NECESSÁRIO PORTULANO À ACADEMIA

Julio Ambrozio, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 30, Patrono – Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacelar

Pelos jornais da cidade soube que a Academia Petropolitana de Letras, apoiada pela UCP, empreenderia curso de literatura petropolitana a ser realizado entre o fim de setembro e início de dezembro deste ano. A notícia me deixou um tanto espantado e curioso. Devo confessar que não esperava da instituição proposta tão clarividente e necessária a Petrópolis. O interesse pelo plano de curso surgiu, então, automaticamente.

Pela imprensa descobri posteriormente que o curso não mais se realizaria por ter ocorrido somente uma inscrição; o regulamento determinava o mínimo de 20 inscritos.

O que se pode dizer? Afora o projeto, excepcional em si mesmo, posso inferir ingenuidade e insuficiência em seu encaminhamento. Falta de malícia, porque apenas em camisa-de-força alguém – serve o petropolitano ledor, ou mesmo o aluno de letras – colocaria seu nome na lista de inscrição de tal curso. Em meu último livro, Ensaios Serranos, Ponte da Cadeia, S. João del Rey, 2001, observei que a ausência de biblioteca, vale dizer, do hábito de leitura e escrita, embaraça o juízo da província, de todas as províncias, em benefício de apreciação, assimilada como superior, da metrópole. A(s) província(s) brasileira(s) segue ávida a opinião do metropolitano porque não consegue realizar juízo crítico, i.é, o pensamento autônomo com auto-estima. O petropolitano e o brasileiro, portanto, aguardam com prudência a opinião daqueles que sabem javanês, forâneos que não fizeram ou têm história na região. Segue daí a quase impossibilidade do habitante da província enxergar, ao seu lado, vida culta.

A fraqueza da Academia foi imaginar que, espontaneamente, interessados apareceriam para o curso.

É de se perguntar, igualmente, acerca da existência de uma literatura petropolitana, tal como ocorre uma literatura gaúcha, dialogando com a sua geografia e dialeto regional – embora tenha sido considerado o Rio Grande do Sul um antigo continente. Literatura produzida, editada e lida por gaúchos. Basta citar Simões Lopes, Dyonelio Machado, Manoelito de Ornellas, sem esquecer as jornadas anuais de literatura em Passo Fundo. Por aqui, evidentemente, não se resolveria o problema e dar-se-ia razão ao muxoxo do potencial aluno, pois não é preciso esforço para dizer que não existe tal literatura em Petrópolis.

O segundo nó górdio está neste ponto.

Desatá-lo é se afastar um pouco da literatura como poesia ou bela letra, recuperando o antigo conceito que então existia até o século XVIII. Literatura, à maneira latina, significava saber ligado à arte da escrita e da leitura, erudição, ciência em geral ou conhecimento do homem de letras. Por aí, sim, teríamos uma literatura petropolitana, conjunto de textos que diriam respeito ao território serrano: os fragmentos da narrativa dos viajantes, como os de Richard Burton; os livretes de Carlos Taunay, Klumby, Tinoco de Almeida, Tomás Cameron; as passagens petropolitanas – às vezes nem bem um parágrafo – em obras de muitos autores, como Carolina Nabuco, Manuel Bandeira, Afrânio Peixoto, Lima Barreto; as páginas do grande Sílvio Júlio – sobretudo a saborosa diatribe, Fósseis no Frigorífico -; os textos de ciência de Hansen Gonçalves e Teixeira Guerra, Francisco de Vasconcellos, Maria Meggiolaro et alli, a tese inédita de mestrado do arquiteto Goivinho; a poesia de Sílvio Adalberto e do grupo Poiésis; a obra de Edmundo Jorge e tantos outros que, aqui e ali, com menos ou mais inteligência, formação e estilo, forjam um conjunto, agora sim, denominado literatura petropolitana.

Parecendo não compreender as questões acima, a Academia deu andamento equivocado ao projeto. Exatamente, a Academia Petropolitana de Letras, ao lado do Instituto Histórico, deveria empreender sério diálogo com a UCP; é esta instituição – com seu prestígio e poder – que poderia dar credibilidade a um Curso de Literatura Petropolitana. A essa Universidade, ligada umbilicalmente à cidade, deveria ser exigida coragem, grandeza e estímulo para com o ambiente e a produção literária e artística da cidade. A UCP tem obrigação de melhor acreditar e abrigar a regionalidade. Por que não a criação de um departamento ou instituto de estudos serranos? Abrir simplesmente salas para o curso da Academia é o mesmo que nada. Eficaz contribuição seria incorporá-lo como matéria obrigatória junto ao Departamento de Letras da Universidade, evidentemente ministrado por professores qualificados.

Claro, o plano do curso não poderia ser o mesmo apresentado pela Academia Petropolitana de Letras. O que faltou a esse, a Universidade Católica de Petrópolis teria obrigação de gerar: teoria literária e estudos críticos honrados e sem adjetivos acerca do conjunto de textos petropolitanos, mapeando a escrita passada e auxiliando, ademais, a realização de um padrão médio na produção contemporânea local, pois daí sairia a excelência.

Não que o programa sugerido pela Academia seja ruim; constitui-se, de fato, em uma espécie de Vida Literária Petropolitana, tema – não sei se conscientemente escolhido – próximo do belo e importante livro de Brito Broca, Vida Literária no Brasil – 1900. Bem trabalhado, esse plano da Academia de Letras seria o conteúdo de uma eletiva oferecida pela própria Universidade em seu curso de letras.

A Academia Petropolitana e o Instituto Histórico, aproveitando o impulso da grave conversa com a Universidade Católica do município, facilmente alcançariam, na rua Frei Luiz, a Editora Vozes, que há longos anos se utiliza de mão-de-obra petropolitana. Deveria essa casa editora ser convencida a mirar o habitante da serrania não apenas como operário ou, já agora, cliente, mas também como produtor cultural. Criar sério conselho editorial e uma Coleção Piabanha, editando o conjunto de escritos petropolitanos antigos e modernos, seriam, mais do que duas livrarias, a verdadeira contribuição para com o território serrano.

Incorporada nossa literatura a duas instituições prestigiosas ao olhar petropolitano, essa nova realidade seria parte fundamental na resistência ao domínio cultural e político da metrópole, i.é, de São Paulo, Rio ou Nova York, querendo isso dizer que não iriam se fechar os provincianos petropolitanos e brasileiros, pois começariam a dialogar em pé de igualdade, dignamente, com os metropolitanos, doravante acreditando que a vida, toda ela, também seria possível na província.

Aí, sim – o homem das montanhas sem bode do outro mundo, emparedando os que sabem javanês -, alcançaria a Academia suficiente número de inscrições em qualquer curso que oferecesse.