GRANDE GUERRA E PETRÓPOLIS (A)

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, Associado Titular, Cadeira n.º 13 – Patrono C.el Amaro Emílio da Veiga

A grande guerra”, como ficou conhecida, ocorreu em época onde não se discutia se uma guerra era justa ou injusta, como hoje é corrente, mas nada lhe retira a imagem de processo desumano, bárbaro de imensa irracionalidade. Sua denominação permaneceu até os anos 30, possuindo origem em uma guerra europeia que se expande arrastando aliados. Resultado do choque entre poderes políticos de Estados que se propunham hegemônicos com discursos nacionalistas, xenófobos, destruidores. Coroados pelos interesses econômicos do imperialismo, geoestratégico, tecnológicos que se orientaram por ideologia de superioridade nacional neodarwinista, evoluindo posteriormente para discurso racial. Sua representatividade era sinônimo da arrogância econômica das nações que arrotavam hegemonia à época.

René Remond (1974) questionava o porquê de se atribuir tamanha importância à guerra? Não estaríamos superestimando seu papel? Suas consequências foram tão decisivas a ponto de mudarem a história da humanidade?

Quanto às responsabilidades, presumidas ou aceitas, como no caso da Alemanha, perguntamos ainda o porquê da Alemanha ter desejado o conflito? Questão nacional? Econômica? Expansão? Necessidade vital do militarismo prussiano? A procura por novos mercados? Rivalidade com a Inglaterra?

Poder, domínio ao custo de mais de dez milhões de mortos. Uma aventura nesta contabilidade hoje centenária!

Pode ser que tenha transformado os países nela implicados, pois alteraram regimes, negócios, fronteiras, sistemas de forças, mas o mundo não se tornou melhor, pelo contrário em seu vácuo surgiram conflitos imensos que produziram seis vezes mais o número de mortos que esta. Discute-se ainda se a segunda guerra não seria sua extensão, garantida pela subdivisão. Continuidade em uma extensa faixa temporal de conflitos camuflados por disputas menores e imensos genocídios?

Para o nosso país, noticiários dos jornais da Capital Federal refletiam esta surpresa, de certa forma com grande entusiasmo como registrou o jornal A Noite: “O entusiasmo do povo aglomerado na nossa artéria principal não tinha limites” (Avenida Rio Branco); “… à aparição de um símbolo das nações aliadas, vivas eram ouvidos acompanhados de salva de palmas, de aclamações ruidosas…”.

Mas todo este entusiasmo não se compararia aos problemas vividos por nossa localidade serrana no decorrer de 1917 (Tribuna de Petrópolis). Em outubro, o “paquete” Macau, brasileiro, foi torpedeado por um submarino alemão no Atlântico, sendo o quarto, fato que “… conduziu nosso governo a proclamar o estado de guerra entre o Império Alemão e os Estados Unidos do Brasil”.

Porém, relatos de Gabriel Fróes (1952) não cessam, acompanharam este emocionante acontecimento, mas com olhos voltados para Petrópolis, onde particularmente a presença dos imigrantes-colonos era o elo de relação com o conflito europeu.

Uma contenda de rua entre dois italianos, segundo Fróes, altera a situação da paz em que se encontrava a cidade explodindo um cenário de conflitos que o Rio marcou como grave em seus jornais. Por 24 horas a cidade vai se esquecer de que foi colonizada por alemães. Perseguições se instauram por uma multidão furiosa, estimulada por personagens obscuros que desejavam ver a cidade arder, mas que não foram investigados segundo descrições da imprensa que preferiu apontar como culpados os operários e suas rebeldes jornadas operárias, um bode expiatório a contento das autoridades locais e dos industriais procurando trazer do Rio maior efetivo policial.

O relato de Fróes inicia-se pela noite de Finados, passados alguns dias do torpedeamento da nave brasileira e da declaração de guerra, quando a discussão gerada entre um senhor Avelon e Matarazzo, motivada pela guerra, apresentando partidários políticos, pois um destes falava mal do Brasil quando o conflito toma vulto sendo conduzidos à delegacia com populares do lado externo desejavam linchar um destes por sua posição (Tribuna de Petrópolis), “… populares, empunhavam bandeiras brasileiras e das nações aliadas, depois de aclamarem a decisão policial, atravessaram a ponte e passaram a vaiar insistente a Pensão Max Meyer, cujo proprietário é obrigado a retirar pessoalmente a publicidade com o nome do estabelecimento, sendo as mesmas jogadas ao rio”. A ação foi suficiente para conduzir a outros ataques, as casas comerciais foram cercadas, atacadas por grupos cada vez maiores e exaltados, seguindo-se a outros estabelecimentos.

Otto Loefler, Confeitaria e Padaria Alemã, “Deutscher Verein” (periódico alemão tradicional) que foi empastelado com retratos do Kaiser e bandeiras, quebrados e queimados; partiram para a Rua 13 de Maio onde multidão enfurecida atacou a tradicional “Sangerbund Eintracht, sendo suas instalações a sofreram depredações; a tipografia de Edmundo Hess, onde era impresso o jornal alemão “Nachriten” que também foi empastelado; “invadiram o Armazem Finkennauer, tradicional estabelecimento pertencente a brasileiros que foi saqueado.

Já contavam com mais de mil pessoas completamente ensandecidas que invadiram desta vez “… a Pensão Max Meyer, onde, dessa feita, tudo foi destruído e atirado ao rio. Da popular casa, nada, absolutamente nada, sobrou; encaminhando-se para a Estação da Leopoldina e nas proximidades a multidão “… atacou o prédio do alemão Alfredo Hansen onde as filhas postaram-se de joelhos à entrada implorando clemência…”; na Rua Dr. Porciúncula, invadiram a barbearia “… do brasileiro, o sr. Augusto Esch cujos móveis foram levados para o logradouro público e queimados; partiram então após ordens não identificadas segundo os jornais para atacar a Escola Evangélica de forma “alucinante”, “… o prédio é assaltado e os bancos, mesas, cadeiras e tudo o mais que lá estava vôa pelas janelas, sendo queimado na rua.” Fróes em seu relato, sendo também descendente de alemães, fazia questão de frisar que os estabelecimentos pertenciam a brasileiros, mesmo que fossem descendentes de alemães, uma justificativa que não foi incorporada à sanha ou compreensão dos invasores da época.

A barbárie segundo Fróes continuou pela Padaria Alemã, no açougue de Fritz Gayse, nas oficinas gráficas dos frades franciscanos que são empasteladas. O estabelecimento de André Lepsch, à Rua Carlos Gomes. Às 4.30 horas da madrugada, a turba ainda percorria ruas da cidade empunhando bandeira brasileira e cantando hinos patrióticos.

O saldo da destruição segundo pesquisas de Fróes se abateu por todo comércio petropolitano do centro, completamente destruído, culminando novamente com a antiga Padaria Alemã, de João Klinkhamer, que prudentemente, havia mudado o nome para Padaria de Luxo, porém isto de nada adiantou, pois a destruição foi impiedosa.

O balanço do pseudo-movimento patriótico de novembro de 1917 foi trágico, mas não fatal, pois não ocorreram mortos ou feridos. Nada menos de quatorze estabelecimentos foram assaltados e, na quase totalidade, destruídos pela multidão em fúria: três sociedades civis, dez casas comerciais e industriais e uma residência. Dois deles, os jornais “Nachriten” e “Deutscher Verein” desapareceram.

Boatos gerados por colunistas afirmavam terem ocorrido barricadas em bairros de colonos para defesa. A legitimação nacionalista tornava-se profundamente emocional (Anderson, 2008).

Os acontecimentos de Petrópolis repercutiram na Capital, imediatamente o Chefe de Polícia do Estado acompanhado de forte contingente policial subiu à serra, sendo que grande parte seguiu curiosamente para fábricas. Sempre o receio dos operários!

 

Bibliografia:

Anderson, Benedict. Comunidades Imaginadas, Cia. Das Letras, 2008;

Remond, Rene. O Século XX, Editora Cultrix, São Paulo, 1974;

Fróes, Gabriel. O Caráter Petropolitano, Tribuna de Petrópolis, 1952