HOMENAGEM DO INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS AO SESQUICENTENÁRIO DA INAUGURAÇÃO DA PRIMEIRA FERROVIA DO BRASIL
Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira n.º 14 – Patrono João Duarte da Silveira
Mauá era dotado do olhar do futuro.
Assim começa a placa de bronze mandada colocar pela Prefeitura Municipal de Petrópolis, quando instalou sua Administração no Palacete Mauá, no ano de 1991.
A cidade de Petrópolis tem sido a escolha, o recanto, o bálsamo de brasileiros e de cidadãos do Exterior. Naquela Serra da Estrela, onde pontificou a visão do Major Julio Frederico Koeler, rompedor das montanhas e dos rasgos do vale inóspito, a conquista do engenheiro e arquiteto resultou na cidade amada, cobiçada, desejada e, por vezes, desprezada e abandonada.
Mas nem sempre foi assim. Nos dias primeiros, quando o entusiasmo embalava as ações e os passos rompiam pela mata adentro, na busca do melhor e do mais elevado, chegaram ao povoado os habitantes que vinham capitaneando o capricho salutar do Imperador Dom Pedro II.
O monarca construía sua casa de verão e no entorno da azáfama febril da edificação nobre, vinham aqueles que estavam ao lado e do lado do Poder. Alguns para manter o contato visual e outros para que o Monarca os divisasse em plantão de espera.
Irineu Evangelista de Souza não estava sob qualquer das alternativas. Pelo contrário: edificou sua casa de verão concomitante com o palacete do Imperador. O grande empresário brasileiro, como todos os viajantes serra acima, passavam muitas horas na penosa subida; deixavam nas curvas da rústica estrada os costados enrijecidos de cansaço; fustigava-se o animal de sela e as carroças rangiam penosamente, agredindo a mata virgem com o ruído dissonante que absorvia o pipilar assustado dos passarinhos.
Irineu, o futuro Barão e Visconde de Mauá, adquiriu o terreno para sua casa de verão em Petrópolis, no ano de 1852. Dez anos após, 1862, assinala o viajante Carlos Augusto Taunay no seu livro “Viagem Pitoresca a Petrópolis”: “Na Praça de Coblenz, em fralda de morro, levanta-se o palacete Mauá … que assoma ares de morada domanial” (ou dominial?).
Instalado na serra de Petrópolis, Mauá tinha negócios na Corte e cortejava a ciência crescente do modelo adotado pelo Brasil, a Velha Europa, que se modernizava e alavancava do ferro e do fogo da audácia a revolução industrial.
Chegava-se a Petrópolis pelo velho caminho dos tempos de D. João VI e pela região descera o ouro das Gerais, decadente em tempos do 2º Reinado. A estrada do Imperador acumulava-se de veículos nos tempos da subida e no retorno da descida do verão imperial.
Eis que Mauá, preocupado com o tempo perdido no tráfego penoso, contorcendo a cintura em volteios de desconforto e, um pouco, pelas mesmas agruras por que passava o Imperador e sua família, resolveu interessar o Governo Imperial pela inovação: a estrada de ferro.
Mauá era dotado do olhar do futuro.
Assim foi, como assim aconteceu. Projetou, idealizado em lei do Regente Feijó, de 1835, que desejava a implantação de ferrovias no Império, como ocorrera na Inglaterra no ano de 1825, e diante do desinteresse ou da incapacidade de empresas que se apresentaram na época para as concessões e jamais construíram coisa alguma, projetos vários que ficaram amarelando nos arquivos, Irineu Evangelista de Souza, empresário bem sucedido, resolveu edificar uma estrada de ferro. Interessou a Província do Rio de Janeiro no seu projeto: a construção de uma ferrovia que, saindo do Porto de Mauá, no fundo da Baia de Guanabara, chegasse com seus trilhos à raiz da Serra de Petrópolis. Em 1852 exibia a autorização para uma linha de navegação a vapor entre o Rio de Janeiro e o Porto de Mauá. Era o primeiro passo para o seu audacioso projeto.
Constitui Mauá a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, abrindo subscrição de capital. No dia 29 de agosto de 1852 abre os primeiros buracos no terreno mageense, implanta dormentes, prega os trilhos e quatorze e meio quilômetros adiante, no lugar chamado Fragoso, traz Dom Pedro II e a Família Imperial para inaugurar oficialmente o primeiro trecho. Ali se encontravam, ao lado da Família Imperial grande comitiva do governo, embaixadores, autoridades da Província do Rio de Janeiro, diplomatas, jornalistas, acionistas da companhia e um tanto de curiosos e moradores da região.
Há 150 anos atrás, 30 de abril de 1854. Treze horas e vinte e sete minutos. A locomotiva nº 1 do Brasil, a “Baronesa”, tem engatados carros contendo os visitantes. Fumega, apita, desliza e segue cambaleantemente rompedora, assustando olhos que jamais haviam partilhado a natureza com a máquina estridulante de agitação. Param em Fragoso, todos saltam, dão vivas ao Imperador, a Mauá, ficam por ali trinta minutos. Dom Pedro simula prender um trilho adiante e pega em pá repleta de barro que derrama e soca em volta do ferro novo implantado no dormente. Todos aplaudem enquanto vão reocupando a composição que vem e vem de retorno ao Porto de Mauá. Mesa de comedorias, discursos, otimismo e alegria. Fala Mauá, diretores da Companhia e, de praxe, encerrando, o Imperador. Está feliz o jovem monarca e naquele momento final do discurso de inauguração não profere mais o nome de Irineu Evangelista de Souza. Chama-o agora de Barão de Mauá e pespega-lhe a comenda no peito inflado de santo orgulho.
Assim conta a história e, certamente, assim foi.
Mauá era dotado do olhar do futuro.
Ora, se era dotado…. O Barão de Mauá teve uma passagem pela nossa História como qualquer cidadão brasileiro que ousa. Foi elogiado, criticado, amado, odiado, ganhou e perdeu, levantou-se da crise, afogou-se em dividas, tentou, lutou e se a vitória por vezes mostrou-se problemática ou distante, ele não arrefeceu o ânimo, não desceu do trono do idealismo, percorreu caminhos como os de Dante ou de Camões ou de Dom Quixote de La Mancha … Investiu contra moinhos da intolerância, machucou-se com as farpas das ruínas, porém, por sua coragem extraordinária, deixou ao futuro o exemplo maior de sua vida: a luta como a vitória, a derrota como o exemplo, a coragem como o norte que deveria embalar o nosso povo brasileiro.
Mauá era dotado do olhar do futuro.
É o que estamos construindo agora, nessa reunião, onde buscamos pela homenagem, o exemplo que há-de ser fanal de nosso desenvolvimento, como Mauá pretendia com sua inegável visão de futuro.
Disse.