A Imperatriz Dona Amélia, Princesa italiana

Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Dom), Associado Correspondente

 

Quando um rei é soberano de um país, presume-se que tenha a nacionalidade do território que governa.

O mesmo acontece com um Vice-Rei, título pouco comum, mas que Napoleão criou dentro daquele seu espírito imprevisível.

Bem, é verdade que até o século XIX, muitas dinastias eram criadas com príncipes estrangeiros. Era nos países que tinham adquirido a independência.

Os novos reinantes eram automaticamente integrados, mesmo quando às vezes mal conheciam a língua do Estado que iriam governar.

Não entrava em cogitação o “Jus Soli” ou o “Jus Sanguinis”.

Não eram postas questões, mandava o mais forte, ditava o dominador.

Foi o caso do Reino da Itália.

Para o único filho legítimo, Napoleão tinha escolhido um título com sabor de lenda, o de “Rei de Roma”, mais uma autoglorificação e ao mesmo tempo um monitor ao poder papal.

Quanto ao filho adotivo, Eugénio, este foi galardoado, mais modestamente, como Vice-Rei da Itália.

 

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Rei da Itália seria ele próprio, o todo-poderoso córsico que com a espada tinha mudado a face da Europa.

Este reino foi criado em 1805 sobre as cinzas da República Cisalpina, fundada anteriormente pelo mesmo, antes de coroar-se Imperador.

Abrangia boa parte do Norte da Itália e incluía uma boa fatia dos estados pontifícios.

A capital desse efêmero Estado seria Milão.

Napoleão, no entanto, não resistiu à grande tentação de fazer-se coroar com a famosa e antiquíssima Coroa de Ferro.

Eugénio de Beauharnais foi instalado com a consorte, Augusta da Baviera, com grande pompa em sua função.

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Formou a sua corte, decretou leis, muitas das quais lhe eram enviadas, já redigidas de Paris.

Não vinham somente as leis, pois eram acompanhadas, muitas vezes por recomendações pessoais escritas por Napoleão, que seguia muito de perto as atuações do jovem Vice-Rei, que então tinha apenas 24 anos.

Numa destas recomendações, o Imperador se delonga em advertências e que bem mostram uma grande preocupação sobre o êxito de Eugénio em sua nova função:

 

“…Como o senhor está numa idade na qual não se conhece ainda a perversidade do coração humano, não podemos nos refrear em aconselhar-vos muita prudência e sabedoria. Os nossos súditos italianos, podem, por natureza, dissimular-se melhor que  os cidadãos franceses. O senhor somente tem um único meio para conservar o respeito e ser útil a si próprio, não concedendo a ninguém a plena confiança, não dizer a ninguém a sua opinião sobre os ministros ou altos funcionários que o cercam…Um embaixador não vai falar bem a seu respeito, pois a sua profissão é falar coisas desagradáveis. Os ministros estrangeiros são espiões distintos. Não poderá prejudicar-se por mantê-los à distância. Mesmo eles sabendo que eu estou atrás do senhor, vão tentar em todo caso estudar o seu caráter…” ( Armin Schroll, op. cit. Pag. 104 )

 

Com todas estas recomendações e uma constante observação podemos imaginar que o jovem Beauharnais não devia estar satisfeito.

Queria participar, com ímpeto juvenil nas glórias do pai, nos campos de batalha.

 

No entanto, fez uma boa administração, mas esta era em grande parte dirigida para a formação e o fortalecimento das tropas, que deviam sempre estar prontas para seguirem para a luta.

 

Periodicamente, Eugénio devia acercar-se a Paris e submeter ao pai e senhor, detalhados relatórios sobre a situação das tropas e do estado das fortificações.

 

A vida do casal Beauharnais era, contrariamente aos prognósticos dos meios ultraconservadores, a mais feliz.

Sobretudo em muitas cortes alemãs, achava-se que um conúbio exigido por Napoleão não podia dar um bom resultado.

Na Baviera eram mais conciliantes em virtude do pai de Augusta, o Rei Maximiliano I, ter sido elevado de Duque a Rei pelo próprio Napoleão em 1805.

Napoleão tinha um grande interesse em que o jovem casal estivesse feliz.

Muitas vezes escrevia para Augusta, quando esta estava sozinha e triste sem a presença de Eugénio.

Ele pedia a Josefina enviar vestidos elegantes, dentro da última moda de Paris para alegrá-la.

Augusta estava feliz em sua função e relatava ao pai como ela tinha sido bem acolhida na Itália.

Todos eram gentis com ela.

Os Vice-Reis residiam em Monza, no âmbito do imenso parque do palácio real, criado pela casa imperial da Áustria.

Era uma simpática mansão, numa elevação, rodeada por amplos gramados e arvoredos, de onde se descortinava uma linda paisagem.

De um lado viam-se os Alpes e do outro a rica planície padana.

Esta habitação era chamada Vila Augusta, ou “Mirabellino”, a qual porém oficialmente era denominada Palácio Vila Bonaparte.

Parece que este prédio ainda existe em estado de abandono.

As cerimónias oficiais, no entanto, eram realizadas no “Palazzo Reale”, no centro de Milão.

Como um avô primoroso, Napoleão se interessava sobre a chegada de uma descendência na casa do Vice-Rei.

Assim, ele escrevia, de Varsóvia para Augusta:

“Me participe em breve, que a senhora teve um robusto filho. Se no entanto for uma menina, esta terá que ser tão amável e tão boa como a senhora.” ( Armin Schroll, op. cit. pag. 103 )

A chegada do “menino robusto” se fez esperar.

Em 1807, nasceu Josefina, em 1808 Eugénia.

Augusto nasceu em 1810 e no fim, Amélia, em 1812.

Todos eles viram a luz na Vila Augusta.

Theodolinda nasceu em Mantova, em 1814, num meio turbulento do fim do império, e Maximiliano em 1817, já na Baviera como Príncipe de Leuchtenberg (1).

(1) Durante uma das minhas visitas à Suécia, o Rei gentilmente me abriu os arquivos da Casa Real. Tive a grande sorte de encontrar os originais dos autos de nascimento e de batizado da Princesa Amélia, depois Imperatriz do Brasil. Este documento até hoje desconhecido, foi por mim entregue em cópia, ao arquivo do I.H.G.B. a fim de ser colocado na pasta dos documentos pessoais dos membros da família imperial.

A Suécia conserva o precioso arquivo pessoal da Imperatriz.

No mesmo encontrei também, entre outras coisas, uma aquarela de sua autoria, oferecida à mãe e pintada a bordo da Fragata “Imperatriz” em 4 de outubro de 1829, a caminho do Brasil.

Em outra ocasião, achei no Museu do Estado de Estocolmo a aliança matrimonial do segundo casamento de Dom Pedro I, que se encontrava entre os objetos não identificados.

Hoje encontra-se esta preciosa jóia no Museu Imperial de Petrópolis. ( Veja-se: ..”Precioso achado” Rev. I.H.G.B. nº 224, 1954 ).

A nós, no entanto, interessa Amélia.

Era o dia 31 de julho de 1812, às 4 horas da manhã, conforme nos informa o “Processo Verbale” do nascimento do quarto filho de suas Altezas Imperiais, o Príncipe Vice-Rei e a Princesa Vice-Rainha da Itália, (…).

 

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Nasceu no Palácio Vila Bonaparte.

Tudo seguia num estrito regulamento, conforme o proclama o Chanceler Guarda Selos da Coroa, o Duque de Lodi.

Este regulamento, o número 9, foi emitido pelo Príncipe Eugénio-Napoleão, em 1811, o qual convidava para se dirigirem imediatamente à Vila Bonaparte a fim de estarem presentes ao nascimento do filho de S.A.I. a Princesa Augusta Amalia da Baviera, Vice-Rainha da Itália e Princesa de Veneza, personalidades que abrangiam todas as altas autoridades do estado e o Vigário Capitular do Arcebispado de Milão.

Neste documento seguem duas páginas com os nomes das altas autoridades e da nobreza de Milão, que deviam estar presentes.

As assinaturas que seguem são reconhecidas pelo mesmo Duque de Lodi, na qualidade de Chanceler.

Quem não estava presente era o Príncipe Eugénio.

Finalmente o seu desejo  de comandar as  tropas tinha sido atendido.

Ele estava encabeçando as tropas italianas, combatendo na Rússia ao lado de Napoleão.

Por esta razão, foi incluída uma mensagem ao mesmo, no auto de nascimento.

A mesma continha as felicitações de todos os presentes.

Nos termos desse documento se lêem frases bombásticas como:

“ mentre il più degno figlio di si Gran Padre chiamato in tanta parte a compiere gli alti disegni, ed a dividere la glória, fá chiaro il suo nome fra i più remoti popoli de Europa…”.

Como sempre, o Duque de Lodi, (2) autenticou as assinaturas da mensagem.

(2) Duque de Lodi, Francisco Melzi d’Eril ( 1753-1816 ) membro de família nobre de Milão, dos Condes de Magenta. Pessoa de grande cultura e fautor de reformas. Sonhava com uma Itália independente e monárquica. Era inimigo do radicalismo jacobino e contra as ideias republicanas. No entanto, foi Vice-Presidente da República Italiana, nascida das cinzas da República Cisalpina, presidida por Napoleão. Negociou em 1803 a Concordata entre o Papa e Napoleão. Tinha muita ambição pessoal e sobretudo vocação política. Em 1805 foi nomeado Chanceler do Reino da Itália e, em 1807, Duque de Lodi, em lembrança da batalha de 1796, que Napoleão ganhou contra o exército austríaco. Foi talvez uma das batalhas que mais contribuíram para a criação do mito da invencibilidade de Bonaparte.

Com a abdicação de Napoleão, em 1814, ele formou um governo provisório, tentando assegurar a coroa ao Príncipe Eugénio. Foi um dos mais marcantes homens políticos da Itália daquele tempo.

Não podia faltar também no dossiê a resposta de Eugénio.

Agradece as felicitações recebidas e termina com uma frase muito pouco comum no meio napoleónico:

“Su di ciò, Signori, prego Iddio, che Vi abbia nella Sua Santa e degna custódia.”

A mensagem traz a seguinte localização: “

Scritto al campo oltre Smolensko, lí 20 agosto 1812.”

A esta altura, ninguém imaginava que dentre de pouco tempo a derrota das tropas de Napoleão, nos campos na Rússia, estava diante das portas.

Finalmente, na sexta-feira do dia trinta e um de julho, às cinco horas da tarde, no Palácio Vila Bonaparte foi batizada a quarta filha de Eugénio e de Augusta.

O batizado de Amélia foi uma cerimônia simples mas seguida por um exato cerimonial.

O auto de batismo começa com a invocação:

“Regno d’Italia al nome Santissimo di Dio”.

O Arcebispo de Ravenna, Monsegnor António Codronchi, “Grande Elemosiere di S.M. l’Imperatore e Ré”, celebrou a cerimônia. (3)

(3)  O Arcebispo Conde António Codronchi, ( 1752-1828 ) teve um grande papel durante as invasões francesas da Itália, sendo muitas vezes mediador entre o Papa e Napoleão. Conquistou a estima, não somente do Imperador, mas aceitou também encargos na corte do Vice-Rei Eugénio, do qual batizou os filhos. Manteve, no entanto, uma absoluta fidelidade ao Santo Padre. Esteve encarregado de missões diplomáticas como Núncio Apostólico na corte do Rei do Piemonte. Em sua Diocese, foi muito estimado pela população empobrecida pelas depredações das tropas francesas. ( Ver, Bradeschi, Pietro, “Mons. António Codronchi, Arcivescovo di Ravenna e le sue relazioni con Napoleone”, Galeati, 1958 ).

Deste ato lavrou-se uma ata, assinada por A. Strighelli, reconhecendo as assinaturas das três testemunhas. (4)

(4) as testemunhas foram:

a.) Codronchi, Arcebispo de Ravenna

b.) Fenaroli,  “ Gran Maggiordomo Maggiore”

c.) C. Frangipane, “ Cavaliere d’Onore”

 

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Esta cerimônia foi de caráter exclusivamente religioso, sem a imposição dos nomes, coisa extremamente estranha.

Para a determinação destes, realizou-se uma cerimônia oficial, semi-religiosa, com grande solenidade.

Esta aconteceu no dia 15 de agosto de 1813.

Curiosamente um ano e quinze dias depois do nascimento.

Esta seria a solenidade do batizado oficial para a imposição dos nomes.

O porquê desta delonga poderíamos explicar: Augusta certamente estava aguardando a volta de Eugénio, coisa que não aconteceu.

O Vice-Rei da Itália, naquele momento, devia estar com o pai adotivo nas maiores dificuldades.

Um rígido cerimonial foi seguido nesta solenidade e certamente ninguém podia supor que em 30 de maio de 1814 todo o império e os reinos napoleónicos iriam cair.

Uma nova época estaria começando.

No palácio real de Monza, estando presentes todas as autoridades políticas e militares, realizaria-se a cerimônia, mas todavia fala-se somente de um “Elemosiniere Ordinário”, isto é, de um capelão celebrante.

A menina foi trazida para a capela do palácio num cortejo, após a celebração da S. Missa e da entoação do Te Deum de agradecimento, pelo primeiro aniversário da batizanda e pelo onomástico de S.M. o Imperador e Rei.

Terminada a cerimônia quatro Damas de Honra levaram o manto da jovem princesa precedida pela baronesa Wurmb.

Esta última tinha sido aia de Augusta e a única Dama que a tinha acompanhado para a Itália. Era a sua pessoa de confiança e assim tinha sido escolhida para representar a Rainha Maria Amália Augusta de Saxe em sua qualidade de madrinha. (5)

(5) Rainha Maria Amália Augusta de Saxe (1752-1828 ) foi consorte do Rei Frederico Augusto III de Saxe ( 1750-1827 ). A Rainha nascida Princesa da Baviera era tia da Duquesa Augusta de Leuchtenberg e portanto irmã do rei Maximiliano I da Baviera que recebeu a coroa real por Napoleão.

A menina foi apresentada na capela ao Monsignor Grão-Esmoler de S. M. o qual impôs à menina os nomes de Amália Augusta Eugénia Napoleona.

Acabada a cerimônia religiosa, Amália foi conduzida novamente em cortejo aos seus aposentos.

A mãe, Augusta, assinou o termo oficial e algumas linhas em baixo a baronesa Wurmb apôs a sua firma.

Esta deveria ser uma das últimas cerimônias oficiais na corte dos Vice-Reis da Itália.

A princesa do Reino da Itália, Amália, ou Amélia como ficou conhecida, permaneceu mais um ano em sua pátria e, em 1814, toda corte deixou Milão refugiando-se a família em Munique, sob a proteção do Rei Maximiliano que a acolheu paternalmente.

Daquele momento em diante, a família dos Vice-Reis da Itália passou a chamar-se Leuchtenberg, ou em certos momentos Beauharnais-Leuchtenberg.

De franceses de origem, de função italianos e pela graça do Rei da Baviera ficaram bávaros, entrando com este apelido na história.

Aos 12 anos, Amélia perdeu o pai, o Príncipe Eugénio, que faleceu aos 43 anos.

Todas as personalidades que rodeavam Napoleão estimavam Eugénio, sendo ele o mais cotado e leal entre eles.

Eugénio nunca negou, mais tarde, a sua admiração e afeição ao seu pai adotivo, fazendo honra à sua divisa: “Honneur et fidélité.”

Quanto a Dona Amélia, esta foi criada na Baviera, identificando-se com os usos e a língua do país que a acolheu.

Para todos os efeitos, Amélia, filha do Vice-Rei da Itália, nascida e batizada naquele país, podemos dizer  que era de nacionalidade italiana.

Penso, no entanto, que na Imperatriz Dona Amélia não existia um sentimento em favor do país que a viu nascer, como também demostra que nunca ela visitou a sua terra natal.

Ela nunca deixou transparecer uma italianidade, talvez por uma triste lembrança da efêmera glória paterna e de um napoleonismo muito mau visto naquele tempo.

Ela mesma estava marcada com o nome de “Napoleona”, que devia lembrar aos póstumos a sua origem.

Pela índole e pela educação, no entanto, era alemã; pela cultura, francesa; e pelo dever, brasileira.

 

Bibliografia

Arquivo

Arquivo Real de Estocolmo

Fontes Impressas

 

  • Affonso, Domingos de Araujo, “ Le sang de Louis XIV “  Braga, 1962
  • Bayern, Adalbert Prinz von, “Eugen de Beauharnais, Stiefsohn Napoleons” 2ª Ed.  Verlag Bruckmann, München, 1950
  • Bayern, Adalbert Prinz von, “Die Herzen der Leuchtenberg” Prestel Verlag, München, 1963
  • Bragança, Dom Carlos de Saxe-Coburgo e, “Precioso Achado, a Aliança Nupcial de Dom Pedro I na Suécia”  I.H.G.B. – Vol.224,   1954
  • Bragança, Dom Carlos de Saxe-Coburgo e, “ A Princesa Flor, Dona Maria Amélia”  Autónoma da Madeira, Funchal, 2009
  • Herre, Franz “Joséphine”  Piper verlag GmbH, München, 2007
  • Kienzel, Florian “Kaiser von Brasilien”  Propyläen Verlag, Berlin, 1942
  • Körner, Hans-Michael “Geschichte des Königreichs Bayern”  Verlag C.H. Beck oHG, München, 2006
  • Rall, Hans, Rall Marga  “Die Wittelsbacher in Lebensbildern”  Piper Verlag GmbH, München, 2005
  • Schad, Martha, “Bayerns Königinnen”  Piper Verlag GmbH, München, 2008
  • Schroll, Armin “Prinzessin Auguste Amalie von Bayern ( 1788-1851 )”

Verlagsbuchhandlung, München, 2010

  • Torres, Lygia Lemos, “Imperatriz Dona Amélia” Elvino Pocai, São Paulo, 1950
  • Schubert, Susanne “Leuchtenberg = Zeit des Adels in Seeon und Stein”  F&W  Mediencenter,  Kinberg, 2008