HISTÓRIA E MEMÓRIA NOS 175 ANOS DE PETRÓPOLIS
Alessandra Bettencourt Figueiredo Fraguas, Associada Titular, Cadeira nº 27 – Patrono José Thomáz da Porciúncula
O historiador francês Pierre Nora já afirmara que “a necessidade de memória é uma necessidade da história”. A comemoração dos 175 anos da criação da Povoação-Palácio de Petrópolis, pelo Decreto Imperial nº 155, de 16 de março de 1843, neste sentido, não deixa de remeter também a uma batalha pela memória, a qual envolveu os mais eminentes intelectuais da cidade nos anos que precederam a celebração do seu centenário, na década de 1940.
De um lado, estavam aqueles ligados particularmente ao Instituto Histórico de Petrópolis, e que defendiam o 16 de março como a data da fundação de Petrópolis, liderados por Alcindo de Azevedo Sodré. Do outro lado, encabeçados por Antonio Joaquim de Paula Buarque, ex-prefeito, e a Academia Petropolitana de Letras, os que entendiam que o major Júlio Frederico Koeler era o verdadeiro fundador da cidade e que o 29 de junho de 1845, que marca a chegada dos colonos germânicos, deveria ser escolhida como a data em torno da qual se dariam as festividades do centenário.
Anteriormente, em setembro de 1937, havia sido criada, por ato do então prefeito municipal Yeddo Fiúza, a Comissão do Centenário de Petrópolis, tendo como presidente de honra d. Pedro de Orleans e Bragança, príncipe do Grão Pará, composta por um grupo de estudiosos da história de Petrópolis encarregados de pesquisar e escrever sobre as origens da cidade, desde os tempos coloniais (como importante ponto de ligação da variante do Caminho Novo, por onde o ouro extraído das Minas Gerais chegava até o Porto de Magé) – passando pela compra da Fazenda do Córrego Seco pelo imperador d. Pedro I e, mais tarde, no Segundo Reinado, pelo arrendamento desta mesma fazenda ao major Koeler – até a elevação da povoação à categoria de cidade, em 1857, alcançando os primeiros anos do período republicano, quando foi capital do Estado do Rio de Janeiro, entre 1894 e 1902.
Somando-se aos esforços da Comissão do Centenário, há que se sublinhar o empenho pessoal do presidente da República, Getúlio Vargas, e do interventor federal do estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, para que os festejos obtivessem pleno êxito. No entanto, outras organizações municipais, como a Associação dos Amigos de Petrópolis, fundada pelo coronel João Augusto Alves, e a imprensa local, além dos já citados Instituto Histórico de Petrópolis, criado em 1938, aliás, como um dos desdobramentos dos trabalhos da comissão, e Academia Petropolitana de Letras, se envolveram significativamente para que as comemorações fossem inesquecíveis para a cidade.
No bojo da revitalização da importância política de Petrópolis no cenário nacional, recuperando o status alcançado no período imperial, em parte representado pela presença constante do presidente da República em suas longas estadias na cidade, os empreendimentos para as comemorações do centenário tiveram como coroamento a criação do Museu Imperial, por decreto-lei do presidente Vargas, assinado em 29 de março de 1940, e a sua abertura ao público em 16 de março de 1943. Além disso, destacou-se a publicação dos trabalhos da Comissão do Centenário, cujas pesquisas, artigos e relatórios continuam sendo uma referência bibliográfica ímpar para a historiografia petropolitana.
Neste contexto, também houve grandes esforços para o que, então, as autoridades denominavam “modernização” da cidade, caracterizada por uma reforma urbanística, que culminou com a demolição de edificações e a construção de outros prédios, muitos deles representantes do auge do estilo arquitetônico Art Déco, inclusive, os primeiros “arranha-céus” da cidade, como os edifícios Cruzeiro, na antiga Rua João Pessoa (atual Dr. Nelson Sá Earp), e Centenário, este, talvez, o principal símbolo das comemorações, já que se situa na rua – a 16 de Março (primeiramente Rua do Centenário) – que fora aberta nesta ocasião, e representou um marco.
Voltando aos embates pela memória que perpassam a História, ou seja, às discussões em torno do que merece ser privilegiado e o que deve ficar em segundo plano, ou ainda, o que deve ser lembrado e o que precisa ser esquecido, ou não, pela historiografia, nesta semana em que se comemoram os 175 anos da fundação de Petrópolis, é importante ter-se em conta que esta data também foi uma escolha, fruto de um enfrentamento de ideias sobre o que se buscava ressaltar na sua formação: o seu passado imperial, e a figura de d. Pedro II, ou a colonização e os esforços das primeiras famílias que trabalharam para a sua construção e consolidação.
Embora tenha prevalecido a primeira escolha, que celebra o 16 de março e o Decreto Imperial nº 155, ou em outros termos, ainda que o parecer dos fundadores do IHP, como o apresentado por seu primeiro presidente, Henrique Carneiro Leão Teixeira Filho, em 1938, tenha saído vitorioso, como registrado neste documento, “a data de 16 de março de 1843 em nada pode desmerecer a de 29 de junho de 1845”.
A criação de Petrópolis é fruto de esforços conjuntos – de d. Pedro II, de Paulo Barbosa da Silva (mordomo da Casa Imperial), de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho (presidente da província do Rio de Janeiro), do major Júlio Frederico Koeler, dos primeiros colonos, de todos os outros trabalhadores, os que aqui já se encontravam e os muitos que vieram depois.
Enfim, se a noção de memória articula o passado desaparecido ao presente vivo e, se este exercício, em seus confrontos de lembranças e esquecimentos, permite recuperar acontecimentos que, de alguma forma, estão relacionados às nossas vivências, é possível dizer que Petrópolis é também resultado da tenacidade de todos os cidadãos petropolitanos, os de nascença e os de coração; os de ontem e os de hoje; de todos os que amam estas terras, trabalham e lutam pelo seu desenvolvimento e preservação.