LEGISLAÇÃO INSUFICIENTE

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Vem de longa data o mau hábito brasileiro de se começar largo um projeto e de se terminar estreito, quando este vira lei.

Em 1845 a Câmara dos Deputados do Império votou uma resolução que determinava no seu artigo 1º:

“O governo é autorizado a conceder carta de naturalização, isenta de quaisquer despesas ou emolumentos, aos estrangeiros que tiverem sido contratados como colonos, uma vez que o requeiram e tenham dois anos completos de residência no Império e provem ter bons costumes e viver de honesto trabalho”.

A medida tinha enorme alcance, principalmente num país que dependia da mão de obra escrava para quase todos os serviços rurais ou urbanos e que tencionava investir pesado na colonização, para substituir com a velocidade possível o braço servil pelo trabalhador livre, responsável, qualificado, para quem a labuta fosse uma dádiva divina, uma benesse e não um terrível castigo.

Como até hoje acontece, já que do Império à República sempre tivemos no legislativo um sistema bicameral, a resolução da Câmara foi encaminhada ao Senado, para ser submetida aos inelutáveis debates.

Na ordem do dia da sessão de 27 de maio de 1846, os senadores iniciaram a primeira discussão do tema em apreço.

Carneiro Leão, levantou os vários inconvenientes do artigo que se discutia e propôs, para maior agilização do processo e barateamento dos custos, de modo a tornar o projeto vantajoso, que ficasse determinado que todos os colonos que tivessem dois anos de residência no país, ficassem ipso facto considerados cidadãos brasileiros naturalizados.

Foi então apoiada a seguinte emenda:

“Os estrangeiros que tiverem sido contratados como colonos, e, que tiverem residido no Império dois anos completos e, dentro desse espaço não tiverem cometido crimes, serão considerados como cidadãos brasileiros naturalizados. – Carneiro Leão”

Mais simples, abrangente e desburocratizado não era possível.

O Senador Saturnino votou pelo artigo e contra a emenda, por entender que a naturalização deveria ser voluntária e não compulsória. O Visconde de Olinda votou pelo artigo, com as seguintes modificações:

1º – que fosse reduzido para um ano o prazo de residência;
2º – que os colonos mencionados fossem agricultores.

Pelo adiantado da hora, a discussão ficou adiada, retomando-se o tema a 28 de maio.

O Senador Vergueiro, resolveu não concordar nem com a posição de Carneiro Leão, nem com a do Visconde de Olinda, decidindo apresentar sua própria emenda:

“Os estrangeiros que vierem ao Brasil com destino de se empregarem no trabalho da agricultura ou nas artes mecânicas e tiverem residido dois anos no Brasil com aplicação ao trabalho e amostras de bons costumes, serão havidos por naturalizados, logo que declararem perante a Câmara Municipal do seu domicílio que o querem ser e a Câmara reconhecer neles as qualidades exigidas. A certidão da declaração e reconhecimento lhes servirá de título, salva a redação”.

O Senador Saturnino acenara com uma subemenda a que acabara de apresentar seu colega Vergueiro. Propunha que se substituísse a expressão Câmara Municipal, por Presidente da Província.

No caso vertente, quanto maior a capilaridade mais ágil seria o processo. Assim a Câmara Municipal seria o órgão indicado para tratar dos casos de naturalização de colonos em qualquer parte do Império.

O Senador Cunha Vasconcellos, uma espécie de espírito de porco, declarava-se contra o artigo do projeto e contra as emendas. Apesar de tudo, a matéria ia passar à segunda discussão.

E da segunda foi à terceira e última. Na sessão de 12 de junho de 1846, o então Conde de Caxias, prestou um desserviço ao Império e à causa da colonização, por excesso de foquismo. Ele pode ter sido bom militar, mas jamais teve visão de estadista. Observando que eram consideráveis os serviços que os colonos de São Leopoldo vinham prestando à Província de São Pedro do Rio Grande, seria necessário facilitar-lhes o processo de naturalização. E com base nesse raciocínio, apresentou o seguinte artigo aditivo:

“Os estrangeiros estabelecidos na colônia de São Leopoldo e de São Pedro de Alcântara das Torres, da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, que na respectiva Câmara Municipal assinarem termo de que pretendem naturalizar-se no Império, serão por este fato reconhecidos por cidadãos brasileiros naturalizados, sendo suficiente que o título de sua naturalização lhes seja passado pelo Presidente da Província à vista da certidão do sobredito termo, gratuitamente.”

Além de Caxias, vários outros senadores subscreveram a proposta.

José Clemente Pereira, embarcando no casuísmo riograndense, teceu loas aos colonos de São Leopoldo, onde viviam indivíduos honestos, muito trabalhadores. Mas eles não eram, nem mais, nem menos trabalhadores e honestos, que os colonos da nascente Petrópolis, de Nova Friburgo, da Leopoldina e do vale do rio Almada.

Na sessão de 16 de junho o Senador Vergueiro, numa emenda, quis dar mais abrangência à proposta de Caxias, estendendo o direito à naturalização a todos os que residissem em qualquer colônia, com ocupação nela.

Ao fim e ao cabo, foi aprovada a emenda substitutiva do Conde de Caxias, e rejeitadas as demais emendas.

Lamentavelmente os projetos como são expostos originalmente, são como as frentes frias, que a medida que avançam vão perdendo força. Ou eles se dissipam ou tornam-se completamente desfigurados. Eles não resistem aos labirintos de interesses, de subjeções e de mesquinharias das Câmaras legislativas. Foi assim no Império e tem sido em todas as repúblicas.

O decreto geral nº 397, de 3 de setembro de 1846, sancionava e mandava cumprir a seguinte resolução da Assembléia Legislativa do Império:

Art. 1º – Os estrangeiros atualmente estabelecidos nas colônias de São Leopoldo e de São Pedro de Alcântara das Torres, na Província do Rio Grande do Sul, serão reconhecidos cidadãos brasileiros naturalizados, logo que assinem na respectiva Câmara Municipal termo de declaração de ser esta sua vontade.
O Presidente da Província em vista da certidão do dito termo, dará a cada um dos referidos o competente título, isento de quaisquer despesas ou emolumentos.
Art. 2º – Ficam revogadas as disposições em contrário.

Caxias ganhava mais uma batalha, mas o Império perdia enormemente com tanto casuísmo. A legislação era de fato insuficiente.