MEU VOTO EM PEDRA PRETA

Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia

Recebi pela internete um “abaixo assinado contra um Supermercado ao lado da Catedral”.

Quando a população se organiza e pede socorro, é porque algo de anormal está acontecendo. Esse assunto já andou nos jornais, nas reuniões de nossos administradores, depois adormeceu, e, estou vendo que continua vivo. Os habitantes de uma cidade são seus verdadeiros donos, devem pois, ser ouvidos por seus dirigentes. A quem cabe a definição desse assunto? Aos burocratas que chefiam as instituições, ou ao homem que labuta nas cidades, que trabalha, cria, e se forma nelas? Não há dúvida que são os segundos que devem ser ouvidos, principalmente quando vivemos numa democracia. Isso já acontecia na Grécia antiga, quando seus habitantes resolviam problemas como esse, votando na Ágora (praça) central. Uma pedra branca era sim (aprovando) e uma preta não (reprovando). Hoje quero votar com a pedra preta dizendo não à construção de um supermercado na Rua 13 de Maio. E você, qual é seu voto?

Analise minhas justificativas. Por que a Rua 13 de Maio é importante para Petrópolis? Vejamos.

Ela começa na Av. Koeler, o eixo principal do Centro Histórico; é entorno da Catedral e da Casa da Princesa Isabel, ambas tombadas. Termina no começo da Av. Rio Branco, próximo à casa do Barão de Mauá, ao lado do Palácio de Cristal, ambos tombados por sua importância. O Palácio de Cristal é o ponto máximo da arquitetura do Ferro (século XIX), não só na cidade, como no Brasil, pois, além de ser um dos mais antigos pré-moldados do país, ainda é monumento histórico. Todos sabemos que foi um presente do Conde d´Eu para a Princesa Isabel. Encomendado na França, em Saint-Sauveur-les-Arras, veio desmontado para Petrópolis, em 1884. Hoje ele é para Petrópolis o que a Tour Eiffel é para Paris! A casa do Barão de Mauá (visconde no fim da vida) além de sua arquitetura harmônica de um neoclássico de quem conhecia bem o classicismo, foi a última residência de um dos maiores industriais, se não o maior do século XIX, no Brasil. Entre muitas e muitas coisas feitas por ele, uma foi o financiar a guerra do Paraguai para o Brasil.

Na outra extremidade temos a casa da Princesa Isabel, que não vale só por toda história que representa, é também um exemplo perfeito da arquitetura neoclássica representativa do século XIX, a primeira a ser construída na Av. Koeler. E no centro de todo o conjunto, como se fazia na Idade Média, temos a bela Catedral neogótica, com suas abóbadas de arestas perfeitas, no seu interior; com o transeptum no lugar exato para uma planta em cruz romana; e na fachada principal a bela rosácea feita em pedra e decorada com vitrais coloridos. Majestosa, com sua torre central em agulha, ela domina o conjunto. Temos que falar também da importância da Av. Koeler, não só de sua harmonia com o rio e suas pontes, como do conjunto arquitetônico que ela guarda. Foi a primeira avenida, no Brasil, a ter o rio na frente das casas, diferente do que ocorria antes, quando todos ficavam nos fundos da construção, recolhendo seus dejetos. Tudo isso no urbanismo perfeito do Major Koeler. Pensem na possibilidade de Koeler projetar um supermercado da época (seus armazéns) logo na esquina desse conjunto brilhante. IMPENSÁVEL.

Resumindo, temos dois conjuntos, os mais importantes do Centro Histórico, isolados. Por que isolados? Porque têm entre si uma pequena rua, hoje ignorada, que é o único elo de união entre as duas partes. Daí a necessidade urgente que temos de salvar a preciosa Rua 13 de Maio, ela toda e não apenas sua esquina, seu ponto mais importante. A crise presente suscitada pelo pedido de construção de um mercado, procede, pela importância do endereço. Esse caso tem que ser examinado com muito cuidado. Pena que isso não tenha acontecido, quando da demolição do conjunto original, edificado no terreno. Mas “um erro não justifica outro”. A casa “Ville des Palmiers”, como era conhecido o lindo chalé da família Grandmasson com seu jardim, preenchia cem por cento o terreno que lá está e que não deve ser dividido, em hipótese alguma. O que aí for construído, terá que ter um uso tão nobre quanto seus vizinhos, que compõem o ambiente da Cátedral. Sabem quem morou pouco depois? O alemão Carlos Spangenberg, o criador das Bengalas Petrópolis, tão apreciadas na Europa do século XIX! Hoje, questiona-se construir um mercado no local. Sob os aspectos do tombamento, o que teria que ser prioritariamente considerado, seria o uso do terreno, lembrando-se que ele é indivisível. Não seria difícil achar outro local para um mercado na cidade, mas nunca nessa esquina nobre. Nós petropolitanos temos que abrir os olhos para a Rua 13 de Maio. Pena que o Conselho de preservação da cidade tenha sido abolido por um prefeito, que não entendeu a utilidade do mesmo. Um Conselho de Preservação Municipal resolveria rapidamente problemas como esse, pois “o que engorda o gado é o olho do dono”, ninguém melhor do que os próprios petropolitanos para conhecer o que é melhor para a cidade. Nesse caso, por exemplo, um Conselho de Preservação Municipal poderia, até, “pré-tombar” (sei que essa figura não existe, ainda, em tombamento) toda a Rua 13 de Maio, para que cada pedido de licença de construção, reforma, mudança de inquilino, etc., fosse analisado antes de ser autorizado. Assim, pouco a pouco, iríamos atualizando a rua, tornando-a mais convidativa. Por pré-tombamento, entenderíamos a fase transitória de um conjunto, que deveria ser tombado por sua importância, mas que ainda teria problemas a serem resolvidos, antes de um tombamento final, quando não se pode mais demolir.

As justificativas são tantas para o meu “voto em pedra preta”, que daria para encher muitas páginas de jornal. Minha intenção, hoje, é conclamar os petropolitanos. Vamos todos votar contra essa idéia infeliz para o nosso centro histórico. Tenho certeza que o resultado contrário à construção seria mais de 80%, da mesma forma que aconteceu quando tombamos a cidade. Foi feita uma enquete que mostrou que a maioria absoluta queria o tombamento.

Quem nasceu ou vive aqui sabe que a Preservação é a nossa maior aliada!.