JULIUS WALTENBERG E DOM PEDRO II

Ricardo Pereira Amorim, Associado Titular, Cadeira n.º 39 – Patrono Walter João Bretz

 

Contar a história do imigrante Julius Waltenberg traz à luz fatos importantes como, por exemplo, ter um Brummer em nossas terras e seus encontros com o Imperador do Brasil.

 O Professor Julius Waltenberg pertence a uma leva de legionários (Brummer) contratados pelo Império Brasileiro devido à guerra contra Oribe e Rosas, ocorrida nos anos 1851 e 1852. A Legião era composta de um batalhão com seis companhias de Infantaria, um Regimento de Artilharia com quatro baterias (do qual Julius fazia parte) e duas Companhias de Pioneiros; sendo todos oriundos da região de Schleswig-Holstein, provenientes de um exército de voluntários, apoiado pela Prússia, para ficarem independentes da Dinamarca. Na região existiam três ducados: Schleswig, Saxe Pedro – Lauenburg e Holstein; o primeiro ficou unido à Dinamarca e os outros dois se uniram à Confederação Germânica, depois do Congresso de Viena de 1815. Como a maioria dos habitantes era de etnia germânica e falavam o alemão, em 1848 iniciaram um movimento de libertação, contestando a autoridade do Rei da Dinamarca como Duque de Holstein e Lauenburg. Os prussianos e seus aliados germânicos tiveram vitórias, porém com a pressão da Grã-Bretanha foram obrigados a assinar um tratado de paz em julho de 1850. Com o tratado, a região ainda permaneceria sob influência dinamarquesa mesmo sendo da Confederação Germânica e o exército local (os Brummer) foi desmobilizado: os ex-combatentes eram vistos como um problema.

Essa insatisfação faz com que muitos ex-combatentes vejam como uma oportunidade para uma nova vida o recrutamento que estava sendo feito pelo Exército Imperial Brasileiro, que procurava homens com experiência militar no campo de batalha para enfrentar os exércitos de Oribe e Rosas no Sul do Brasil. Devido ao conflito com a Argentina, com a Lei nº 586 de 1850, o Tenente-Coronel Sebastião do Rego Barros, Conselheiro de D. Pedro II, pode recrutar germânicos, engajando em seis meses cerca de 1.800 homens, enviados rapidamente para o Brasil, para serem incorporados como forças auxiliares. O escritor Carlos von Koseritz (1830-1890), ex-Brummer, cita que muitos ex-oficiais foram engajados como sargentos e seus ex-subordinados como oficiais; que muitos soldados teriam instrução superior a muitos oficiais. Com idades que variavam entre 17 e 50 anos, a maior parte dos jovens alistados desconhecia o serviço militar. Muitos eram atraídos pela chance de uma vida melhor (além do soldo, ganhariam terras, se terminassem o contrato de quatro anos), assim como pela aventura.

 Com esses legionários uma nova visão de mundo, ligado a uma corrente de grandes nomes da cultura do Sul do Brasil como Koseritz e outros vultos de destaque na formação da consciência germânica neste país, todos Brummers.

O Professor Julius Theodor Heinrich, segundo informações da pesquisadora Adriana Waltenberg, nasceu em 01 de janeiro de 1829(1830?), na cidade de Güstrow (Grão Ducado de Mecklenburg-Schwerin, atual Pomerânia). Casado com Margaritha Carlotta Waltenberg (Krase ou Krause) embarca para o Brasil no Porto de Hamburgo, em 24 de maio de 1851, na função de artilheiro da 3ª Cia Von Helde, composta de 189 soldados, vindo no navio Elbe, que aportou no Rio de Janeiro em 05 de junho de 1851. Na sua ficha de embarque, cópia do original que nos foi cedida gentilmente pelo historiador Roberto Dilly do Instituto Teuto-Brasileiro, consta a anotação Commis (Intendente ou Escriturário), portanto, foi Julius promovido a intendente militar provavelmente devido à sua formação.

Mas o que significa Brummer? Qual a importância desses legionários para o Brasil? Existem várias interpretações, porém o significado foi explicado pelos próprios conforme o livro que conta sobre suas memórias (Memórias de Brummer). Os mesmos trouxeram para o Brasil, inovações tecnológicas no campo militar e ao mesmo tempo de concepção de sociedade.

Os Brummer eram geralmente associados às tropas contratadas pelo Império em 1851, remanescentes de um Exército que queria a independência da região de Schleswig-Holstein da Dinamarca e se tornarem parte da Confederação Germânica; que aspiravam as liberdades dos ideais introduzidos durante a Revolução Francesa e Império Napoleônico. O termo Brummer, segundo crônicas da época, tem como causa o soldo ser em moedas de 40 réis, enormes e pesadas (patacões), muito semelhantes à moeda polonesa de 6 Pfenning, que na alta Silésia valia uma taça de aguardente (relato legionário Benne Keyel), moeda essa já conhecida como Brummer ou “zumbidora” (o barulho que a moeda fazia ao cair na mesa da taberna, o mesmo termo designa moscas varejeiras ou zumbidoras).

Os Brummer foram incorporados para atuar no Sul do Brasil, na Guerra contra Oribe e Rosas, em 1951, trazendo consigo o Fuzil Dreyse de ignição por agulha, novidade tecnológica incorporada ao Exército Prussiano em 1948, o que desequilibrava uma batalha já que os adversários usavam mosquetes tradicionais. Além da nova tecnologia, foi feito um corpo de 100 Brummer atiradores de elite, provavelmente o primeiro grupamento do país, usado contra as tropas argentinas, sendo que em 02 de fevereiro de 1852, mostraram o seu desempenho sob o comando do Capitão Francisco José Wildt (fonte: Hiram Reis e Silva, publicado no O Tuiuti, n. 267, 2018). Posteriormente, o mesmo corpo de Brummer vai se mostrar de grande importância na Guerra do Paraguai.

Outro avanço tecnológico trazido foi a ponte de equipagem Birago prussiana, para construir pontes sobre os rios para passagem de tropas; sendo que os Brummer das Pionierekompanie ou Pontonierekonpanie (Companhia de Pioneiros ou Companhia de Pontoneiros) seriam a primeira companhia desta especialidade no Exército Imperial Brasileiro, composta de 150 especialistas (Revista O Tuiuti, n. 85, 2013).

Julius Waltenberg integrava a 3a Companhia de Artilharia à Cavalo sob as ordens do Tenente Coronel Guido von Held, que chegou ao Rio de Janeiro em 30 de julho de 1851, no navio Eibe, sob o comando do Capitão Mühlenbrock ou Muehlenroth (dados de pesquisa cedidas pela descendente Adriana Waltenberg).  A 2ª Cia do Capitão Hormeyer embarcou no navio Danzig 4ª Cia de Artilharia embarcaram no veleiro Heinrich, sob o comando do Capitão Boyen, também no porto de Hamburgo, segundo o livro Memórias de Brummer, publicado em 1997.

Segundo a Profa. Dra. Maria Amélia Schmidt Dickie (1989) a maioria dos Brummers eram de famílias abastadas ou nobres, educados e muito politizados, sendo que a maioria se estabeleceu no Sul do Brasil, principalmente em Porto Alegre e nas zonas coloniais como professores, advogados, engenheiros, agrimensores, médicos, entre outras profissões. Sua maioria, afirma Profa. Dickie, era composta de protestantes, maçons e partidários de uma monarquia liberal. No caso de Julius Waltenberg, sua história seria escrita em Petrópolis e Juiz de Fora.

Esses Brummer trazem uma nova Weltanschauung (“Visão do Mundo” ou “Maneira de entender o mundo, a natureza e a essência do homem”) que se dissemina quando se tornam colonos, trabalhadores, jornalistas, profissionais liberais.

Para os Brummer o Brasil era um paraíso, pois, muitos estavam impedidos de retornar a suas cidades por questões de perseguição política, desempregados e estigmatizados, assim como receber soldo regularmente, assistência em Hamburgo, passagem para o Brasil, uniformes, armamento e um adiantamento com promessa de findo serviço militar ganhar gratificação com terras ou passagens de volta a Europa.

Segundo o autor Frank Westenfender, Os Brummer foram importantes como colonos, com cerca de 1.500 se instalando no Rio Grande do Sul; se integraram muito bem com a população local, sendo que os desmobilizados se dedicaram ao ensino, profissões liberais, comércio, agricultura e artesanato.  No caso de Koseritz, participou de jornais de língua jornal de alemã em Porto Alegre (Deutsche Zeitung, Deutsche Volksblatt) e, sabemos que os Brummer forneceram mais da metade dos professores nas escolas alemãs. A integração dos mercenários abdicados na população brasileira passou sem grandes dificuldades. Em uma última reunião de veteranos em 1901, 15 velhos irmãos, entre eles Christoph Lenz, também apareceram, mas nessa época sua história já havia sido esquecida.

Interessante fato os legionários, em cartas escritas para jornais da Confederação Germânica (Hamburguer Nachrichten, por exemplo), descreverem a surpresa da excelente acolhida pelos brasileiros assim como pelo nosso Imperador. Ao chegarem à Praia Vermelha, ficaram contentes com a qualidade dos alojamentos e da alimentação que encontraram. Quando foram se apresentar ao nosso Imperador, ficaram surpresos com a simplicidade de nosso Monarca, que ao invés de passar rapidamente a cavalo como era hábito na Prússia, ele vinha andando, cercado de oficiais brasileiros e padres: Dom Pedro cumprimentava e conversava com todos que ali estavam. Achavam curioso o fato de oficiais brasileiros beijarem a mão do Imperador ao invés de saudações militares.

Esse foi o primeiro encontro de Julius com o Imperador, que como cita o legionário Schäffer (não confundir com o Major seu homônimo) em sua carta ao jornal, que a tropa germânica saudou o Imperador com grande entusiasmo, com um triplo: Hurra! Hurra! Hurra!

Porém Julius não vai para o front, teve baixa após a chegada, por isso não ganhou terras.  A explicação: houve desligamentos de forma simples (para os considerados sem experiência militar) ou, no caso particular do Tenente Coronel Heyde, que tinha chegado primeiro ao Rio de Janeiro, que dispensava os legionários que tinham servido com outros oficiais superiores com quem tinha desentendimentos, especialmente os relacionados ao Major Schäffer. Por ter patente superior, o Tenente Coronel Heyde, começa a dispensar alguns Brummer no Rio de Janeiro, e posteriormente no Sul do país. Julius agora civil vem integrar a colônia germânica de Petrópolis, enquanto seus conterrâneos, ainda militares, seguem viagem para o Sul.

Então, Julius veio para Petrópolis trabalhar como lavrador na Fazenda Independência, já que foi um dos poucos casos de baixa imediata no Rio de Janeiro; já que possuía certificação regular segundo documento do inspetor de colonos, em 1852. Segundo nosso saudoso historiador Paulo Roberto Martins de Oliveira, muitos desses legionários foram recrutados para trabalhar na construção da estrada União Indústria devido a sua experiência com explosivos e também por sua formação profissional, como foi no caso de Julius, já que existe registro deles ligados à firma de Mariano Procópio, responsável pela construção da Estrada União e Indústria.

Consta no Livro de Inspeção de Colonos que Júlio Theodoro Henrique Waltenberg, de 28 anos, casado, estaria residindo na Fazenda Independência, com a função de lavrador, em 1852, sendo que ali residiu até 1860, se mudando definitivamente para Juiz de Fora. Segundo registros da época, que estão na Alemanha sobre a Igreja Luterana, Julius estaria em Juiz de Fora em 1860, atuando como professor junto à comunidade germânica na Colônia D. Pedro II. Nessa data ele foi consagrado Ministro Leigo pelo Pastor Luterano Bernhard Pflüger, que atendia a várias comunidades do Espírito Santo, além de Juiz de Fora.

Essa colônia, construída por Mariano Procópio, chegou a ter cerca de 2 mil colonos germânicos, devido à construção da Estrada União e Indústria. Consta que em 12 de abril de 1858 chegam à cidade de Juiz de Fora 1.162 profissionais altamente qualificados; sendo que a população anterior era de aproximadamente 6.466 habitantes.

Julius realizava casamentos, batizados, evento da Escola Dominical e celebrações, sendo que em junho de 1861, sua escola de ensino fundamental e línguas (a escola tinha um professor católicos para as crianças católicas germânicas, as aulas eram em Português e Alemão) recebe a visita de nosso Imperador D. Pedro II.

Como consta nos Diários de D. Pedro, no segundo encontro do ex-legionário estava também presente o professor católico Kaeser, com o Imperador constatando que as turmas eram mistas, divididas em dois níveis (básico com 44 meninos e 24 meninas e avançado com 40 meninos e 18 meninas). As aulas tinham ensinamentos de Gramática Portuguesa e Alemã, além de aulas de Aritmética; e no caso das meninas, aulas de corte e costura ministradas pelas esposas dos professores. D. Pedro conversou com todos, falando com os alunos em Alemão e Português para avaliar o ensino: os alunos falavam e entendiam bem a língua alemã, porém na língua portuguesa pronunciavam com sotaque germânico e nem sempre compreendiam o significado das palavras, o que era compreensível já que viviam em uma comunidade exclusivamente germânica.

Julius continuou como Ministro Leigo mesmo com a Igreja de Juiz de Fora ficando na Jurisdição de Petrópolis, já que o Pastor Stroeller só podia ir três dias por mês lá. Posteriormente o Pastor Pflüger, ficaria no lugar do Pastor Stroeller quando este último foi transferido de Petrópolis.

Sabemos que Julius também participou da fundação da Sociedade Alemã de Socorros Mútuos (Deutscher Kranken Unterstützungs Verein), depois mudando o nome para Sociedade de Beneficência Mariano Procópio.

Interessante observar algumas divergências de dados entre artigos brasileiros e artigos alemães quanto à composição dos regimentos de legionários vindos para o Brasil: o relata quase 1.800, dos quais um batalhão de infantaria com seis companhias, quatro baterias de artilharia e duas companhias pioneiras – cada uma com 150 homens.

Um fato curioso, além do uniforme prussiano, todos portavam o rifle mais moderno que existia na época, trazendo um avanço na tecnologia militar para o nosso país, segundo o historiador Frank Westenfelder.

A trajetória de Julius Waltenberg nos traz vários fatos da história de desenvolvimento em várias áreas do Brasil, como a construção da Estrada União e Indústria, atuação da Igreja Luterana, educação dos colonos, o Weltanschauung dos Brummer, início de Sociedades de Assistências Mútuas para os colonos germânicos; além de relatos sobre D. Pedro II tantos por cartas de legionários em jornais alemães como em publicação da Igreja Luterana na atual Alemanha.

Como sabemos que D. Pedro II visitou mais vezes Juiz de Fora, como em 1869, existe a possibilidade que Julius Waltenberg tenha recebido a visita do Imperador em sua escola uma vez mais.

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Cópia do contrato cedida pela Sra. Adriana Waltenberg, descendente de Julius Waltenberg. Proibida reprodução sem autorização.

Cópia do contrato cedida pela Sra. Adriana Waltenberg, descendente de Julius Waltenberg. Proibida reprodução sem autorização.

Referências:

DICKIE, Maria Amélia Schmidt, Dos Senhores do Sul aos Brummer: a trajetória da construção social do trabalho (R.S.: 1824 – 1880), Trabalho apresentado no XIII Encontro Anual da ANPOCS, 1989.

FLORES, Hilda Agnes Hübner. Memórias de Brummer. Porto Alegre: Editora Est, 1997.

LISBOA, Jakeline Duque de Moraes. Turnerschaft-Clube Ginástico de Juiz de Fora (1909-1979), Tese Mestrado, UFJF, 2010.

PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora: projeto e limites (1890-1924), Tese de Mestrado, UFRJ, 2002.

PIASSINI, Carlos Eduardo. A Participação Política de Imigrantes Germânicos no Rio Grande do Sul: Os Brummer Kahlden, Haensel, Koseritz e Ter Brüggen, 1851-1881, Tese de Mestrado, UFMS, 2016.

SPLIESGART, Roland. “Verbrasilianerung“ und Akkulturation: Deutsche Protestanten im brasilienischen Kaiserreich am Beispiel der Gemeinden in Rio de Janeiro und Minas Gerais (1822-1889), Harrassowitz Verlag – The Harrassowitz Publishing House, 2006. p. 153 a 330.

Agradecimentos a Adriana Waltenberg, descendente de Julius Waltenberg pelas várias informações concedidas e pela cópia do contrato de legionário e, ao historiador Roberto Dilly, do Instituto Teuto-Brasileiro de Juiz de Fora, pela ajuda que me concedeu para esta pesquisa. Não posso esquecer-me do nosso saudoso Paulo Roberto Martins de Oliveira, confrade do Instituto Histórico de Petrópolis, que muito me ajudou com explicações de fatos da época da construção da Estrada União e Indústria.