HÁ 150 ANOS NASCIA A UNIÃO E INDÚSTRIA

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

A construção da estrada conhecida por União e Indústria, iniciada em abril de 1856 é contemporânea das obras de viabilização da estrada de ferro de Mauá e da ferrovia D. Pedro II, projetos que no tempo em que se deram, completaram-se aqui, confundiram-se ali ou entraram em conflito acolá.

Numa perspectiva maior tinham todos como bússola os velhos caminhos coloniais na ligação entre o Rio de Janeiro e o coração das Minas Gerais e como meta a moderna comunicação da capital do Império com o rio das Velhas e por este com o São Francisco.

Projetos de integração longitudinal, visando aproximar o centro sul do nordeste brasileiro. Iniciativas de incontestável alcance geográfico, num país que se movia por ilhas por falta de razoável malha viária de alinhavamento das províncias.

A estrada que tomou o nome da companhia executora das obras, já estava pensada desde quando as províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, num esforço comum, tentaram realizar o projeto da chamada Estrada do Paraibuna, que, ao fim e ao cabo iria ligar Petrópolis a Ouro Preto, dando passagem a veículos rodantes.

Se a província de Minas Gerais tentava tocar as obras com certa celeridade, tal não acontecia com a fluminense, tendo mesmo o Presidente Luiz Antonio Barbosa mandado suspender os trabalhos na seção entre a fazenda do Secretário e a Lage.

No relatório de 2 de maio de 1854 o mesmo Luiz Antonio Barbosa afirmava categórico:

“Suspendi a construção da ponte sobre o rio Fagundes, porque sendo pequena a consignação e não podendo eleva-la, era em grande parte absorvida pelas despesas com o pessoal da administração e aumentei com essa consignação o número dos trabalhadores empregados na seção entre os rios Paraíba e Paraibuna”.

O Presidente da Província do Rio de Janeiro esteve pois trabalhando naquele velho sistema do cobertor curto ou de descobrir um santo para cobrir outro.

Na verdade a obra seria da competência do governo geral já que atendia às províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Tanto é verdade que a ponte sobre o rio Paraibuna estava sendo financiada pelos cofres gerais, que também acudiam em parte às despesas feitas pela província fluminense com a seção da estrada aquém Paraibuna, rio que dividia e segue dividindo as duas províncias, hoje estados.

Não obstante, tanto Minas como Rio de Janeiro buscavam seus próprios instrumentos legais e até mesmo recursos financeiros para que a obra da Estrada do Paraibuna se tornasse uma realidade, permitindo o trânsito de veículos rodantes em seu leito.

No trecho fluminense da pretendida rodovia, já estava em tráfego a Estrada Normal da Estrela e muito já havia sido feito para melhorar as condições do veterano Atalho do Caminho Novo, que corria pela margem direita do rio Piabanha até a confluência do rio da Cidade.

O decreto geral nº 1031 de 7 de agosto de 1852 autorizou o empresário barbacenense Mariano Procópio Ferreira Lage a construir, melhorar e conservar à sua própria custa duas linhas de estrada que, começando nos lugares mais apropriados à margem do rio Paraíba “desde a vila deste nome até ao Porto Novo do Cunha”, se dirigissem: uma até a barra do rio das Velhas, passando por Barbacena, com ramal desta para São João del Rei; outra pelo município de Mar de Espanha, rumando no sentido de Ouro Preto.

A Assembléia Geral em 11 de setembro de 1852 aprovou tal privilégio pelo prazo de cinqüenta anos.

Sem perder tempo Mariano Procópio fundou a Companhia União e Indústria, cujos estatutos provisórios foram adotados pela assembléia dos acionistas em 24 de janeiro de 1853. A 31 daquele mês foi lavrado o contrato entre a empresa e o governo da Província de Minas Gerais para que se desse execução às obras projetadas. A lei provincial nº 631 de 10 de julho de 1853 aprovou a avença, que foi alterada por termo lavrado a 23 de maio de 1854.

O decreto geral nº 1336 de 18 de fevereiro de 1854 aprovou os estatutos provisórios da Companhia União e Indústria, que assim estava habilitada a funcionar de pleno direito no Império.

Ora, se a idéia era construir uma nova estrada, ligando o coração das Minas Gerais à margem do rio Paraíba, prolongando-se a rodovia pela Província do Rio de Janeiro de modo a atingir a Corte, seria natural que o empresário que se ocupasse das obras numa província deveria tocá-las também na outra, até para que se evitassem dicotomias.

Ocorre que Irineu Evangelista de Souza, que acabara de inaugurar sua emblemática ferrovia ligando o Porto de Mauá à raiz da serra de Petrópolis (30/04/1854), detinha privilégio para construir uma estrada de Petrópolis ao porto das Três Barras (atual Três Rios). Ao mesmo tempo desenvolvia-se o projeto da Estrada de Ferro D. Pedro II, que varando a serra do Mar, corria pelo vale do Paraíba fluminense alcançando a Vila de Paraíba do Sul.

Luiz Antonio Barbosa, então Presidente da Província do Rio de Janeiro, num de seus relatórios de 1855 (infelizmente não constam dele mês e dia) afirmou que havia dois empecilhos para que se realizasse o trecho da nova estrada de Petrópolis a Paraíba do Sul: o privilégio assegurado ao Barão de Mauá, que pendia da solução do governo imperial sobre a garantia de juros e a “incerteza do tempo em que a Estrada de Ferro D. Pedro II realizando-se conforme a lei de 26 de junho de 1852 poderia tocar na vila de Paraíba do Sul e os receios da influência que, chegando ela a este ponto poderia exercer sobre o tráfego da estrada de rodagem”.

Quanto ao primeiro obstáculo, afirmava o presidente que o mesmo acabara de ser removido graças à desistência do Barão de Mauá de seu privilégio. Já o segundo demonstrava claramente que cedo ou tarde haveria uma concorrência desnecessária e prejudicial aos interesses empresariais entre a rodovia e a estrada de ferro.

A atitude de Mauá abrindo mão de seu privilégio deixou o caminho livre para que Mariano Procópio realizasse seu projeto rodoviário tanto em Minas Gerais como na província fluminense.

O Presidente desta, estribado nas leis provinciais 724 de 25 de outubro de 1854 e 848 de 3 de novembro de 1855, art. 3º § 7º, contratou em 19 de março de 1856 com o Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage a construção, conservação e custeio de uma estrada de rodagem para carros de quatro rodas, carruagens e diligências, desde Petrópolis até a margem direita do rio Paraíba, defronte da vila do mesmo nome.

A cláusula 1ª desta avença era bem elucidativa.

A estrada deveria tocar nas Três Barras, isto é, passando por aí a linha principal ou por meio de um ramal dela partindo do ponto que mais conviesse. A rodovia tinha que oferecer cômodo e seguro trânsito para veículos rodantes durante qualquer estação do ano. Ela teria entre as valetas ou entre a valeta e a banqueta, trinta e dois palmos de largura, não excedendo a máxima declividade longitudinal o limite de um por vinte e cinco, ou 4%. O raio das curvas nunca seria menor de quinze braças. O calçamento seria pelo sistema Mac-Adams.

A estrada estava dividida em duas seções: uma de Petrópolis a Pedro do Rio e outra deste ponto até a ponte em construção sobre o rio Paraíba diante da vila do mesmo nome.

O decreto geral nº 1735 de 19 de março de 1856 autorizou o Presidente da Província do Rio de Janeiro a garantir por parte do governo imperial à Companhia União e Indústria o juro de 2% adicional ao que foi concedido por lei da mesma província para a construção e custeio da estrada em estudo.

Estava pois concretizada uma excelente parceria entre o governo geral, os das províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro e a iniciativa privada representada pela Companhia União e Indústria. Cada um dos parceiros, nos limites de sua competência estava iniciando uma das obras viárias mais importantes do Império, a estrada conhecida por União e Indústria, padrão para a época e paradigma brasileiro durante muitas décadas.

As obras começaram no dia 12 de abril de 1856 numa solenidade que contou com a presenças de SS. MM. II e de muitas pessoas gradas.

Para perpetuar na memória coletiva tão auspicioso acontecimento, foi colocada uma lápide de mármore branco, logo à entrada da rua Westfalia, atual Barão do Rio Branco, com os seguintes dizeres:

“Sob a muita alta proteção de S.M o Imperador o Senhor D. Pedro II, na augusta presença do mesmo senhor e de S.M. a Imperatriz, a Companhia União e Indústria começou a construir esta estrada no dia 12 de abril de 1856”.

Não poderia passar desapercebida tão cara efeméride. Afinal estamos comemorando os 150 anos do início da construção da espinha dorsal do município de Petrópolis.