MEMÓRIA DO FUNDO DA BAÍA DA GUANABARA

Antônio Eugênio de Azevedo Taulois, Associado Titular, Cadeira n.º 29 – Patrono Luiz da Silva Oliveira

SUMÁRIO
Apresentação

1.0 Ocupação da Baía da Guanabara

2.0 Ocupação do fundo da Baía da Guanabara

2.1 A doação de sesmarias

2.2 Fazendas e engenhos

2.3 As primeiras vilas e cidades

2.4 Aspectos humanos da ocupação

2.5 Aspectos sociais da ocupação

2.6 Aspectos econômicos da ocupação

2.7 Descrição das atrações e dos valores do fundo da Baía da Guanabara

APRESENTAÇÃO
O Fundo da Baía da Guanabara faz parte do cinturão verde que envolve a cidade do Rio de Janeiro e desde os anos 1600 participa de perto da sua história e suas tradições. Quando o Brasil Colônia era apenas uma nesga litorânea de terra do Nordeste até São Paulo, com engenhos de açúcar localizados aqui e ali, foi dessa região que se abriu a primeira porta de acesso oficial ao interior da colônia, o Caminho Novo, levando a administração pública, funcionários e a presença do estado português na comunidade, garantindo a ordem e o controle social necessário para a consolidação da unidade colonial. Pela primeira vez, a administração pública portuguesa se instalava no interior da colônia. Assim, era pelo fundo da Baía da Guanabara que passava toda a riqueza que o ouro “oficial” proporcionava. Lembrando essa época, muitos vestígios históricos arquitetônicos e econômicos, todos eles muito fortes, ficaram na região e ainda hoje permanecem vivos muitas vezes desconhecidos ou até mesmo desprezados por seus moradores. O movimento “Água Doce” pretende com uma série de artigos históricos sobre a memória do Fundo da Baía da Guanabara, que todo esse patrimônio cultural seja reconhecido, admirado e, principalmente, preservado para que possa motivar a auto-estima da atual e das futuras gerações nascidas nas históricas regiões de Magé, Suruí, Mauá, Guia de Pacobaíba, Inhomirim, Guapimirim e arredores.

Vamos iniciar essa descrição pela ocupação de toda a Baía da Guanabara e depois passaremos para o fundo da baía que é o nosso objetivo principal. Iremos focalizar o desenvolvimento e os principais valores culturais, econômicos e sociais dessa região. A ocupação das margens da Baía da Guanabara começou logo após o descobrimento do Brasil e foi realizada por aventureiros, navegantes e exploradores portugueses e franceses que queriam conhecer, tomar posse e explorar as terras recém descobertas.

1.0 OCUPAÇÃO DA BAÍA DA GUANABARA

Apesar de ter sido visitada antes por diversos navegadores, considera-se que a Baía da Guanabara tenha sido descoberta em 1504 pelo navegante português Gonçalo Coelho, logo após a instalação de uma feitoria em Cabo Frio, onde se explorava o pau-brasil. Coelho, percebeu logo o valor estratégico da baía. Ancorou suas naus em frente a uma praia e mandou construir uma casa de pedra que foi o núcleo de um arraial a beira de um riacho, que os indígenas logo denominaram “carioca”, ou “casa de branco”. Os corsários franceses estiveram diversas vezes na Baía da Guanabara a procura de pau-brasil. Em 1531, Martim Afonso de Souza ali ficou três meses reparando seus navios pois pretendia entrar pelo Rio da Prata e tentar alcançar uma fantástica montanha de prata que ficava em Potosi, na Bolívia.

OS FRANCESES NA BAÍA DA GUANABARA

Mas o grande perigo que ameaçou o domínio português na Baía da Guanabara foi a sua ocupação entre 1555 e 1567 pelo francês Nicolas-Durand de Villegaignon com mais de mil católicos e huguenotes protestantes, todos eles muito perseguidos na França e dispostos a criar um domínio francês no Brasil. Só depois de muita luta, Mem de Sá conseguiu expulsar esses franceses. A perda da Baía da Guanabara seria desastrosa para a colônia que nascia, pois representava uma quebra da coesão geográfica do domínio colonial português tornando impraticável a colonização do sul, além de permitir aos franceses uma excelente base de apoio para suas naus repletas de corsários e traficantes de açúcar e pau-brasil. Eles já possuíam uma base semelhante em Cabo Frio e outra em Cananéia. (3, p73)

A Baía da Guanabara tem uma margem oriental quase plana, hoje Niterói, e outra ocidental, muito montanhosa, onde está o Rio de Janeiro. Villegaignon, preferiu a margem plana que era de mais fácil ocupação. Mem de Sá para combatê-lo, ficou estrategicamente do outro lado, ao pé do Pão de Açúcar e fundou a cidade do Rio de Janeiro em 1565. Mesmo depois da derrota dos franceses, Mem de Sá continuou na margem ocidental entre as montanhas que permitia um abrigo mais eficaz dos corsários. Depois ele transferiu a cidade para o Morro do Castelo, no local onde hoje está a Santa Casa de Misericórdia. A povoação foi se espalhando em torno desse morro sempre com a ajuda dos jesuítas que eram os mentores do povo e dos governantes. Esses padres construíram a Igreja da Misericórdia em 1572, a de Nossa Senhora Ó, hoje Candelária, em 1590 e igreja de Santa Luzia, junto à praia, em 1592. Sesmarias foram doadas em torno da cidade e em torno da baía. A margem oriental antes ocupada pelos franceses, foi quase toda transformada em fazendas, contrastando com a ocidental, onde a cidade se expandia drenando penosamente os brejos e derrubando florestas. Caminhos e trilhas foram abertos e os rios que deságuam na Guanabara foram usados para a conquista do interior, enquanto os pantanais que marginavam a Baía da Guanabara começavam a secar. Vilas surgiram e se expandiram formando os arrabaldes da metrópole de hoje. (1, p.192)

Dessa rápida olhadela ao redor da Baía da Guanabara nota-se a importância dos anos 1600 para o seu destino social, quando se deu a tomada do solo pelo homem, principalmente por causa das fazendas e engenhos de cana de açúcar. Importante era a religiosidade do colonizador que, quando se instalava, logo construía uma capela que se transformava na célula inicial de uma aldeia, depois freguesia, vila e, finalmente uma cidade.

AS “VILAS DE COMÉRCIO”

O Governo Colonial doou cerca de 600 sesmarias para colonizar as terras em torno da Baía da Guanabara, principalmente no fundo da baía, para proteger e abastecer a cidade do Rio de Janeiro recém-criada. Essas sesmarias eram alcançadas pelos “caminhos d’água” que eram os rios de penetração como o Sarapuí, o Iguaçu, o Inhomirim, o Suruí, o Iriri, o Magé e outros menores. Os critérios de distribuição das sesmarias foram os mais diversos e muitos dos sesmeiros eram cristãos novos fugidos de Portugal. (2, p26 e 30). Durante o ciclo econômico do açúcar (1560-1750) e depois do ciclo do ouro (1690-1800) e do café (1800-1930), as cidades que tinham portos de rio eram conhecidas como “vilas de comércio” e se tornaram florescentes e receberam grandes contingentes de imigrantes portugueses, árabes, turcos e nordestinos. Foi esse o caso de Iguaçu, Pilar, Estrela, Porto das Caixas e Jacutinga. Houve uma grande concorrência comercial entre elas. Com a abertura de caminhos e trilhas mais transitáveis e com a ferrovia do Barão de Mauá, em 1854, quase todas elas foram perdendo o vigor econômico e empobrecendo sem ter condições de concorrer com as fazendas do interior que colocavam seus produtos diretamente no Porto da Estrela e depois de 1854, no cais ferroviário de Guia de Pacobaíba. O Porto da Estrela, próximo à praia de Mauá, chegou a ser o mais movimentado do Brasil no final dos anos 1700. Com a ferrovia, os “caminhos d’água” ficaram descuidados, assoreados, entupindo-se e gerando um aumento de pântanos sem escoamento que se alastraram por imensas superfícies. Com eles vieram a malária e a cólera-morbo de 1855, que assolaram a zona rural provocando o êxodo das ”vilas de comércio” e a extinção de muitas delas. As que sobreviveram ganharam força depois da década de 1930, com o saneamento da Baixada Fluminense. (1, p201)

2.0 A OCUPAÇÃO DO FUNDO DA BAÍA DA GUANABARA

2.1 A DOAÇÃO DE SESMARIAS

O fundo da Baía da Guanabara ocupa uma extensa planície com cerca de 40 km de litoral e uma profundidade de 12 a 20km, aproximando-se e distanciando-se dos contrafortes da Serra do Mar, que nessa região é conhecida como Serra da Estrela e Serra dos Órgãos. Guapimirim, Magé e Duque de Caxias são os municípios que cobrem não só essa planície, mas também serra acima, até suas alturas. A região apresenta uma situação geopolítica privilegiada, pois, num raio de 500 km em torno dela, é gerado aproximadamente 80% do PIB (Produto Interno Bruto) estadual e por ela passam 70% de toda a movimentação de cargas do país. (5, p.74)

A ocupação da Baía da Guanabara e a evolução urbana do Rio de Janeiro, penosamente conseguida sobre terreno pantanoso, foram descritos anteriormente. Uma conseqüência natural dessa ocupação foi o incentivo que a vida na cidade propiciou à posse e ao domínio das áreas em torno da baía. A ocupação do fundo da Baía da Guanabara começou na segunda metade dos anos 1500 e coincidiu com a vigorosa expansão econômica que ocorria na Europa daquela época. A América recém-descoberta, seria para os europeus nos anos seguintes, um “eldorado” fornecedor de madeiras, açúcar, couro, metais e outras matérias primas essenciais para as novas tecnologias que a ciência moderna proporcionava. Em contrapartida, toda aquela modernidade seria no futuro, repassada para os americanos aqui residentes.

AS SESMARIAS

A ocupação do fundo da baía começou com a distribuição de sesmarias. Uma sesmaria era uma extensão de terras agriculturáveis, com “…duas ou dez léguas em quadra….” , doada a um sesmeiro para povoar e desenvolver regiões incultas. Trata-se de uma antiga e típica instituição colonial portuguesa que tinha sido aplicada em todas as terras de ultramar com algum sucesso. Essa forma de concessão de terras pode ser considerada como vestígio de um procedimento feudal.

Em 1565, foram concedidas as primeiras sesmarias no fundo da Baía da Guanabara. A colônia era administrada por um governador geral que dividia sua autoridade com a esfera eclesiástica e com os “homens bons”. Esses privilegiados, em oposição aos “peões”, eram aqueles que pertenciam a um estrato social mais elevado, podiam manifestar opinião e exercer cargos públicos (4, p.284). O governador geral sempre doava sesmarias aos “homens bons” que pudessem investir um capital mínimo em escravos, ferramentas, mudas, sementes para desenvolver sua terra. Eles tinham propriedade plena sobre sua propriedade e sobre sua gente. Não pagavam foros ao governo, mas teriam que recolher anualmente um dízimo para à Ordem de Cristo (2, p.78). Em cinco ou dez anos, eram obrigados a colonizar a terra ou devolvê-las para nova distribuição. A sesmaria foi a base de todo o sistema de ocupação, propriedade e colonização de terras no fundo da baía e em todo o Brasil, sendo a origem dos futuros latifúndios. Ao lado desse projeto colonizador, a expansão da fé católica desenvolvida pelos jesuítas buscando o aumento e o controle do rebanho, também pesou nessa ocupação. Apesar desse catolicismo colonial do interior se fundamentar no Concílio de Trento, no fundo da baía ele era muito original pois os pretos, mulatos, mestiços e índios viviam a religião católica de modo próprio, muitas vezes com pouca influência de Roma. Deus era considerado um aliado mas, as vezes, destratado quando não havia êxito no que fosse pretendido. Cada devoto tinha a sua corte própria de santos salvadores (4, p111). Mas toda espécie desses “crentes se fixou e povoou as terras do Brasil”, como já tinha escrito D. João III a Tomé de Souza (4,p.110).

As primeiras sesmarias no fundo da Baía foram entregues em 1565 a Simão da Mota no “rio Majé”, a Alexandre Dias ao longo do rio Suruí, a Cristóvão de Barros no sertão de Macacu. Uma nova sesmaria na região de Magé foi doada em 1566 a Duarte Martins Mourão. No ano seguinte, 1567, vemos Cristovam de Barros e Miguel de Moura com terras no rio Macacu. Em 1568, outras foram distribuídas a Antônio Fonseca no rio Inhomirim. Em 1570, ao índio Araribóia no rio Macacu, em 1571, uma outra sesmaria no “rio Majé” coube a Francisco Beltrão. No ano seguinte, Andre Lopes no rio Suruí. Até 1578, as terras banhadas pelos rios Iriri, Saracuruna e Sarapuí estavam todas na posse de sesmeiros. Assim, em apenas treze anos, todo o fundo da Baía da Guanabara já estava repartido entre posseiros legais que, por força da doação, eram obrigados a povoar e desenvolver suas terras (1, p.192).

Na seqüência desses artigos, serão comentadas as primeiras fazendas, engenhos, vilas e cidades no fundo da Baía da Guanabara.

2.2 ENGENHOS e FAZENDAS

No artigo anterior sobre a ocupação do fundo da Baía da Guanabara, tratamos da doação das sesmarias em que ficou dividida a região. Vamos conhecer agora como essas sesmarias foram transformadas em fazendas e engenhos.

Os diversos ciclos econômicos do período colonial brasileiro tiveram fundamental influência, ora na política, ora na religião e na cultura do povo, com reflexos profundos na ocupação do fundo Baía da Guanabara. O primeiro deles foi o do pau-brasil, matéria prima para um corante muito apreciado na Europa. Mas sua importância econômica e de povoamento, assim como sua duração e rentabilidade, não foram tão fortes como o ciclo da cana de açúcar que lhe seguiu. A partir de 1560, baseado nas sesmarias doadas e na escravidão africana, os engenhos de cana de açúcar proliferaram em toda a colônia. Os anos 1600 foram o século de ouro do açúcar. Os holandeses, que já dominavam o mercado, invadiram o nordeste brasileiro para controlar o comércio mundial do produto. Com a valorização, a cana de açúcar, os engenhos passaram a fazer parte da paisagem de todo o litoral brasileiro e chegaram ao fundo da Baía da Guanabara no final dos anos 1500.

OS ENGENHOS E AS FAZENDAS

Nada caracteriza melhor as condições de riqueza, poder, prestígio e nobreza da sociedade colonial do que o engenho de açúcar. No nordeste, o senhor de engenho era um fidalgo, obedecido e respeitado, possuindo terras sem fim e centenas de escravos. No sul porém, em Campos dos Goitacases e no fundo da baía, os engenhos eram mais modestos e os senhores de engenho tinham em média 35 escravos mas ainda assim, exerciam grande poder social na sua área de influência (2, p.200).

Não há registros de “fazendas de açúcar” para indicar o processo agrícola e industrial do produto a não ser quando se tratava apenas de uma “fazenda de cana”, sem o engenho . O termo ENGENHO significava tudo, plantação de cana e o beneficiamento do produto. Os maiores engenhos eram movidos a água e os menores usavam tração animal. Os muito pequenos ou os que produziam cachaça eram conhecidos como “engenhocas”. Os engenhos eram também fortificações armadas encarregadas de garantir a posse da terra contra os indígenas e estrangeiros invasores. A lucratividade do investimento na construção de engenhos era menor do que a obtida no comércio do produto, o que resultou, ao longo dos anos, no empobrecimento de muitas das gerações da nobreza do açúcar (2, p.199).

OS PRIMEIROS ENGENHOS NO FUNDO DA BAÍA

O primeiro engenho que começou a operar no fundo da baía em torno de 1580, foi o de Cristóvão Cardoso de Barros em Magé, na sua sesmaria de 4500 braças de frente e fundos para o rio Macacu. Era um maquinário rudimentar, impulsionado por bois ou mulas. Em 1584, o Pe. Anchieta menciona a existência de “…inúmeras fazendas baía a dentro e três engenhos”. Nos anos seguintes foram anotados 120 engenhos em torno da baía, mostrando que o açúcar foi o principal impulsor do desenvolvimento na região (1, p194).

Em meados dos 1700, a agricultura da cana ainda era extensiva no fundo da Baía da Guanabara com uma única exceção, São Nicolau do Suruí, que produzia arroz, a sua famosa farinha, bananas e se iniciava na produção de café. A produção de açúcar na região era de cerca de 200.000 sacas por ano, produzidas ainda em engenhos primitivos (1, p230).

A economia do açúcar ia levantando vilas e cidades no fundo da baía, 200 anos antes que o Caminho Novo revigorasse toda a economia da região. Cada engenho era um núcleo social com força de trabalho composta por senhores de engenho em suas casas-grandes, lavradores, escravos negros e índios, artesãos livres, degradados expulsos do reino, todos com suas famílias. Esse aglomerado ia se desenvolvendo até se tornar uma povoação, depois uma freguesia com a criação da paróquia e seguia até o surgimento das vilas e cidades, muitas vezes ficando a capela original do engenho como a igreja matriz da comunidade.

No próximo artigo, vamos examinar como vivia o Homem naquela época da ocupação, os patrões, os empregados, os escravos negros e índios, os degredados pela justiça, os vadios, todos em torno da casa-grande e da senzala.

2.3 AS PRIMEIRAS VILAS E CIDADES

No artigo 2.2 da ocupação do fundo da Baía da Guanabara, foi explicado o que é uma sesmaria e enumeradas as primeiras sesmarias da região. Vamos tratar agora, das fazendas com seus engenhos de cana de açúcar que surgiram dessas sesmarias e que depois se transformaram em vilas e cidades.

As margens da baía eram de difícil ocupação por causa de tantos brejos e manguezais. Mas havia os rios, verdadeiras “estradas naturais”, para facilitar a ação civilizadora dos sesmeiros. Todos esses rios influíram decisivamente na penetração da terra, pois nas suas margens, foram se alinhando as fazendas com seus engenhos de cana. E o rio era usado para o escoamento de produtos para a corte e por eles eram trazidos os bens segundo as necessidades para o consumo de seus habitantes. Onde havia um ancoradouro natural nas margens dos rios, ali surgia um ponto de desembarque, uma fazenda, um comércio, um depósito e habitações, que depois, deram origem às futuras vilas e cidades, como o Porto da Estrela, Porto das Caixas, Porto Iguaçu e outros (Lamego, p192). O fundo da Baía da Guanabara já estava todo ocupado até o final dos anos 1500 e a ocupação prosseguiu pela planície e serra acima, pois era muito insalubre a vida nos bordos da baía devido às terras alagadas.

Até o final do Império, quando foram construídas as primeiras estradas de ferro, era enorme a importância desses rios no fundo da Baía da Guanabara.

OS PRIMEIROS ENGENHOS

A produção de açúcar foi a primeira atividade naquelas terras e o engenho de cana caracterizava as condições de riqueza, poder, prestígio e nobreza colonial. Seus proprietários eram os fidalgos da terra, latifundiário, proprietário de escravos, tinha privilégios oficiais, mas corria enormes riscos porque a agricultura dependia das chuvas, da morte de escravos por epidemias, endividamento, ausência de lenha etc. (4, p.201). O primeiro engenho no fundo da baía foi o do governador Cristóvão de Barros em Magé. Em 1584, Anchieta menciona “… muitas fazendas terra a dentro com três engenhos …”. Em torno da baía eram 120 engenhos, no início dos anos 1600 (1, p. 195).

AS CIDADES

A povoação mais antiga de que se tem notícia no fundo da baía é a freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Inhomirim, de cuja igreja ainda hoje restam as ruínas e o cemitério em Bongaba. Mas a primeira povoação que se tornou cidade na região foi Santo Antônio de Sá em 1697, que teve seu nome mudado para Santana do Macacu e, em 1948, para Cachoeiras de Macacu. Magé passou a ser cidade em 1789, a Vila da Estrela em 1846, Petrópolis em 1857 e Teresópolis em 1891. A caçula das cidades na região foi Guapimirim que só se emancipou em 1990 (1, p.192 a 196).

No seu surgimento, a cidade colonial era considerada o meio caminho entre o engenho de cana e os centros consumidores importantes. Poucas ruas com casas e choupanas construídas de taipa cobertas com sapê, onde residiam fiscais e administradores públicos, pequenos mercadores e profissionais. Resumindo, elas eram um incipiente apêndice do engenho, que centralizava toda a atividade produtiva. O marasmo das cidades só era quebrado na época da coleta e moagem da cana e nas festas juninas e de Corpus Christi (4, p.118). As autoridades portuguesas não tinham o ímpeto de ordenar e dominar suas conquistas territoriais. Tudo era feito com certo desleixo, sem rigor nem método, evidenciado pela falta de traçado geométrico na urbanização que acompanhava as ondulações e variações do terreno. As casas davam fundos para os rios que serviam para descarga de dejetos, sem a menor preocupação ambiental. Essa condição pode ser comprovada comparando as cidades de Magé e Teresópolis com Petrópolis e Nova Friburgo, que não foram colonizadas por portugueses e têm um planejamento urbano diferente, com os rios sempre no meio das vias públicas, preservando a sua integridade.

A partir da metade dos anos 1600, a situação melhorou com a valorização da colônia. Engenheiros militares portugueses vieram construir fortes e defesas contra holandeses e participaram da edificação de cidades, principalmente no litoral como no fundo da baía. Aqui foram levantados edifícios administrativos e religiosos que dominavam colinas, sendo visíveis à distância. Era em torno dessas igrejas das cidades que os colonos tomavam conhecimento do que acontecia em outras regiões. Desse modo, informações, boatos e mexericos se espalhavam pelas vilas. Com o passar dos anos as cidades foram desenvolvendo suas funções políticas, sociais e econômicas, distanciando-se da casa-grande e da senzala e firmando-se com o cotidiano de seus habitantes e como o local de choques entre o poder dos potentados rurais com a Igreja e os funcionários administrativos.

O DECLÍNIO

Passado o ciclo do açúcar que foi suplantado economicamente pela atividade febril na busca do ouro e diamantes nas Minas Gerais, pelo final dos anos 1600 e por todo o século seguinte, a vitalidade da região declinou sensivelmente. A mineração e depois o ciclo do café usaram o fundo da baía da Guanabara apenas para escoamento de sua produção para a capital. Mas a memória de seu passado relevante e influente ficou marcado nas tradições locais, nos sítios históricos e na arquitetura de suas povoações.

O próximo artigo será sobre os aspectos humanos que envolveram a ocupação do fundo da Baía.

REFERÊNCIAS:

1. LAMEGO, A.R. O Homem e a Guanabara. Rio de Janeiro: IBGE, 1960.

2. WEHLING, A. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

3. KAMP, Renato. As belezas da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Summit, 2003.

4. VAINFAS R. Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000

5. PETRÓPOLIS, 161 ANOS, Edição da Tribuna de Petrópolis, 16.03.04.