MONÁRQUICA NA APARÊNCIA MAS REPUBLICANA NA ESSÊNCIA

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Diz o povo que as aparências enganam ou que nem tudo que reluz é ouro. O povo tem sempre razão, pois dificilmente erra nas suas avaliações.

Quando se fala em Petrópolis, pensa-se logo no Imperador Pedro II, que foi o herói civilizador destas serras, de cujo empenho nasceu a cidade que cresceu sob o seu olhar vigilante e onde o Imperador encontrou abrigo, fugindo do verão carioca, por mais de quarenta anos.

Petrópolis, a cidade de Pedro deveria ter sido uma grande célula monarquista a transformar-se no centro da resistência ao golpe de 15 de novembro de 1889.

Mas a história é feita de paradoxos e Petrópolis só foi aparentemente monárquica enquanto durou o regime e o Rei partiu sem que uma lágrima fosse derramada, sem que um cristão defendesse o monarca destronado. Na verdade Petrópolis era já de longa data um poderoso e renitente reduto republicano.

Em poucos lugares da Província do Rio de Janeiro agitava-se tanto a bandeira da República quanto em Petrópolis. No jornal “Mercantil”, que viveu de 1857 a 1892 escrevia com elegância e discreção o republicaníssimo Thomaz Cameron. Encastelados nos seus redutos eleitorais aqui estavam em plena propaganda republicana José Thomaz da Porciúncula, José de Barros Franco Junior, Hermogenio Pereira da Silva, Francisco Soares de Gouvêa, Ernesto Paixão, Santos Werneck e outros, alguns deles filiados ao Partido Liberal de modo a lograrem assento na Assembléia provincial.

O Coronel José Candido Monteiro de Barros, dos maiores latifundiários do município, proprietário de terras do Retiro para baixo até Pedro do Rio, recebia com todo o respeito e acatamento em sua Fazenda da Olaria (onde está hoje o Castelo de São Manoel) o Imperador Pedro II, mas na hora da eleição era em Porciúncula que ele votava. E mais tarde, chegou a criar dois batalhões sustentados por ele mesmo, para ajudar o Marechal Floriano no combate aos revoltosos de 6 de setembro de 1893.

Considerando-se essa intimidade petropolitana com o movimento republicano, com o qual muita gente se identificava, era natural que Petrópolis não se movesse na direção do Imperador deposto.

O jornal “Mercantil” não comentou nem lastimou a última viagem da família imperial de Petrópolis ao Rio de Janeiro e daí para o exílio.

Entretanto, o mesmo periódico serrano na edição de 20 de novembro de 1889 estampava matéria de 1ª página sob o título “Vida Nova”, em que dizia enfaticamente:

“Consumada está pois a obra sonhada por tantos mártires que sucumbiram em patíbulos ao despertar de seu sonho; para glória da nação, os derrotados na incruenta batalha, apenas sofreram golpes no amor próprio.

O Governo Provisório da atual República dos Estados Unidos do Brasil é credor da gratidão nacional, primeiro porque promoveu a reforma querida pela nação, segundo porque sustentou-se em uma altura que elevou os créditos do Brasil”.

E fechando o artigo:

“Aos cidadãos que constituem o governo provisório dos Estados Unidos do Brasil enviamos as nossas saudações”.

O jornalista Thomaz Cameron, discreto mas vigoroso soldado da causa republicana, ainda no final de 1889 trouxe a lume algumas matérias bem significativas que refletem o comportamento de Petrópolis naquela quadra de sua história.

Sob o título “Ao Povo”, disse em 30 de novembro:

“Em nome de um princípio respeitável foram levadas a termo as aspirações nacionais – a vontade popular pronunciara-se e forçoso era obedecer ao mando.

Rápida foi portanto a destruição da monarquia e dela hoje nada mais resta; isso porem não basta para satisfazer completamente as necessidades do país.

… Para ser-nos proveitosa a grande revolução convém que do antigo regime tudo desapareça – vaidades, ambições e desperdícios; e tais vícios sejam substituídos por – dignidade, abnegação, economia”.

Em 25 de dezembro cumprimentando o governo provisório pela convocação de eleições para o congresso constituinte, frisou Cameron:

“O novo sistema de governo há muito esperado com ansiedade pelos sinceros patriotas, ao ser proclamado, foi festejado fervorosamente; e se descontentes houve e ainda os há, em tão pequeno número são, que facílima é a tarefa de inutiliza-los”.

Dando vivas à República escrevia o jornalista em epígrafe na edição de 28 de dezembro do “Mercantil”:

“Se já não existisse no país anteriormente ao memorável 15 de novembro um partido republicano constituído e abraçado à bandeira que é hoje desfraldada a plena luz, de certo, após o advento da nova república nenhum cidadão seria encontrado que não tivesse renegado o seu credo político.

Tais são os atos que têm salientado o início do novo regime, que bastam eles para firmar a superioridade do presente sobre o passado sistema da vida nacional.

… Há meses era proibido o brado – Viva a República – se o considerando um grito sedicioso; e os editais corriam mundo afixados e publicados.

Bem faziam – no próprio interesse – os que o proibiam, porque a república estava destinada a trazer ao povo brasileiro a certeza de que os partidos da monarquia o exploravam e desconheciam o seu poder quando o abatiam e lhe usurpavam os direitos”.

Naquele momento não houve em Petrópolis quem contestasse as palavras veementes e sinceras de Thomaz Cameron.

Luis da Câmara Cascudo, num magistral trabalho escrito sobre o Conde D’Eu, disse com imensa propriedade que D. Pedro II não teve em torno de si nobres de verdade que lhe guarnecessem o trono, defendendo não só o monarca mas também o regime.

O Império tinha na verdade Titulares que moviam-se pelos seus próprios interesses e nem os mais bem aquinhoados pela fortuna e pelo saber, nem o povo em geral morriam de amores pela monarquia. Tinham isto sim um enorme respeito e carinho pelo “velho” que ao fim e ao cabo acabou por confundir-se com o próprio regime.

Daí a indiferença geral pela sorte dos destronados a 15 de novembro e forçados a deixar o país.

É preciso que se saiba que nada no Brasil até hoje foi feito por doutrina e sim pela momentânea conveniência e pelos interesses imediatistas.

E perguntar-se-á: naquela triste conjuntura onde estavam os monarquistas de Petrópolis? Não estavam entre os cortesãos que apenas cercavam o Palácio Imperial para auferir as benesses do trono. Tão pouco no seio do elemento colonial entregue de longa data à própria sorte ou nas fileiras operárias das pujantes indústrias petropolitanas.

Evidentemente que a propaganda republicana com suas propostas de um novo perfil para o país há de ter motivado esses segmentos sociais e quando o novo regime raiou, se não houve festa e desfile cívico de imediato, foi porque tais manifestações estavam guardadas para o momento propício.

E foi o que ocorreu quando do solene hasteamento na Câmara Municipal da bandeira nacional com os símbolos da República.

Políticos da nova safra, aderentes ao novo regime, republicanos históricos e o povo petropolitano em geral irmanaram-se em manifestações de júbilo às quais não faltou com o seu incentivo o Governador Francisco Portela.

Foi em Petrópolis, no ex-palácio imperial, que se reuniu a primeira comissão encarregada de elaborar a carta constitucional da República.

Em janeiro de 1890, por força de resoluções do governo tanto no plano federal como no estadual, dissolveu-se mansa e pacificamente a Câmara vinda da monarquia e tomou posse o Conselho de Intendência Municipal.

Apesar das dissensões entre os próprios republicanos fluminenses, Petrópolis não experimentou turbulências por causa disso.

Em princípios de 1892 desapareceu o jornal “Mercantil” surgindo em seu lugar a “Gazeta de Petrópolis”, que além do seu compromisso com a República, tornou-se órgão intransigente do grupo florianista que encontrou em José Thomaz da Porciúncula, eleito Presidente do Estado, fortíssimo aliado.

Durante a revolta de 6 de setembro de 1893, também conhecida como da Armada, os partidários do Marechal Floriano na defesa feroz da consolidação da República, encastelaram-se em Petrópolis e a cidade tornou-se capital do Estado pela mão do republicaníssimo José Thomaz da Porciúncula. E de capital provisória, por força da revolta, passou a definitiva em fins de 1894 até a sua volta para Niterói em 1903.

Três Presidentes do Estado tomaram posse em Petrópolis: Joaquim Maurício de Abreu, Alberto de Seixas Martins Torres e Quintino Bocaiúva.

Na última década dos anos noventa dos oitocentos o Município de Petrópolis progrediu enormemente graças aos serviços prestados pelo Presidente da Câmara, o republicano histórico Hermogenio Pereira da Silva.

Em fins de 1894, depois de tomar posse na Presidência da República, Prudente de Moraes esteve em Petrópolis. Foi apoteoticamente recebido. Vejamos o que disse sobre o tema a “Gazeta de Petrópolis”.

Está na edição de 28 de novembro de 1894:

“Raras vezes a opinião popular em Petrópolis se tem manifestado tão pronunciada como por ocasião da chegada do Presidente da República Dr. Prudente de Moraes no sábado 21 do corrente.

À hora da chegada do trem da tarde afluiu à estação da estrada de ferro massa de povo como aqui nunca se viu. Todas as classes sociais, a maior parte dos funcionários públicos, oficialidade da guarda nacional e do regimento policial, crescido número de famílias aguardavam a chegada do chefe da Nação.

A estação estava enfeitada a capricho, o largo todo guarnecido de flâmulas, galhardetes, vistoso coreto representando a fortaleza da Lage e diversas bandas de música”.

O trem presidencial chegou às seis e meia da tarde. As autoridades estaduais e municipais estavam perfiladas para dar as boas vindas ao hóspede.

Curto era o trajeto entre a estação e a casa onde se hospedaria o Presidente.

E a “Gazeta” comentava:

“Na passagem foi S. Excia. calorosamente saudado, aclamado entusiasticamente e coberto de flores pelas senhoras”.

Era a consagração da República em Petrópolis.

Não é preciso dizer mais nada a respeito do tema. A não ser …

Com a perspectiva temporal, com o aplainamento das paixões políticas, com os fracassos experimentados por alguns próceres republicanos, Petrópolis começou a resgatar pouco a pouco a memória do velho Imperador que tanto amara a cidade que ajudou a criar.

Primeiro foi o monumento em praça pública no início dos anos dez dos novecentos.

Num concurso realizado para saber-se que nome deveria ter o teatro então cogitado para a urbe, tirou primeiro lugar o de D. Pedro II.

Depois veio a revogação do banimento da família imperial como ato preparatório dos grandes festejos em comemoração do primeiro centenário da independência do Brasil.

No fim dos anos vinte as novas armas de Petrópolis contemplaram os símbolos da monarquia referindo-se especialmente ao Imperador. Aí começou a nascer o mito da cidade imperial. Antes que findasse a década de trinta dos novecentos emblematizou-se o 16 de Março vinculando-se ainda mais a figura do monarca a Petrópolis. Foi no bojo dessa apoteótica escalada que criou-se a Comissão do Centenário da urbe, para festejar justamente o 16 de Março e nesse contexto nascia em setembro de 1938 o Instituto Histórico de Petrópolis na mentalidade do Imperador D. Pedro II, patrono da instituição e seu principal êmulo.

Coroando tão generoso processo eis que dois fatos significativos unem ainda mais Petrópolis à lembrança de D. Pedro II e de sua família: a criação do Museu Imperial, no antigo palácio de verão do monarca e a trasladação de seus restos mortais para a Catedral de São Pedro de Alcântara.

Tantas elaborações convergentes serviram para criar em Petrópolis um certo culto à memória de D. Pedro II, velado, embora, no comum do povo, ostensivo entre os saudosistas que teimam em confundir o monarca com a forma de governo, de cujo modelo só ouviram falar, porque talvez se o tivessem experimentado, quem sabe não teriam firmado jurisprudência nas hostes republicanas?

Diante dessas conjecturas não seria ousado dizer que Petrópolis segue com sua aparência monárquica, embora essencialmente republicana, na maneira de sentir, de pensar e de agir de seu povo.