MEMORIAL – BIBLIOTECA MUNICIPAL
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima
Esclareço, antes de mais nada, que não advogo em causa própria; trato de um tema de interesse público.
Histórico
Quando em novembro de 1971 radiquei-me em Petrópolis, para aqui fixar residência, encontrei a Biblioteca Municipal ocupando um pardieiro na esquina da Rua da Imperatriz com a Praça Visconde de Mauá, onde a luz havia sido cortada por questão de segurança.
Dirigia então a Biblioteca a figura inesquecível de Yeda Lobo Xavier da Silva, que me permitia, apesar da precariedade do ambiente, fazer algumas consultas, usando eu uma lanterna para melhor decifrar o que continham os livros e periódicos.
Foi nesse lúgubre e bizarro contexto, indigno de uma cidade como Petrópolis, que iniciei minhas pesquisas sobre a cultura e a história do município, sempre em caráter particular, sem qualquer ajuda, inclusive financeira de quem quer que fosse, principalmente do poder público a que nada devo.
Durante a administração Paulo Rates (1973/1977) foi construído num dos lados da Praça Visconde de Mauá o prédio que deveria abrigar o Centro de Cultura, onde acomodar-se-iam a Biblioteca Municipal, propriamente dita, com suas dependências naturais quais fossem a chamada Sala Petrópolis, a Hemeroteca e o Arquivo Histórico, que, diga-se de passagem, tecnicamente deveria ocupar um outro espaço.
Já no governo Jamil Sabra o novo edifício começou a tomar forma no concernente à prestação de serviços à cultura petropolitana.
Avultavam ali duas figuras fundamentais: Hebe Machado Brasil, que presidia o então Departamento de Cultura e Yeda Lobo Xavier da Silva, que administrava a Biblioteca com extremo amor e zelo, aqui melhorando as condições de pesquisa, ali cuidando da preservação e modernização do acervo, acolá dando total atenção aos consulentes. E ainda lhe sobrava tempo para pesquisar e escrever. Para infelicidade de nós todos faleceu prematura e inesperadamente em setembro de 1991.
Mergulhado profundamente em minhas investigações sobre Petrópolis e tomando por base o rico acervo existente na Biblioteca e adjacências, produzi as seguintes obras objetivando especificamente o município a partir de 1978:
Petrópolis sua Administração na República Velha – 1.° vol.
Petrópolis sua Administração na República Velha – 2.° vol. – 1981
Petrópolis do Embrião ao Aborto – 1.° vol. – 1981
Petrópolis do Embrião ao Aborto – 2.° vol. – 2008
Três Ensaios sobre Petrópolis – 1984
Petrópolis Capital Diplomática – Manuel Gondra – 1987
Câmara Cascudo do Potengi ao Piabanha – 1989
Julio Frederico Koeler a Dura Conquista da Praça – 1994
A Guerra dos Canudos e a Imprensa Petropolitana – 1997
Petrópolis e a Guerra de Independência de Cuba – 1998
À Margem da Imprensa – 2002
Tentativas de Interiorização da Capital do Estado do Rio de Janeiro – 2009
As Armas de Petrópolis – 2009
Petrópolis e o Primeiro Governo de Nilo Peçanha – 2010
1893 – Ecoa em Petrópolis o Brado de Guerra do Pampa – 2011
São portanto até aqui 15 livros publicados além de mais de 360 artigos estampados na “Tribuna de Petrópolis”e alguns outros no “Jornal de Petrópolis”.
Desde 1978 vinculado ao Instituto Histórico desta cidade, ali proferi inúmeras palestras, tendo colaborado em todos os números de sua revista e depois de seu boletim.
Demais ocupei-me de Petrópolis em inúmeras oportunidades em que participei de simpósios, colóquios, seminários e congressos no Brasil e no Exterior.
São portanto 40 anos de intenso labor intelectual objetivando divulgar a cultura e a história do município a partir, via de regra, de seu estupendo acervo de jornais, livros e documentos em grande parte depositado no edifício da Praça Visconde de Mauá.
Sou portanto uma testemunha viva de tudo quanto ali tem sucedido nestas últimas quatro décadas.
E é justamente dos aspectos negativos que merecem imediato reparo que passo a ocupar-me, pois creio que a cultura petropolitana não merece o descaso e a mediocridade com que é tratada.
Da Hemeroteca
Não é qualquer município brasileiro que pode ostentar a coleção de jornais que a Biblioteca Municipal de Petrópolis possui. Ali estão periódicos que datam de 1857 aos dias que correm. Por aquelas folhas corre a história do município, da ex-província hoje Estado do Rio de Janeiro, do Brasil e mesmo do mundo. Há material ali para mil anos de pesquisas. Os temas são os mais variados e podem atender a todos os gostos, a todas as necessidades dos consulentes.
É evidente que o tempo, as pragas temporais, o manuseio, muitas vezes sem a técnica necessária, a instabilidade climática, o acondicionamento nem sempre correto, desgastaram ao longo de tantos anos a hemeroteca petropolitana.
Dependendo da qualidade do papel, do tipo da encadernação e da freqüência das consultas, os jornais podem estar em melhor ou pior estado de conservação e alguns até mesmo imprestáveis ao manuseio.
E foi justamente prevendo os problemas que estavam por vir e pensando sempre no direito do consulente de ter acesso fácil ao objeto de sua pesquisa, que durante a gestão de Yeda Lobo Xavier da Silva, fez-se um convênio com a Biblioteca Nacional para que os jornais petropolitanos fossem microfilmados. E os microfilmes foram feitos, mas o município jamais adquiriu uma máquina sequer para que eles pudessem ser lidos. Ora, a Yeda morreu em 1991, portanto esta é uma lamentável história que tem mais de vinte anos.
E nesse período os jornais continuaram a ser manuseados. Para que evitassem maiores desgastes, eles poderiam ter sido somente acessados por aqueles que se identificassem como verdadeiros pesquisadores, como acontecia no Uruguai, por exemplo, antes que os periódicos ali fossem microfilmados.
Não foi o que ocorreu. Qualquer estudantezinho tinha livre permissão para folhear jornais ao seu bel prazer, quanta vez sem qualquer tipo de fiscalização que pudesse coibir algum abuso. Eu mesmo pilhei certa vez uma consulente com o cotovelo apoiado sobre as folhas sesquicentenárias d’”O Parahyba”, jornal que circulou nestas serras entre 1857 e 1859.
As últimas encadernações de jornais também datam de vinte anos, pois foram realizadas pelo então secretário de Cultura Paulo César dos Santos na gestão do Prefeito Paulo Gratacós. Nunca mais se gastou um real com tão elementar quanto necessário serviço.
No decorrer dos anos 2000, durante a administração Rubens Bomtempo, foram adqiridos “notebooks” para facilitar e modernizar a pesquisa de um modo geral na Biblioteca, mas a Sala Petrópolis recebeu apenas um aparelho de uso exclusivo dos funcionários. Dúvidas havia quanto ao paradeiro dos microfilmes dos jornais, que segundo informações orais estão sob a guarda da Biblioteca Nacional. Quiçá pela inexistência de máquinas que permitissem a sua leitura, e, ante os apelos dos avanços tecnológicos, um outro convênio foi firmado com o Arquivo Nacional, também durante um dos quatriênios do Prefeito Bomtempo, para que se fizessem DVDs dos jornais. Ocorre entretanto que nem todos passaram por esse processo, de modo que, por exemplo, nada foi feito no concernente à “Tribuna de Petrópolis” e ao “Diário de Petrópolis” o que mata absolutamente o século XX em termos de imprensa petropolitana, se não houver acesso aos jornais propriamente ditos.
Já estamos na fase de digitalização dos documentos e não sabemos quando a Prefeitura vai disponibilizar verba suficiente para implantar tal processo no que diz respeito aos periódicos. Talvez quando este avanço já esteja caduco e superado por outro modelo tecnológico. Enfim a Municipalidade estará sempre correndo atrás do prejuízo, vestindo trajes fora de moda em matéria cultural.
Claro que rende muito mais voto asfaltar uma servidãozinha de periferia, ou plantar uma árvore de natal numa pracinha de subúrbio, que encadernar jornal velho ou comprar máquina de última geração para o uso dos consulentes do farto acervo intelectual desta urbe.
Da Biblioteca relativa a Petrópolis e dos Livros Raros
Não seria nenhum exagero afirmar que a bibliografia petropolitana é das mais alentadas de quantas há por este país afora. Creio que são mais de seis mil títulos tendo Petrópolis como tema principal, fora artigos de periódicos, conferências, teses de mestrado, monografias, etc.
Daí não poderia ter sido mais feliz a criação da chamada Sala Petrópolis, dentro das dependências da Biblioteca Municipal, a qual foi muito valorizada, enriquecida e bem organizada graças ao empenho e à abnegação da funcionária Mariza Gomes da Silva, que, com sacrifício de sua saúde e até de seu bolso tem mantido tal seção de modo a poder atender com rapidez e eficiência qualquer tipo de consulente.
Demais a funcionária em apreço, dispondo de pouco apoio logístico e de quase nenhum espaço, agregou a esse verdadeiro departamento dedicado ao município, uma quantidade brutal de obras raras que apodreciam nos porões da Biblioteca, pasto que eram da umidade, das traças e dos ratos.
Serviço de enorme benemerência que somente o amor aos livros e à cultura brasileira poderia justificar.
E nesse afã de preservar e de restaurar, teve ela ainda que contar com a má vontade de uns, o desrespeito de outros e a invejazinha paroquial de tantos.
Pois apesar de tudo os livros lá estão nas suas respectivas estantes, classificados, arejados e limpos, muitos, naturalmente, carecendo de reencadernação, quando alguma verba cair por descuido no orçamento da Biblioteca. A gambiarra natalina por certo fará mais efeito.
Só para lembrar: a encadernação de um livro não muito alentado custa apenas trinta reais. Se se encadernassem dez por mês seriam apenas trezentos reais. Qualquer IPTU paga isso!
Ou quem sabe ficaria mais facil criar o Clube do Amigos da Biblioteca?
Do Arquivo Histórico
O Arquivo Histórico Municipal avassalou a Sala Petrópolis ocupando um espaço que tecnicamente não seria dele.
Tratando-se de matéria muito específica, deixo-a para os especialistas, notadamente para a minha amiga Maria de Fátima Moraes Argon, que tem anos de experiência no setor e já tem trabalhado exaustivamente sobre o tema.
Não posso encerrar este tópico sem também louvar o trabalho de Mariza Gomes da Silva tornando o arquivo agil e dinâmico, não obstante a precariedade das instalações. Nobre o seu empenho em salvar documentos fadados à destruição nas mãos de burocratas iconoclastas.
Dos atuais entraves à pesquisa de periódicos
De três meses a esta parte houve um dilúvio de “não pode” no concernente à Hemeroteca. O curioso é que as proibições não vêm por escrito e de uma só vez. São orais, aparentemente sem amparo em normas preestabelecidas, destiladas como veneno e veiculadas aleatoriamente por canais pouco ortodoxos.
Cada dia uma surpresa, uma afronta desrespeitosa ao consulente local ou alienígena, com credenciais de pesquisador ou não, mas sempre consulentes, muita vez com prazo curto para entregar u’ a monografia, um artigo, para dissipar uma dúvida, para completar uma informação. São afrontas que merecem o revide do socorro aos meios judiciários. E quais são essas proibições:
1º – não é mais permitido folhear periódicos na busca de uma informação de que se não tem uma informação precisa quanto à data do jornal;
2º – se o consulente tiver o nome da matéria e a data certa do periódico, o volume que contiver a folha pretendida será aberto pelo funcionário, que através de um critério subjetivo informará se a matéria poderá ou não ser fotografada, tudo dependendo do estado de conservação do material;
3º – o recurso seria então o microfilme ou o DVD. Ocorre que o microfilme não está disponível, nem há máquina para exibi-lo e o DVD não alcança todos os periódicos disponíveis na Hemeroteca. Estamos portanto diante de um completo impasse, com a impossibilidade total de consulta.
Porém, ainda há mais.
4º – o material eventualmente constante dos DVDs poderia ser passado para um “pen-drive” de propriedade do consulente e pelo menos alguma janela abrir-se-ia à pesquisa. Mas o departamento de maldade de plantão também vetou esta alternativa. O DVD está indisponível para esse mister que não causa prejuízo a quem quer que seja e facilitaria a vida do consulente. Daí conclui-se que há um compromisso com o atraso por parte dos responsáveis por esse departamento de maldade, tornando-se o DVD um mero troféu ou objeto sem qualquer serventia.
Enfim, os membros do Instituto Histórico de Petrópolis que se cuidem e todos os demais pesquisadores desta terra. Está completamente vedada, sem regras claras e por escrito, a consulta ao vasto e rico acervo de periódicos do município.
Seria mais honesto que ele fosse fechado ao público, até que tivesse condições de prestar os serviços a que fora destinado.
Defendo os interesses gerais e não os meus, já que tenho muito a fazer em Minas Gerais, na Bahia, no Nordeste, em São Paulo, no Rio Grande do Sul, etc.
Cantarei em outras freguesias já que nesta não querem me ouvir. Será que algum dia o quiseram, ou eu preguei esse tempo todo no deserto?
Petrópolis, 28 de dezembro de 2011.