O HERÓI PETROPOLITANO

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, associado titular, cadeira n.º 14, patrono João Duarte da Silveira

 

A 20 de setembro de 1896 nasce em Petrópolis o herói nacional Eduardo Gomes.

Infância normal aqui na sua terra com seus pais. Aos 20 anos de idade ingressa na Escola Militar de Realengo, seguindo uma tradição militar de família já que seu pai pertencera aos quadros da Marinha de Guerra Brasileira. Entusiasmado com a aviação, cujo pioneiro fora Alberto Santos=Dumont, que apreciava e conhecia em Petrópolis, o jovem passa para a Escola de Aviação, integrada de cadetes cheios de entusiasmo e sob o encanto da grande novidade que exigia arrojo, perícia, coragem e desprendimento.

No ano de 1922, eclode a revolta dos tenentes do Forte de Copacabana, em episódio célebre que passou à história como “Epopéia dos 18 do Forte”. Nele está integrado o jovem Eduardo Gomes. No dia 5 de julho, em protesto contra o fechamento do Clube Militar e a prisão do ex-Presidente da República Hermes da Fonseca, estando esgotadas as negociações com o governo os jovens tenentes, liderados por Siqueira Campos, saem em marcha para enfrentar as tropas do governo. Previamente uma bandeira brasileira é cortada em 29 pedaços que são repartidos entre os revoltosos. Começa a caminhada a partir do Forte seguindo a Avenida Atlântica. Alguns debandam e 18 chegam até o Hotel de Londres, a eles se juntando um civil, o engenheiro Otávio Correia. São recebidos por tremenda fuzilaria desfechada por 3.000 soldados legalistas entrincheirados. Caem baleados dez revoltosos e vivos apenas dois: os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes, ambos muito feridos, imediatamente internados no Hospital Militar. Morrem no combate: o civil Otávio Corrêa, os tenentes Mário Carpenter e Nilton Prado e os soldados José Pinto de Oliveira, Manoel Antônio dos Reis e Hildebrando da Silva Nunes e dois não nominados.

O heroísmo dos tenentes que não recuaram, avançando resolutos contra as tropas do governo, confere a Eduardo Gomes, juntamente com seus companheiros, o primeiro galardão de coragem e desprendimento em favor do país, ficando seu nome gravado no panteão dos mais admirados heróis brasileiros..

Após recuperar-se dos ferimentos é preso, consegue fugir para o interior do país, trabalhando como professor. Consegue identidade falsa até que no ano de 1924 está de novo em luta contra o governo federal participando de um raid de aviadores que sitiam a cidade de São Paulo e sobrevoam o Rio de Janeiro. Prosseguindo em sua jornada contra o governo de Arthur Bernardes, um dos presidentes mais atrabiliários e odiados de todos os tempos, governante do país em permanente estado de sítio, tenta se juntar à Coluna Prestes no sul do país, porém é preso. Sua fama de revolucionário tenaz e corajoso, que luta contra os vícios da República Velha ou do “café-com-leite”, ganha projeção nacional e o respeito da população por sua conduta séria e arrojada na busca do ideal de melhoria da política brasileira. É o período de nossa História batizado pelos historiadores de “Era das Revoluções”.

No ano de 1929 é novamente preso. Amarga a prisão militar até maio de 1930 e na qualidade de oficial da Diretoria de Aviação Militar, lidera movimento para denunciar as fraudes eleitorais que pretendiam levar ao governo o paulista Júlio Prestes em sucessão a Washington Luís, eleição de cartas marcadas e que teve a posse impedida pelo movimento liderado pelo gaúcho Getúlio Vargas e que terminou na deposição de Washington Luís.

Eduardo Gomes, apesar da participação ativa e direta nos movimento contestatórios ao governo, não foi expulso da força aérea, pelo contrário, tornou-se uma referência, embora constantemente foragido ou preso.

Com a ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República, o jovem Eduardo Gomes retoma sua carreira de oficial aviador, sem novos projetos revolucionários, por entender que o problema da “República Velha” está sepultado com a nova ordem social do país, com um Governo Provisório elaborando nova Constituição Federal, sob promessa de pronta legalidade e retomada do rumo democrático.

Eduardo Gomes, promovido a major-aviador, apaixona-se pelo projeto de integração nacional e trabalha intensamente para a criação do Correio Aéreo Militar, precursor do Correio Aéreo Nacional (CAN). Seu esforço é plenamente recompensado e o Brasil começa a ser mais conhecido dos brasileiros. É o momento da grande epopéia de reconhecimento do território nacional. Pela criação do Correio Aéreo Nacional, o nome de Eduardo Gomes é hoje consagrado como patrono do CAN. No dizer do seu biógrafo Brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira, no livro “Caminhando com Eduardo Gomes” (Editora Novas Direções, Rio, 1989), “A epopéia do CAN é a grande obra de Eduardo Gomes num tempo em que a falta de integração fazia do Brasil um arquipélago de cidades”. Uma imagem bela e realista de um tempo onde a abnegação e a coragem eram os verdadeiros atributos dos heróis.

Com o novo governo assume o comando do 2º Regimento de Aeronáutica mas exonera-se quando da implantação do Estado Novo em 1937 por Getúlio Vargas. Não concorda com o poder absoluto do presidente e, decididamente democrata, é contrário à implantação da ditadura personalista nos moldes do mundo de então que sofria o efeito dos governos fortes ou fortemente centralizados. Recebe a patente de coronel, no ano de 1938 e o comando do Serviço de Rotas e Bases Aéreas. Em seguida torna-se comandante da 1ª e 2ª Zonas Aéreas, de 1941 a 1944, quando participa ativamente da defesa de nosso litoral, servindo diretamente com o exército norte-americano. É um homem de muita fibra e de ação, sempre presente aos conflitos internos e externos desde que ameaçada a soberania brasileira.

Em setembro de 1944 conquista a patente de major-brigadeiro. É, naquele instante difícil da vida política brasileira e mundial, oficial das forças armadas de grande prestígio e popularidade, o que leva uma forte corrente política nacional a convidá-lo para disputar a presidência da República para a sucessão de Getúlio Vargas. O anúncio da candidatura é feito por José Américo de Almeida em entrevista a Carlos Lacerda no “Correio da Manhã”, edição de 22 de fevereiro de 1945. Diz José Américo: “As forças políticas nacionais já têm um candidato. É um homem cheio de serviços à Pátria”. Em uma segunda declaração, agora ao jornal “O Globo”, completa José Américo: “O candidato será o Major-Brigadeiro Eduardo Gomes, que aceitará o lançamento de seu nome, se for criado um ambiente de liberdade e de garantia para o funcionamento do regime representativo no Brasil”.

Ingressa na União Democrática Nacional (UDN), enquanto Getúlio Vargas apóia acintosamente o Partido Social Democrático, conquanto fosse o fundador e líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de base populista.

A UDN tinha suas origens na luta clandestina contra o Estado Novo e o PSD surgira de cima para baixo sob a orientação de Getúlio Vargas.

Ferido o pleito, vence o candidato General Eurico Gaspar Dutra, ficando Eduardo Gomes em segundo lugar. Contribui muito para a vitória de Dutra, que não tinha o valor e nem a popularidade de Eduardo Gomes, a calúnia inventada pelos próceres do PSD e PTB dizendo em sua propaganda e nos comícios que Eduardo Gomes abria mão do voto dos “marmiteiros”, que não precisava deles para vencer. Marmiteiro era a massa trabalhadora brasileira. Dutra teve 3.251.507 votos (55% do total) ; o brigadeiro 2.039.342 votos (35%). O ex-Prefeito-Interventor de Petrópolis, Yedo Fiúza, concorrendo pelo Partido Comunista, ficou em terceiro com 569.818 votos (9,83%).

Assim facilmente Getúlio Vargas fez o sucessor e preparou seu retorno em 1950. O governo Dutra fracassa em termos econômico-financeiros por gastar em supérfluos as divisas conquistadas no Exterior, superavit conquistado com as exportações brasileiras para os países envolvidos diretamente na guerra mundial, partindo daí, nosso país de credor a devedor, o que jamais conseguiu superar até nossos dias. E, também, por pedido de sua mulher D. Santinha, fecha o jogo no país, situação que até hoje perdura. Como, também, ainda hoje, os golpes baixíssimos de políticos que inventam situações e mentiras para conquistarem o voto ingênuo do povo. O marmiteiro mudou de nome mas ainda cai nas garras da política de resultados.

Na eleição de 1950, redemocratizado o país, com uma Constituição Federal (1946) aceitável, novamente Eduardo Gomes – o Brigadeiro – apresenta-se candidato pela UDN, agora concorrendo contra Getúlio Vargas pelo PTB e Cristiano Machado pelo PSD.

A UDN e Eduardo Gomes contam com a divisão de votos entre os petebistas e os pessedistas para chegar na frente mas boa parcela do PSD vota em Getúlio, desprezando seu candidato Cristiano Machado, no evento apelidado de “cristianização”.

O resultado do pleito demonstra a traição: Getúlio (48,7%, quase maioria absoluta), Brigadeiro (29,7%) e Cristiano (21,5%). Quando parecia que a divisão entre Getúlio e Cristiano definiria o pleito em favor de Eduardo Gomes, é ele que divide a derrota com o “cristianizado”. Retorna Getúlio Vargas ao poder supremo da República.

Eduardo Gomes não mais pleiteia cargos eletivos, retornando à sua bem sucedida e respeitada carreira militar.

No ano de 1954, com a atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, com destacados oficiais da Aeronáutica tomando franco partido contra o presidente, esta a razão indireta do trágico incidente, degringola-se o governo de Getúlio Vargas, que não tem apoio de Eduardo Gomes. Após o trágico 24 de agosto (suicídio do presidente) e assunção do vice João Café Filho, ocupa Eduardo Gomes o cargo de Ministro da Aeronáutica.

Nos governos seguintes de Juscelino Kubistchek. Jânio Quadros e João Goulart mantém-se afastado do poder, dedicando-se à carreira aeronáutica, respeitadíssimo por todas as forças ativas do país. No ano de 1961 é reformado na mais alta patente da carreira militar Marechal do Ar, disposto ao descanso merecido.

Eis que assume a Presidência da República o Marechal Castello Branco, por força do movimento de abril de 1964. Convidado por Castelo Branco, retorna Eduardo Gomes ao cargo de Ministro da Aeronáutica, tornando-se intransigente defensor das eleições gerais programadas para 1965, além de opor-se tenazmente ao fechamento do Congresso Nacional e contra a cassação de direitos políticos e mandatos parlamentares. Assumindo Costa e Silva a Presidência, novamente afasta-se Eduardo Gomes do poder. Protesta contra o cancelamento das eleições, a perseguição política implacável aos principais líderes e passa a exigir a democratização imediata do país, tornando-se ferrenho opositor do regime militar então imposto.

No ano de 1968 defende, com sua respeitada autoridade, o capitão da Arma da Aeronáutica Sérgio Miranda de Carvalho, o “Sérgio Macaco”, que fora punido por descumprir ordens superiores que determinavam que comandasse uma equipe do Para-Sar para a promoção de uma série de atentados terroristas, inclusive o “desaparecimento” de eminentes políticos, com a finalidade de comprometer as esquerdas e todos os contestadores do regime.

É seu último ato-gesto patriótico e democrático. Afasta-se definitivamente da política e da vida militar, até falecer no ano de 1981, solteiro, não deixando descendentes.

O PETROPOLITANO

Nascido em Petrópolis, tinha um imenso carinho pela cidade. Sua mãe, sra. Jenny Gomes, tinha apartamento no Edifício Centenário, na Rua 16 de Março, e sempre que podia, estava Eduardo Gomes com a mãe, seu irmão Stanley e seus amigos e conterrâneos petropolitanos. Suas estadas em Petrópolis eram imediatamente notadas pelo povo pois o brigadeiro dava longos passeios de bicicleta pelo Centro Histórico e vias periféricas. Naqueles anos podia-se andar de bicicleta pelas ruas petropolitanas, em paz e cumprimentando a todos. Eduardo Gomes, em sua bicicleta, dispensava atenção a todos os que o cumprimentavam e o petropolitano sempre o via como seu mais ilustre conterrâneo e autêntico herói de memoráveis cruzadas cívicas.

Por ocasião do centenário de nascimento, em setembro de 1996, no Rio de Janeiro, a Aeronáutica e a Turma Eduardo Gomes da Escola Superior de Guerra inaugurou um busto do grande herói brasileiro no Parque do Flamengo. A INCAER realizou sessão cívica com a palavra do biógrafo de Eduardo Gomes, o Brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira, sob o tema “Eduardo Gomes e a Grande Revolução Brasileira”. Na Base Aérea dos Afonsos, concorrida missa foi celebrada pelo cardeal D. Eugênio Salles (o Brigadeiro Eduardo Gomes era católico devoto, praticante e, em Petrópolis, freqüentava a missa das onze horas na nossa Catedral), seguida de um desfile de aviões e solenidades militares de praxe promovidas pelo 3º Comando Aéreo Regional, com a presença do Ministro da Aeronáutica Brigadeiro Lélio Viana Lobo.

E, em Petrópolis? Nada aconteceu, ninguém recordou o seu filho ilustre. Não ocorreu, a respeito, absolutamente nada! Nenhuma homenagem ao grande petropolitano, inclusive com omissão total de todas as nossas instituições culturais.

Nossa prefeitura simplesmente não tomou conhecimento e, pior, os Correios não deram a mínima atenção a um dos maiores nomes da História do Brasil e das Comunicações. Nem um carimbinho comemorativo foi programado. Um grande absurdo pelo esquecimento do fundador do Correio Aéreo Nacional, no ano de seu centenário, quando são lançados mensalmente carimbos homenageando fatos e gente de pouca ou nenhuma expressão a nível nacional.

Felizmente, no Aeroporto Internacional Tom Jobim existem dois bustos de aviadores brasileiros; Santos=Dumont, o inventor e pioneiro e Eduardo Gomes, patrono do Correio Aéreo Nacional e dos maiores brasileiros contemporâneos.

Recentemente a Secretaria de Planejamento da Prefeitura, através do projeto “Pro-Centro” lançou um CD-Rom sobre o Centro Histórico, com o qual colaborei na pesquisa fotográfica, documental e redigi o livreto. Na parte de personalidades, da responsabilidade de outro pesquisador, onde foram destacadas 60 personalidades nascidas ou residentes em Petrópolis, não constou Eduardo Gomes, omitido em favor de nomes petropolitanos nem tanto… Prova de que o descaso para com o grande brasileiro perdura por aqui, sua terra de nascimento residência e bálsamo de repouso.

Por ocasião da posse, no dia 31 de janeiro de 1959, do Prefeito Dr. Nelson de Sá Earp, da UDN, um dos raros políticos do partido a ocupar a Prefeitura, aqui esteve o Brigadeiro Eduardo Gomes para prestigiar o amigo Nelson e o partido e, também, por amar a sua cidade.

Está faltando ação direta da Prefeitura Municipal junto à Força Aérea do País no sentido de trazer e edificar aqui um monumento em bronze ao grande filho da terra, herói brasileiro, um dos mais íntegros cidadãos nacionais do século XX.

Pelo menos as boas doceiras do Brasil sabem fazer um delicioso docinho de que ele gostava tanto e que acabou recebendo o nome de “brigadeiro” em sua homenagem.