália” de Mazzini, cujo programa era a Unidade e República italianas, tendo por divisa, Deus e Povo, Pensamento e Ação.
Ao ser apresentado a Mazzini, tornou-se carbonário, com o codinome Borel.
Fracassando a revolução de Mazzini, fugiu da Itália e atingiu Marselha na França, onde soube haver sido condenado à morte.
Por algum tempo prestou serviços ao Bey de Tunis. Depois retornou à Marselha para embarcar para o Brasil, o que fez a bordo do “Nautonnier”.
Ao transpor a barra do Rio de Janeiro ficou deslumbrado com a beleza natural do Rio de Janeiro, lamentando não ser poeta para descrevê-la.
No Rio, entrou em contato com os carbonários , Rosseti, Carníglia, Cuneo, Torrizano e Castellini. E decidiu comprar um barco que batizou de “Mazzini”.
No Rio, quando em atividades comerciais, soube estar preso na Fortaleza de Santa Cruz, o carbonário Conde Tito Lívio Zambecari, feito prisioneiro com Bento Gonçalves na Ilha da Fanfa, no Rio Jacuí.
Em decorrência da visita a Tito Lívio, aderiu à Revolução Farroupilha. Armou secretamente a “Mazzini” para realizar o corso no Sul.
Ao transporem a Fortaleza de Santa Cruz e terem acenado para o Tito Lívio, mudaram o nome do barco Mazzini para “Farroupilha”. E nele hastearam pela vez primeira, no mar, o pavilhão tricolor da República Rio-Grandense.
Depois de deixarem o Rio, aprisionaram a “Luiza” e o levam para o sul com os escravos apresados.
Em Maldonado, no Uruguai, o barco quase naufragou em virtude do mau funcionamento de sua bússola, afetada pelo metal de fuzis colocados próximo.
Na Barranca San Gregório, foram surpreendidos por um barco uruguaio hostil, sendo Garibaldi gravemente ferido, entre o pescoço e a carótida, por um tiro. E foi salvo por Carníglia.
Fugindo remontam o rio Paraná, sendo acolhidos por Enxágüe, governador de Entre Rios. Mas o substituto deste, ao conhecer a tentativa de fuga de Garibaldi, o submeteu a chibatadas pelo corpo e rosto, complementadas por torturas de toda a ordem, até o libertar em Gualeguai.
Garibaldi em Piratini a capital farroupilha
Malogrado corso no mar, Garibaldi foi para Piratini, a capital farrapa. E depois através do atual Município de Canguçu, berço de Cel. Joaquim Teixeira Nunes, seu futuro companheiro na expedição a Laguna, atingiu o estaleiro farroupilha da margem sul da barra do Rio Camaquã. Neste local, concluiria os barcos “Independência” e “Rio Pardo”, iniciados pelo norte-americano John Griggs. E com eles deu início a ações corsárias na Lagoa dos Patos. Aí se enamoraria da pelotense Manoela, sobrinha de Bento Gonçalves e concluiria os barcos “Farroupilha II” e o lendário “Seival”, cuja réplica foi mandada construir e introduzir no Parque Histórico Marechal. Osório, em Tramandai, pelo próprio Presidente do Brasil, Gen. Ex. Emílio Garrastazu Médici. A seguir, em expedição épica, transpôs estes barcos da Lagoa dos Patos para o mar, através da barra do Tramandaí, depois rebocá-los por terra sobre enormes carretas especiais, tiradas cada, por cerca de 50 bois, num percurso de cerca de 15 km.
A caminho de Laguna – SC, naufragou o “Farroupilha II”. Garibaldi se salvou por milagre, mas perdeu dois amigos de infância, Carníglia e Matru. E dois salvadores de sua vida, Carníglia em São Gregório e o preto Procópio no estaleiro de Camaquã, ao ferir no braço o chefe adversário que comandou o ataque, o temível e competente guerrilheiro imperial, o porto-alegrense Francisco Brusque de Abreu, o “Chico Pedro”, ou Moringue e futuro Barão de Jacui.
Em Laguna, Garibaldi aumentou sua frotilha com mais cinco barcos além do “Seival”. E ali conheceu o grande amor de sua vida, a heroína Anita de Jesus, que o acompanharia em toda a sua sofrida odisséia, até tombar morta na Itália. Mas isto é outra história!.
Depois de limitados sucessos, Garibaldi foi derrotado por completo na Batalha Naval da Laguna, sendo aprisionado intacto o “Seival”.
Os últimos dias do Seival, em Laguna com o nome de Garrafão, com parte de seu casco apodrecido apoiado na praia para não afundar. Um dos seus mastros se encontra no Museu de Laguna.
(Foto cedida ao o autor pelo historiador catarinense Walter Fernando Piazza, ex presidente do IHGSC)
O “Seival” recebeu este nome, em homenagem ao combate vitorioso dos farrapos, em 10/set./1836 e que culminou com a proclamação da República Rio-Grandense, ou do Piratini, no local denominado Campo dos Menezes, pelo vencedor desta batalha, o mais tarde general farrapo, Antônio de Souza Neto. Fizemos um estudo à luz da Arte Militar deste combate no livro O Exército Farrapo e os seus chefes, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1991, v. 2. Combate vencido pela Divisão Liberal de Antônio Neto que resultara da mudança de nome do Corpo da Guarda Nacional de Piratini formado com homens mobilizados em seus distritos de Cerrito, Canguçu, de Bagé até o Pirai, além de no distrito sede de Piratini e reforçado por um Corpo de Lanceiros Negros.
Por muitos anos existiu no Palácio Piratini um enorme óleo focalizando a Proclamação da República em Campo dos Menezes e que se encontra hoje no Posto de Comando do Regimento Bento Gonçalves da Brigada Militar. Em 10 de maio de 1986, sesquicentenário do Combate do Seival que criou condições para a Proclamação da República Rio-Grandense, fundamos em Pelotas no auditório da Escola Técnica Federal o Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS) que vem atuando há 21 anos.
Derrotado no mar, Garibaldi agora infante, integrando tropas do Cel. Joaquim Teixeira Nunes, rumou para o planalto catarinense, em companhia de Anita e Rosseti. E, creio, passaria um período dos mais difíceis, críticos e sofridos de toda a sua aventurosa vida.
Nesta ocasião, combateu a pé num corpo a corpo de arma branca dentro de um mangueirão em Santa Vitória, no vale do Rio Pelotas.
Se isto não bastasse, foi derrotado no combate de Marombas, e perdeu-se de Anita, feita prisioneira. E ela depois de fugir reencontraria Garibaldi em Vacaria. Anita caminhara também cinco dias no interior de um matagal hostil, até atingir Lages e, em situação quase que semelhante, até Viamão ou Setembrina.
Próximo a Mostardas, onde nasceu seu filho Menotti, Garibaldi dirigiu a construção de barcos para atravessar meios de São Lourenço do Sul e cavalhadas de Canguçu, para a derradeira tentativa de conquista da barra do Rio Grande. O ataque a S. José do Norte abortou em razão de o General Bento Gonçalves ter abdicado da possibilidade de vitória, ao custo de incêndio da praça e de eliminar vidas inocentes, crianças e idosos.
Tendo os imperiais forçado os farroupilhas a levantar o débil cerco de Porto Alegre, Garibaldi junto com seu filho de três meses, mais tarde general italiano participaria do que se chamou de “Retirada Desastrosa”, através da mata bruta das encostas do planalto rio-grandense.
Nesta marcha infernal “na antecâmara do inferno”, em busca dum combate decisivo com o Gen. Labatut, se deslocando a pé, dia e noite sem cessar, padecendo frio, fome, chuvas, atravessando rios transbordantes, alimentando-se de cavalos, muitos dos expedicionários não tiveram a ventura, após mil e uma peripécias e sofrimentos indiscutíveis, de atingir com vida São Gabriel, por terem perecido ao longo do caminho.
Poderão ajuizar dos sacrifícios que padeceram estes retirantes, os que conhecem a hostilidade das matas e do relevo do planalto gaúcho, e ainda mais no frio.
Garibaldi deixa a Revolução Farroupilha
Em São Gabriel, Garibaldi deixou a revolução e penetrou no Uruguai, “tropeando” 900 cabeças de gado, como pagamento de seus 4 anos de serviços prestados aos farroupilhas. E a seu lado e a cavalo, duas grandes lembranças do Brasil: sua heróica Anita e, em seu colo, seu filho Menotti.
No Uruguai Garibaldi lecionou Matemática. E nasceram mais filhos. Regularizou a união com Anita, e vivenciou freqüentes momentos de extrema miséria, em função de seu idealismo.
Comandou a Esquadra Uruguaia contra a potente e numerosa Esquadra de Rosas comandada por Browm, sendo completamente batido.
Depois comandou uma Divisão de Voluntários Italianos, em Montevidéu.
Depois de 14 anos na América, retornou à Itália, onde foi recebido com herói.
Na Itália, combateu, venceu e perdeu a sua Anita. E abortou mais uma vez o seu projeto de unificar a Itália. E mais uma vez o exílio: Gibraltar, África, EE. UU., América Central e o Peru.
Mas não esmoreceu. E de novo na Itália, lutou sob o calor de seu “poncho-pala” inspirador, e do qual, à maneira de Osório, o lanceiro legendário, jamais se afastava em campanha, por ser o símbolo que personalizava a liderança de ambos.
Garibaldi foi à encarnação do guerreiro que sabia que a guerra é feita de muitas batalhas e o importante é ser constante e vencer a última.
Garibaldi conheceu, ainda vivo, a glória, em seu alto grau, após levar a vida real mais romanesca, sendo por isto considerado o homem de ação de seu século e o Herói de Dois Mundos, ao lado de Victor Hugo considerado o verbo.
Gozou da admiração de pessoas ilustres, como George Sand, Alexandre Dumas, que lhe redigiu as Memórias, Abraham Lincoln que lhe ofereceu o posto de general em seu Exército e, de Victor Hugo, que inclusive, lhe reservou quarto em sua moradia. Faleceu em 1882, aos 75 anos.
Na Itália no auge de sua fama assim lembrou de seu companheiros da Revolução Farroupilha.
” E repassando na Memória as vicissitudes da minha vida no vosso meio, em 6 anos de guerra e de constante prática de ações magnânimas, como que em delírio exclamo:
Onde estão este belicosos filhos do Continente ( Rio Grande do Sul), tão majestosamente intrépidos nos combates? Onde estão Bento Gonçalves, Antônio Neto, Davi Canabarro, Joaquim Teixeira Nunes e outros tantos lanceiros farrapos que não me lembro!
Que o Rio Grande ateste com uma modesta lápide o sítio em que descansam seus ossos. E vossas belíssimas patrícias (a mulher gaúcha) cubram de flores este santuário de suas glórias.”
Somente os restos mortais do Cel. Joaquim Teixeira Nunes foram sepultados em local não sabido no município de Arroio Grande. Na minissérie A Casa das 7 Mulheres ele foi muito bem representado pelo ator Douglas Simon e não foi linchado moralmente como os dois grandes generais farrapos Bento Manuel Ribeiro e David Canabarro.