GETÚLIO VARGAS DO PAMPA À SERRA

Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito –

Atração dos opostos ou afinidade, o certo é que Getúlio Vargas, filho da fronteira aberta da campanha gaúcha, rebento de São Borja, na velha zona missioneira, foi de uma fidelidade impressionante à serra, desde que fixou-se em Ouro Preto, ainda jovem, para levar avante sua formação nas chamadas humanidades.

Depois, já como chefe do Governo Provisório, após a Revolução de 30, a Petrópolis veraniega jamais saiu da cogitação getuliana e, quando eventualmente daqui saía durante a “saison”, buscava a serra mineira do circuito das águas, visitando ora São Lourenço, ora Caxambu, ora Poços de Caldas.

A serra é um convite permanente à reflexão, ao recolhimento, ao cultivo do espírito e das idéias. A serra no trópico é benfazeja, pelas amenidades do clima.

A alma retrancada, cismarenta e precavida de Getúlio, encontrou boa acolhida nas quebradas protetoras e hermetizantes da Estrela e da Mantiqueira. O gaúcho do pampa destabocado e desabrido, amineirou-se no alcantilado das vertentes do Paraíba e do rio Grande.

Em 16 de março de 1931, Vargas chegava a Petrópolis, para o seu primeiro veraneio oficial, que durou 36 dias, tendo terminado a 20 de abril.

Não se tratavam de férias propriamente ditas, pois o Chefe do Governo não se restringia aqui a desfrutar da calma da cidade, da temperatura agradável, dos passeios pelas ruas e arredores e dos compromissos sociais. Havia sempre papéis a despachar, assuntos a reclamar acurado estudo, audiências, reuniões com assessores e credenciais de representantes diplomáticos a receber. E tudo isso respingado de crises, ameaças, boatos, descontentamentos, muitos deles oriundos da transição que parecia fazer-se no país.

De qualquer forma a vida no Rio Negro, sem o desgaste da velocidade das comunicações dos dias que correm e sem a complexidade de um Brasil às vésperas do terceiro milênio, era incontestavelmente muito mansa e portanto restauradora.

Do Diário/relatório de Getúlio referente ao verão de 1931, num tom monótono e frio como sapo, em linguagem quase telegráfica, consta apenas um fato relevante em termos locais, já que o resto se refere à politicagem nacional, ao azedume dos interesses contrariados, à fermentação dos arraiais descontentes. Pura briguinha pelo poder no quintal. Raça infame.

Era 19 de abril de 1931, dia em que o Chefe do Governo Provisório da República completava 48 anos. E ele registrava:

“Sendo dia do meu aniversário não quis incomodar a ninguém com visitas de consideração pessoal ou dever de cortesia, e, ausentei-me com o Prefeito Fiuza e algumas outras pessoas. Fomos almoçar em Areal em casa do dr. Domingos da Veiga Soares. Também visitei a fazenda do sr. Medici e fui até as pontes de Alberto Torres e Piabanha que servem à estrada de rodagem União e Indústria.

Regressei quase às 7 da noite. Encontrei poucas visitas, alguns presentes e felicitações. Os jornais do Rio assinalaram com muita simpatia o meu aniversário.” (Diário, vol. I, pág. 58)

Getúlio via de regra cumpria anos durante os veraneios em Petrópolis e sempre encontrava meios de driblar a imprensa, os cortesãos e os amigos, fugindo bem cedo para lugar distante, regressando ao Rio Negro já à noitinha.

Em 1931, escolheu Areal, viajando pela esburacada União e Indústria em companhia do Prefeito Yedo Fiuza e de outras pessoas cujo nome não declinou.

No então distrito de Entre Rios (Três Rios), almoçou em casa de Domingos da Veiga Soares, médico, figura destacada no lugar, membro de numerosa família arealense, proprietária de grandes extensões de terra nas duas margens do Piabanha. Foi um dos fundadores do hoje Laboratório Darrow, responsável por empregos e polpudos ingressos nos cofres do atual município de Areal.

Os Medici eram afazendados do lado oposto à Fazenda Velha, à margem esquerda da estrada que liga Areal a Bemposta. Juca Medici tinha abatedouro e era o grande fornecedor de carne na região, o que realmente agradava ao gosto gaúcho.

Nesse mesmo dia 19 de abril de 1931, Getúlio ainda teve tempo de visitar duas das pontes da União e Indústria, ambas sobre o rio Piabanha, a primeira na localidade de Alberto Torres, onde desde 1908 funciona usina hidro-elétrica, hoje controlada CERJ.

Cabe aqui um comentário especial sobre essa obra de arte.

Belíssimo exemplar da chamada arquitetura do ferro, ela é guarnecida por uma trama de ferro fundido importada da Inglaterra e ali colocada quando da construção da estrada União e Indústria. Ao pé das quatro cabeceiras, há placas de ferro com os seguintes dizeres:

“Companhia União e Indústria – Diretor Presidente M. P. Ferreira Lage – Engenheiro – Cap. A.M.O. Bulhoens – 1860”

Restaurada em 1966 na administração do Prefeito trirriense Joaquim Ferreira, com a ajuda da então C.B.E.E., hoje CERJ, a obra foi reentregue ao público em 29 de janeiro de 1967.

De lá para cá, ou seja há quase trinta anos, nada mais foi feito no local, estando a ponte ameaçando ruína, tendo inclusive perdido o rendado em ferro que guarnecia o teto numa de suas cabeceiras.

É um crime contra a memória da veteraníssima rodovia brasileira inaugurada em 1861 e contra o patrimônio histórico e artístico nacional, permitir-se aquele estado de abandono e fazer-se vista grossa ao desmantelo de uma peça hoje rara em todo o vale do Paraíba, incluindo-se nele todos os seus tributários.

Em termos de União e Indústria, já perdemos a ponte dos Arcos, em Itaipava, todas as estações de muda, com exceção da de Paraibuna, onde está o Museu Rodoviário e inúmeras outras obras de arte, algumas impiedosamente sacrificadas quando da construção da BR 40.

Que se unam as Prefeituras de Areal e de Três Rios, os Institutos Históricos de Petrópolis e de Estudos Valeparaibanos, para que se recupere no mais breve prazo possível a bela ponte de Alberto Torres, a mesma que Getúlio Vargas visitou na tarde de 19 de abril de 1931.