MÁRIO, BANDEIRA E PETRÓPOLIS
Leandro Garcia, Professor de Teoria Literária da UFMG e membro titular da Academia Petropolitana de Letras
A Cidade Imperial sempre atraiu poetas e escritores das mais diferentes tendências literárias. Acho que o primeiro “culpado” disso foi o próprio D. Pedro II, pois sabemos do incentivo que o imperador dava às artes e ao pensamento. Deixo o séc. XIX e passo a falar da passagem (ou não) de certos modernistas pela nossa cidade, especialmente Mário de Andrade e Manuel Bandeira.
Mário foi um polígrafo, um correspondente contumaz. De toda a sua criação, chama atenção o seu “gigantismo epistolar”, como ele declarou a Carlos Drummond de Andrade. Bandeira foi o poeta de Pasárgada, o poeta que imprimiu lirismo às situações mais corriqueiras: o sabonete Araxá, a cantiga “Cai cai balão” etc. Bandeira era habitué em Petrópolis, por muitos anos foi proprietário de uma casa na Rua Mosela 350.
Em fevereiro de 1923, Bandeira soube das intenções de Mário em passar o carnaval daquele ano no Rio de Janeiro. Estava em Petrópolis para fugir do calor carioca, como ele relata em carta de 2/2/1923:
Está um calor tão forte lá embaixo que não lhe posso prometer de descer: far-me-ia muito mal. Não me animo a pedir-lhe que venha até cá com prejuízo do que determinou ver e fazer no Rio. Mas a minha moral interesseira sugere-me baixinho que lhe seria agradável conhecer Petrópolis no recolhimento dos seus convales úmidos, conveniente de aqui dormir uma noite fresca depois dos dias exaustivos da capital canicular e expositora.
Mário passou o carnaval daquele ano no Rio de Janeiro, encantou-se e se envolveu completamente na folia carioca, e não veio visitar Bandeira aqui em Petrópolis. Na carta que enviou ao amigo, no final de fevereiro, justificou sua ausência:
Meu Manuel… Carnaval!… Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia… Perdi tudo. […] Fui ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas… que delícia, Manuel, o Carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu Carnaval! […] Manuel, diverti-me 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido. E aí está porque não fui visitar-te.
O relato de Mário é cômico, e ele não resistiu ao mundanismo dionisíaco do Rio de Janeiro, moralmente inflamado e despudorado ao longo dos dias dedicados às farras do Momo. Mário não veio a Petrópolis. Em compensação, as folias carnavalescas lhe inspiraram a escrever um dos mais belos poemas da sua obra – o “Carnaval Carioca” – que foi publicado anos depois no livro Clã do Jabuti, em 1927. Meses depois do carnaval, em maio daquele mesmo ano, Bandeira escreve a Mário:
Acho o teu “Carnaval Carioca” uma maravilhosa coisa, – o mais belo poema que já fizeste. […] Tem partes românticas? Sim. E clássicas também. E parnasianas. E simbolistas. E impressionistas. E dadás. E seja lá o que diabo for.
A Cidade Imperial não viu Mário de Andrade, mas a literatura brasileira ganhou um dos mais belos poemas que o autor de Macunaíma escreveu.