Nosso Petrópolis
Maria de Fátima Moraes Argon, Associada Titular, Cadeira n.º 28 – Patrono Lourenço Luiz Lacombe
Exmo. Sr. Presidente Vereador da Câmara Municipal de Petrópolis, Paulo Igor, e demais vereadores, Ilmo. Sr. Presidente do Instituto Histórico de Petrópolis, Luiz Carlos Gomes, autoridades civis e militares, senhoras e senhores, amigas e amigos, quero agradecer a oportunidade de proferir algumas palavras neste dia tão especial e também agradecer a presença e a disposição de todos em me ouvir e, sobretudo, espero cumprir a missão que me foi confiada.
Mas antes quero registrar o meu agradecimento, pelo apoio durante a minha pesquisa, à equipe do CAALL, na pessoa da diretora Maria Helena Arrochellas, aos colegas Dr. Sá Earp do Instituto Histórico de Petrópolis e Mariza Gomes do Arquivo Público Municipal, à arquivista Thais Martins do Museu Imperial e à equipe da Biblioteca do Museu Imperial.
A ideia da criação de um instituto de estudos históricos nasceu durante a reunião de 10 de setembro de 1938 da Comissão do Centenário de Petrópolis que, no dia 24, por sua deliberação, fundava o Instituto Histórico de Petrópolis, sob os auspícios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A sua instalação ocorreu em 2 de dezembro, data do aniversário natalício do seu patrono D. Pedro II, justamente aqui, nesse salão, onde hoje estamos reunidos para comemorar o seu 75º aniversário. O Instituto Histórico de Petrópolis, sem sede própria, inclusive até os dias de hoje, funcionou inicialmente em uma sala dessa Casa. A razão dessa estreita relação entre o Instituto Histórico de Petrópolis e a Câmara Municipal de Petrópolis se justifica, em última análise, por comungarem do mesmo ideal: a preservação e o desenvolvimento da cidade de Petrópolis, conforme já estava previsto no primeiro estatuto do Instituto: “promover o adiantamento de Petrópolis, cooperando com os poderes públicos nas medidas que visem ao engrandecimento material e cultural do município.”
O Instituto Histórico de Petrópolis sempre reuniu, em seu quadro, pessoas de destaque na sociedade brasileira e local, identificadas com o propósito de contribuir para a história do Brasil e, especialmente, de Petrópolis. É dessa forma que pretendo celebrar, como oradora do Instituto Histórico de Petrópolis, essa data, prestigiando duas figuras importantes: o patrono D. Pedro II e o sócio Alceu Amoroso Lima, o “Tristão de Athayde”, lembrando que neste ano de 2013, estamos também comemorando 120 anos do seu nascimento e 30 anos do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, criado no ano de sua morte.
A ligação de Alceu com Petrópolis começou cedo, desde 1894. Seu pai, Manoel José Amoroso Lima, foi fundador da Fábrica de Tecidos Cometa, que fornecia recursos econômicos e sociais à cidade, e passou a ser dirigida por Alceu em 1918. Segundo Maria Helena Arrochellas, em seu artigo “Dr. Alceu e Petrópolis” (Diário de Petrópolis, 13/08/2010), ele
Procurou traduzir ali, no concreto da difícil e conflituosa relação entre patrões e operários ao interior do sistema capitalista vigente, mas sempre por ele questionado, os princípios da justiça social, pelos quais batalhava e nos quais acreditava. Ao lado da fábrica, cujas chaminés ainda podem ser vistas em meio a ruínas, perto da antiga estação ferroviária do Meio da Serra, construiu uma vila operária para os trabalhadores da tecelagem e suas famílias e ergueu a Igreja de São Sebastião, hoje capela da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Santo Aleixo.
Ainda em 1918, Alceu Amoroso Lima casou-se com Maria Teresa, filha do industrial Alberto de Faria, proprietário da Casa do Barão de Mauá, onde passou longas temporadas na residência, convivendo com seu cunhado Afrânio Peixoto, que escreveu a crônica “Hino a Petrópolis”, publicada na revista O Espelho, edição de junho de 1935, na qual revela todo o seu amor pela cidade:
Se a gente soubesse escrever os livros que deseja, um, que eu não deixaria de fazer, teria por título: “Manhãs de Petrópolis”. Todas? Não, as de Abril e Maio… as de nosso inverno primavera…[…] Mas, nesse mês de abril ou de maio, prefiro ver, ouvir, respirar, sentir e amar Petrópolis, numa dessas Manhãs de Sol sem calor, brumas e incenso no céu, na terra ouro e esperança, que fazem de Petrópolis, um altar enfeitado, em que a poesia rende graças a Deus […]
Nesse mesmo ano de 1935, Alceu Amoroso publicou o artigo “A obra cultural de Pedro II” (O Espelho, dez. de 1935):
… Sendo um homem que sempre possuiu uma verdadeira obsessão de estudar, nunca deixou de fazer a sua pátria aproveitar dessa cultura. É preciso marcar bem nitidamente esse fato, pois é dos mais significativos para a exata compreensão do seu papel em nossa formação histórico-social. Tudo, em Pedro II, terminava no Brasil.
E aqui, plagiando o próprio Alceu, podemos dizer: “Tudo, em Alceu, terminava no Brasil”. Pedro de Orleans e Bragança, filho primogênito da Princesa Isabel, enviou-lhe uma carta, em 6 de janeiro de 1936, concordando com tudo e mostrando-se grato pela justiça que Alceu rendeu à memória de seu avô.
D. Pedro II, além de ser um dos fundadores da cidade, contribuiu sempre com o seu crescimento e acompanhou com todo interesse o desenvolvimento de Petrópolis, mesmo durante o exílio, conforme carta do visconde de Taunay, de 16 de abril de 1891:
Recomenda-me Vossa Majestade de que fale de Petrópolis. Este verão, a afluência de gente o tornou quase inabitável pelo muito pó e absoluto descuido de todas as regras higiênicas por parte da intendência municipal, que triplicou, entretanto os impostos… A natureza, sim, sempre bela, serena majestosa no meio de tantas misérias!
E na carta de 26 de abril de 1891, continua:
Que manhã a de hoje, neste formoso Petrópolis! Como o céu está puro e azul; como as árvores, lavadas pela chuva de ontem, brilham e parecem sorver la joie de vivre! … Ah! Que alegria, se, de repente me fosse dado saudar com o chapéu, como outrora, o Imperador a seguir a outra margem do rio! Quanto dura o terrível pesadelo de tantos meses! E como acordar, que fazer? (26/04/1891).
Na crônica “A lição de Petrópolis” (O Jornal – Pequena Ilustração, Petrópolis 03/05/1936), ao falar da cidade Alceu comenta:
“o perfil estudioso de Pedro II, que compreendeu a tua alma profunda e sentia a sua alma, vacilante ao apelo das sereias de seu tempo, afinada no fundo pela tua”.
Alceu também teve a sua “casa de verão” em Petrópolis, na Mosela, adquirida em 1947.
Em 27 de março de 1940, ele recebeu a comunicação de Alcindo de Azevedo Sodré, primeiro-secretário do Instituto Histórico de Petrópolis, informando que, por unanimidade, foi eleito sócio efetivo. Na mesma data, três anos depois, foi feita a proposta para que fossem elevados à categoria de sócios honorários, Alceu Amoroso Lima, Elmano Cardim, Yeddo Fiuza e Nereu Rangel Pestana. O parecer assinado por Américo Lacombe, Cardoso de Miranda e Cláudio Ganns, em 5 de julho de 1943, é do seguinte teor:
A Comissão de Sócios vê com o maior prazer a proposta supra que corresponde aos sentimentos gerais e justificadíssimos de todos os amigos desta Instituição. Quer pelo valor individual de cada um dos propostos, quer pelo interesse demonstrado pela Cidade de Petrópolis, de que o INSTITUTO é expoente, quer pelos trabalhos em benefício do próprio sodalício, os membros acima são dignos da homenagem sugerida.
Alcindo Sodré, em 30 de julho de 1943, comunicou a Alceu Amoroso Lima que em sessão do dia 6 p.p. foi unanimemente aprovada a proposta elevando o seu nome à categoria de sócio honorário.
Outra paixão do imperador e de Alceu eram os livros. O imperador, em visita à Biblioteca Municipal, fez uma doação de 400$000 (quatrocentos contos de réis) para a compra do “Grand Dictionaire Universel du XIXéme Siécle 1886-1890”, em 17 volumes. Alceu também fez várias doações e durante visita à Biblioteca Municipal, em 2 de fevereiro de 1944, registrou no livro dos visitantes:
“Petrópolis é um refúgio no Brasil agitado de hoje. Esta Biblioteca um refúgio dentro de Petrópolis”.
Pedro II e Alceu eram leitores vorazes. O imperador montou três bibliotecas em São Cristóvão, com um total de 60 mil volumes. A sua filha, a princesa Isabel, em carta de 30/09/1887, à condessa de Barral assim se refere:
“Papai tem preciosidades naquela Biblioteca dele e penso que com o empurrão que dei poderá ser muito melhor vigiadas agora e limpas. Amandinha e o Dória [os barões de Loreto], muito me ajudaram nos arranjos.”
Não foi diferente com Alceu, que também formou uma preciosa biblioteca com mais de 20 mil volumes, hoje à disposição do público. Um fato pouco citado e conhecido é que Alceu, eleito membro da Academia Brasileira de Letras, ali exerceu o cargo de bibliotecário.
Alceu visitou o Museu Imperial, antiga casa de verão de D. Pedro II, em 12 de fevereiro de 1944, e deixou a sua assinatura no livro de ouro. Dois anos antes, ele havia doado à Biblioteca da instituição quarenta e uma obras, dentre elas: Quem foi Pedro II?, de Carlos Sussekind de Mendonça; Biografia de Pedro II publicada na Revista do IHGB, tomo especial, e Retirada da Laguna, do visconde de Taunay. Em seu artigo “Balzac e os nossos imperadores” (Diário de Notícias, 1943), ele cita:
“nesse Museu Imperial de Petrópolis, que é das coisas mais belas, mais dignas e mais bem cuidadas do Brasil de hoje.”
Ambos desfrutavam dos encantos de Petrópolis; na correspondência de D. Pedro II muitas são as referências à cidade, como as feitas a Gobineau:
“Aqui passeio a pé todas as manhãs”;
“A vida de Petrópolis agrada-me muito”;
“Aqui trabalho melhor do que no Rio, apesar dos dois passeios que faço todos os dias”;
“Devo ir em Dezembro a Petrópolis e lá ser-me-á permitido entregar-me um pouco mais às ocupações do espírito.”
Alceu compartilhava os mesmos sentimentos e costumava dizer que, dentre as suas imensas alegrias, uma era desfrutar dos encantos de Petrópolis:
“Ainda, vira e mexe, é aqui na Moselinha que ainda encontro um pouco da ´Douceur de Vivre’ que seja admissível neste mundo em que nada caminha como queremos.” (1963);
“uma cidade adorável e que muito me sensibiliza por seu clima, suas belezas e seu povo” (Jornal de Petrópolis, 16/08/1983).
E, em outras oportunidades, alertava e defendia a cidade:
Esse é Petrópolis, – estragado pelo mundanismo ou caluniado pelos que o desconhecem – mas onde podemos ainda encontrar um tesouro de silêncio, de meditação e de sabedoria, que, a cada hora, se evola do seu deserto povoado de sombras e sugestões (“A lição de Petrópolis”; O Jornal – Pequena Ilustração, Petrópolis 3/05/1936).
A proximidade do Rio, a magnífica estrada, o aumento e a rapidez dos meios de locomoção vêm trazendo à nossa velha cidade, ao menos durante o verão, os elementos mais perigosos para o desvirtuamento de sua natureza.
É de experiência imemorial da humanidade que as cidades se corrompem como os homens, que as cidades nascem, vivem e morrem, como os homens.
Ora, uma cidade que perde o seu caráter, é uma cidade que se suicida. (Petrópolis Episcopal. Lux Jornal. Rio de Janeiro, 03/04/1942).
Alceu acolheu e foi acolhido pela cidade. Em 1973, por deliberação de número 3.496 cujo projeto foi do vereador Delso Francisco da Silva, a Câmara Municipal concedeu-lhe o título de “Cidadão Petropolitano” pelos bons serviços prestados ao Município. Alceu Amoroso Lima compareceu a 23 de janeiro de 1974, à sessão de entrega que foi presidida pelo vereador Jaime Justo da Silva.
Abro aqui um parêntese para falar da honra e emoção que tive ao receber esse mesmo título e que agora, nessa oportunidade, agradeço mais uma vez por ter sido com ele agraciada.
Mas voltemos a Alceu.
Foi aqui na cidade, que nasceu em 1929, a sua terceira filha, Lia, a Madre Maria Teresa, conhecida como “Tuca”, com quem manteve uma correspondência diária, de 1950 a 1983, sendo por isso presença constante na agência dos Correios. Além disso, fazia também parte de sua rotina assistir diariamente à primeira missa na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, jantar com frequência no restaurante Copacabana, na Av. 15 de Novembro, atual Rua do Imperador, e jogar tênis no Clube Petropolitano. Dentre outras instituições, contribuía mensalmente com a Associação Amigos dos Meninos Cantores de Petrópolis, que se apresentaram no dia da inauguração do CAALL, em 1984, criado e idealizado por Dr. Cândido Mendes para que o legado de Alceu Amoroso Lima continuasse vivo em Petrópolis a serviço de sua comunidade.
Alceu morreu em Petrópolis, no Hospital Santa Teresa, fundado por D. Pedro II, em 14 de agosto de 1983.
A minha escolha dos nomes de D. Pedro II e de Alceu Amoroso Lima para homenagear o 75º aniversário do Instituto Histórico de Petrópolis, foi movida pelo fato de que ambos viveram de forma simples e honesta, defendendo os ideais de justiça, liberdade e ética. Portanto, quero encerrar tomando emprestadas as palavras do meu colega Paulo Machado da Costa e Silva, proferidas em homenagem a Alceu Amoroso Lima, no Centro de Cultura de Petrópolis, em 30 de março de 1984, há quase dez anos, mas que cabem perfeitamente nos dias de hoje:
Esta, a meu ver, foi a grande lição da sua vida para os homens de hoje, tão precisados dela. Responsabilidade pessoal e funcional, em época de crises, como as que vivemos hoje, é o único remédio capaz de devolver ao homem atônito, semelhante à biruta de nossos aeroportos, açoitado pelos ventos dos desvarios da mente e do coração, o domínio de si mesmo, a reorganização da família em desmantelo, a confiabilidade nas pessoas e na moralidade nos negócios particulares e públicos.
Muito obrigada!