LEVANTAMENTO E IDENTIFICAÇÃO DOS LUGARES HISTÓRICOS
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima
Há algum tempo, circula pelos canais competentes do Instituto Histórico de Petrópolis projeto visando ao levantamento e à identificação de lugares de incontestável interesse para a História, no município.
Como complemento natural desse trabalho, seriam colocadas placas nos lugares próprios, as quais recordariam aos autóctones e aos visitantes o valor e a importância para a memória petropolitana do sítio indigitado.
O projeto, de elevado teor cívico, elaboraria na direção da consciência preservacionista e da tão escassa auto-estima dos naturais destas serras.
A idéia não é nova e não tem marca registrada nesta urbe.
Quando das comemorações dos trezentos anos da expulsão definitiva dos holandeses do solo baiano, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia resolveu mandar fazer placas de mármore, onde foram gravados dizeres alusivos aos feitos na guerra contra os invasores dos anos 20 e 30 do século XVII, colocando-as nos lugares determinados.
Das ruinas da antiga capela de São Sebastião, surgiram em 1581 ou 1582, os alicerces da igreja do Mosteiro de São Bento, construção agregada ao templo. Foi o Mosteiro importante baluarte na defesa da cidade do Salvador, naquela quadra marcada pelo assédio bátavo.
Logo à entrada do majestoso edifício, sescentista, lê-se:
“Aos 9 de maio de 1624, entraram os holandeses por esta porta. A 30 de março de 1625, este Mosteiro foi transformado em quartel general do sul, onde aos 2 de abril de 1625, os holandeses, num ataque imprevisto, mataram grande parte da guarnição, que foi sepultada no seu claustro. I.G.H.B. – 1938”
Interessante que, enquanto nascia aqui o Instituto Histórico de Petrópolis, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, fundado em 1894, já se dedicava a esse tipo de atividade.
Não muito distante do Mosteiro, na Praça Ana Nery, por trás do Quartel General da Mouraria, está a capela de Nossa Senhora da Palma, agregada ao antigo Seminário Diocesano, hoje Reitoria da Universidade Católica da Bahia.
Na lápide de mármore à esquerda de quem adentra o templo, lê-se:
“Esta capela teve começo sua edificação por voto do alferes Bernardo da Cruz Arraes, que se achava gravemente enfermo no ano de 1630, chegando de Lisboa a imagem da S. S. Virgem que aqui está. Foi colocada na capela de São José na Catedral, de onde foi trasladada para esta sua capela, em grande procissão e solenidade, no ano de 1670, quando se finalizaram os trabalhos de sua edificação. Tributo de veneração da mesa administrativa de 1897 a 1898.”
Cem anos do significativo registro exposto aos olhos da população, ad perpetuam rei memoriam.
Na parte exterior da capela, à esquerda, há um mármore cravado na parede com estes dizeres:
“Em abril de 1625, na luta contra os holandeses, ergueu-se neste sítio uma bateria às ordens de D. João de Orellana, Antonio Moniz Barretos Tristão de Mendonça e, de abril a maio de 1638, Heitor de la Calche, aqui de novo se fortificou quando da invasão de Nassau. I.G.H.B. – 1938”
Deixando-se a histórica capela, pela Baixa dos Sapateiros, Ladeira da Praça, Rua Chile, Praça da Sé, Pelourinho, chega-se finalmente à igreja e ao convento de Nossa Senhora do Carmo, construídos no início do século XVII. A igreja, embora carmelita, apresenta planta típica dos templos jesuíticos luso-brasileiros, conforme informação do IPAC, com interior neoclássico. Sua sacristia rococó, é considerada uma das mais belas do Brasil.
De 1624 a 1625, o convento foi o quartel general das forças de resistência contra os holandeses, tendo estes ali assinado sua rendição. O prédio possui dois claustros e oitenta celas, sendo fisicamente o maior da ordem carmelita no mundo.
Ali também o I.G.H.B. colocou em 1938 uma placa de mármore com estas informações:
“De maio de 1624 a abril de 1625, foi aqui o quartel general do norte das forças contra os holandeses. Aos 30 de abril de 1625, neste convento, assinaram os holandeses a sua rendição.”
A colônia espanhola da Bahia também consignou ali à entrada do convento sua homenagem aos que lutaram contra os invasores bátavos, nestes termos:
“À memória dos espanhóis e portugueses, que unidos sob o comando de D. Fradique de Toledo y Osório, caíram na defesa desta cidade. Neste Convento do Carmo, então quartel general das forças hispano-portuguesas, foi assinada a rendição dos invasores no dia 30 de abril de 1625.
O ato de colocação desta lápide, em 3 de abril de 1955, foi presidido pelos Exmos. Srs. Dr. Luiz Regis Pacheco Pereira, Governador do Estado, Dr. Oswaldo Veloso Gordilho, Prefeito da Capital e o Marquês de Plat de Mantovillet, Embaixador de Espanha.”
Finalmente, fechando este ciclo de guerras holandesas em Salvador, chega-se à igreja de Santo Antonio Além do Carmo, que tem à sua esquerda o forte do mesmo nome. No frontispício do templo, perto da porta de entrada, lá está a indefectível placa chumbada pelo I.G.H.B. em 1938, informando o que segue:
“Em 1638, aqui o Conde de Bagnolo, após maior resistência à invasão holandesa de Maurício de Nassau, repeliu com denodo os ataques de 21 de abril e 18 de maio.”
Todo esse roteiro de pura evocação histórica seiscentista, fulcrada na memória das lápides de mármore em boa hora confeccionadas pelo I.G.H.B., eu havia cumprido em janeiro de 1962, com o meu amigo Sergio Abla, quando visitei Salvador pela primeira vez. Cumpri-lo novamente neste início de 2000, de caneta e papel em punho, com o propósito de escrever esta matéria.
Santiago do Chile, fundada em 1541, cidade mais velha que Salvador oito anos, seguindo as instruções de Carlos V, foi traçada a régua e compasso, como em geral, as cidades espanholas da América.
D. Pedro de Valdivia implantou a urbe entre dois braços do rio Mapocho: o primeiro ao norte e o segundo ao sul, tomado atualmente pela Alameda. O plano principal compreendia dez ruas de oriente a poente e oito de norte a sul, resultando daí oitenta quadras divididas em oito solares de 40 varas de frente por 75 de fundos, repartidos entre os seus companheiros de armas.
Daí se conclui que o sistema de vias públicas no coração de Santiago é tão antigo quanto a própria cidade, tendo entretanto inúmeros logradouros mudado de nome ao longo dos séculos, por inúmeras circunstâncias.
Nos anos sessenta deste século, o Instituto de Comemoração Histórica do Chile, resolveu espalhar por diversos lugares, placas com informações sobre as ruas centrais da urbe, indicando um que outro elemento de interesse e a evolução da nomenclatura das mesmas.
Numa das esquinas da Calle de Huerfanos, anotei em minha visita de fevereiro de 1990:
“Seu nome provém da casa de expostos, estabelecida na direção do poente por seu fundador D. Juan N. de Aguirre, Marquês de Montepio em 1758. No século XVI, chamou-se travessa de Gaspar de la Barrera, Corregedor e Prefeito de Santiago. Depois, rua do Regente D. Tomas Alvarez de Acevedo, titular deste cargo, mais tarde governador do Reino do Chile. Posteriormente, foi calle de la Moneda Real. Instituto de Comemoración Historica de Chile, 1964”.
Também registrei o que havia numa lápide chumbada na parede de um prédio na Calle de la Bandera:
“Assim denominou-se desde que o patriota Pedro Chacon Morales hasteou aqui em sua casa comercial, a bandeira desenhada em Outubro de 1817 pelo Ministro José Ignacio Zenteno, durante o governo de O’Higgins. No século XVI, chamou-se calle de Bernardino Morales de Albernez, regedor perpétuo de Santiago, mais tarde “atravessada de la Compãnia” e “de las Capuchinas”. Instituto de Comemoración Historica de Chile, 1967″.
Um dos exemplares arquitetônicos mais importantes da capital chilena é a Casa Colorada, monumento nacional pela lei 13.936 de 1960.
Está convenientemente assinalada no meio urbano de Santiago por uma lápide onde se lê que trata-se de solar construído por José Veja em 1769 e que foi morada do Conde de la Conquista, D. Mateo de Toro Zambrano y Ureta, governador do Reino do Chile, que dalí saiu para ser eleito Presidente da Junta de Governo em 18 de setembro de 1810.
Tais exemplos, colhidos tanto em Salvador como em Santiago, cidades nascidas na mesma década do século XVI, hão de servir definitivamente como incentivo ao Instituto Histórico de Petrópolis, instituição no gênero mais antiga do Estado do Rio de Janeiro, para que ponha em prática nesta urbe o velho sonho de se celebrar com uma placa os lugares de interesse histórico.
Para tanto poderá contar com a ajuda dos poderes municipais, agora tão empenhados em revigorar a ágora petropolitana e com a iniciativa privada que poderia patrocinar as placas de identificação dos sítios e monumentos que merecem registro.
Seria justíssima homenagem que se prestaria ao falecido sócio e ex-Presidente da Casa, José de Cusatis, grande entusiasta do projeto.