LÍDIA BESOUCHET: UMA INTELECTUAL FEMINISTA EM PETRÓPOLIS

Alessandra Bettencourt Figueiredo Fraguas, Associada Titular, Cadeira nº 27 – Patrono José Thomáz da Porciúncula

Em conversa com um amigo escritor, confirmei o que a intuição já apontava: é bastante comum despertarmos o interesse pela trajetória dos estudiosos que nos precederam em relação ao nosso objeto de pesquisa. Este foi precisamente o meu caso com relação à Lídia Besouchet (1908-1997), uma das três mulheres autoras de biografias de d. Pedro II. Antes dela, a historiadora norte-americana Mary W. Williams já havia escrito, em 1937, o seu Dom Pedro the Magnanimous, Second Emperor of Brazil. Completando a tríade feminina em meio a dezenas de biógrafos, Lilia Schwarcz lançou, em 1998, As Barbas do Imperador, que se tornaria uma referência incontornável.

O que eu não poderia imaginar, no entanto, é que Lídia Besouchet, que publicou a biografia de d. Pedro II em 1975, e, em versão ampliada, o seu Pedro II e o Século XIX, em 1993, fosse uma das principais combatente pelos direitos das mulheres, na década de 1930, e que tivesse, para além do seu interesse por d. Pedro II, uma importante ligação com a história de Petrópolis.

Nascida no Rio Grande do Sul, na adolescência, Besouchet mudou-se para Vitória, no Espírito Santo, onde iniciou sua trajetória intelectual, tornando-se um dos grandes nomes da escrita feminista capixaba, através dos textos que veiculou na revista Vida Capixaba, em cujas colunas desafiava o paradigma de mulher ideal, dedicada ao matrimônio e à maternidade, e questionava a submissão imposta às mulheres pela ordem patriarcal.

Formou-se como professora, em 1924, frequentando, mais tarde, o Curso Superior de Cultura Pedagógica, onde teve os primeiros contatos com os ideais da Escola Nova, que, entre outros pontos, defendia a laicidade e o ensino público universal. A partir daí, não tardaria a ampliar seus questionamentos, sobretudo pautada nas leituras socialistas, que a levariam ao pensamento revolucionário e à aproximação com a Juventude do Partido Comunista.

Nas rodas intelectuais de esquerda, Besouchet encontraria o seu companheiro, o jornalista Newton Freitas, com quem se mudou para o Rio de Janeiro no final de 1933. Instalados na capital carioca, o casal se dedicou à atividade jornalística e ao engajamento político, aderindo, em 1935, à Aliança Nacional Libertadora (ALN), de cunho progressista e antifascista. Paralelamente à sua militância no PCB e na ANL, onde se envolveu no movimento “Pão, Terra e Liberdade”, Lídia Besouchet atuou na União Feminina do Brasil (UFB), organização feminista de esquerda.

E foi como uma das principais representantes da UFB que esteve em Petrópolis, em 1935, onde, após discurso inflamado, prestou solidariedade à deflagração de uma greve geral na cidade e, em especial, à mulher de Leonardo Candú, operário aliancista, funcionário da Fábrica de Tecidos Dona Isabel, que havia morrido em consequência do tiro que levou em meio a uma passeata que se seguiu a um grande comício da ANL, e que fora violentamente atacada pelos Integralistas. Candú se tornou um dos símbolos nacionais do movimento aliancista e das lutas pela liberdade, enquanto a greve geral que paralisou as indústrias têxteis em Petrópolis por dez dias mobilizaria cerca de 15 mil trabalhadores.

Assim, neste período conturbado, que culminou com a instalação da Ditadura Varguista (1937-1945), Lídia Besouchet filiou-se ao PCB; militou na ANL; ficou grávida e, seguindo às diretrizes que exigiam total dedicação à causa revolucionária, deu o filho à adoção; foi presa; viveu na clandestinidade, aproximou-se dos trotskistas. No final dos anos 1930, passou à condição de perseguida política, tanto pelo governo Vargas, quanto pelo PCB, já que era dissidente da linha político-partidária hegemônica, o que a levou, junto com Newton Freitas, ao longo exílio, primeiro, no Uruguai, e depois na Argentina, a partir de 1938. Do exílio em Buenos Aires, o casal partiu para a Europa, onde permaneceria por muitos anos.

Nos anos vividos no exterior, Lídia Besouchet desenvolveu intensa atividade intelectual: escreveu vários ensaios e estudos históricos, entre eles, as biografias do visconde de Mauá, em cuja trajetória se tornou uma especialista, do visconde do Rio Branco e de d. Pedro II; publicou seis romances, talvez o mais conhecido entre nós, Aventuras do Tio Macário; escreveu peças de teatro; traduziu obras; produziu vários trabalhos acadêmicos, destacando-se a sua tese, defendida na Universidade de Nantes, na França, sobre a relação de d. Pedro II e o escritor francês Ernest Renan.

A Petrópolis retornaria, muitas décadas após a primeira visita como militante da ANL e da UFB, para realizar as pesquisas sobre d. Pedro II. Conforme registrou em agradecimento ao então diretor do Museu Imperial, Francisco Marques dos Santos, hospedou-se no alojamento que a instituição outrora reservava aos pesquisadores, a fim de ter melhor acesso aos arquivos do imperador.

De sua intensa pesquisa no arquivo privado da Família Imperial do Brasil, pertencente ao Museu Imperial, e da sua incansável busca por documentos referentes ao segundo imperador nas bibliotecas e arquivos europeus, sobretudo os franceses, Besouchet, sem dúvida, produziria uma das mais completas e significativas biografias de d. Pedro II. Por que este trabalho é ainda pouco divulgado, assim como pouco conhecida a sua própria trajetória como intelectual, feminista e militante política, parece-me uma pergunta bastante oportuna, particularmente na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.

 

Referência Bibliográfica:

RANGEL, Lívia de Azevedo Silveira. Lídia Besouchet e Newton Freitas: mediações políticas e intelectuais entre o Brasil e o Rio da Prata (1938-1950). Tese (Doutorado) em História Social. Departamento de História. Universidade de São Paulo, 2016.