O Carnaval em Petrópolis: da belle époque aos bailes de gala

Norton Ribeiro, Associado Titular da Cadeira nº 9 – Patrono Mário Aloysio Cardoso de Miranda

Época do entrudo e do corso

A virada do século XIX para o XX, na maioria das grandes cidades brasileiras da época, marcou de forma indelével seus habitantes de um modo especial. O crescimento urbano bem como o frenético contato com outras tradições culturais proporcionadas pelo aumento populacional, fizeram com que aquelas pessoas extrapolassem a sensação de modernidade. O Rio de Janeiro, em especial, capitaneava tal condição por inúmeras razões e, entre elas, por ser a capital da República e por presenciar a enorme reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Pelas ruas falava-se em “vertigem” na tentativa de explicar a sensação de rápida passagem do tempo.

Foi nesse contexto que surge o samba carioca. Na época, diversas tradições musicais estavam presentes na cidade do Rio de Janeiro como o lundu, maxixe, chorinho, valsa e tango, além do carnaval de rua, e seriam grandes influenciadores na formação do samba.

O Carnaval do final do século XIX concentrava na Rua do Ouvidor o coração das comemorações. No alto das sacadas as famílias abastadas assistiam aos cortejos das sociedades carnavalescas, grupos de origem burguesa, que faziam crítica à sociedade e adotavam como lema o propósito de “civilizar” a plebe, já que praticavam o verdadeiro cortejo como de Veneza ou Paris. Executavam marchas e óperas e pretendiam acabar com o entrudo, uma festa popular de origem portuguesa, além das brincadeiras de molhar, pintar o rosto e seguir o Zé pereira, um personagem criado por um português bigodudo que circulava pelas ruas batendo seu tambor.

Neste clima de uma convivência tensa, o entrudo, as brincadeiras e o carnaval das sociedades burguesas dividiam o espaço público. Havia, dessa forma, uma convivência entre desiguais, algo que contribuiria decisivamente na formação do samba carioca. A despeito desta convivência, o carnaval ficou cada vez mais segregado com a profissionalização dos desfiles, a criação de regras e a aceleração do ritmo dando origem ao samba enredo. Alguns autores, como José Ramos Tinhorão, acreditam que tal segmentação do carnaval tenha acontecido ainda na virada do século XIX para o XX, quando surgiram os primeiros cordões e blocos nos quais os foliões deveriam seguir um grupo cercado por cordas, sob os olhos da polícia pronta a agir contra algum desavisado que por ventura viesse a atirar seus limõezinhos embebidos de urina em alguma donzela lindamente ornada com sua máscara veneziana. Para Tinhorão houve uma privatização do carnaval já nesta época, o que hoje chamamos de “Abadá”. Segundo ele, o carnaval se organizou sozinho de um jeito esculhambado: o entrudo. Com a classe média querendo participar, esta solicita ao poder público e a polícia que lhe reserve um espaço. Aí surgem os cordões, o espaço de interesse comercial como o atual sambódromo e seus camarotes. Quiseram organizar a esculhambação, revela Tinhorão.

Bem, mas e o carnaval de Petrópolis? Sabemos que nossa cidade foi o refúgio da corte nos meses de verão durante o Império, prática que continuou pela República. Assim, os modismos e o ambiente cultural da capital eram trazidos pela elite marcando o cenário petropolitano. Aqui, entretanto, as festas de ruas carnavalescas, como ocorriam no Rio de Janeiro, levaram um certo tempo para se difundirem, por ser ainda uma pequena cidade em fins do século XIX e uma boa parte da população vinha de tradições germânicas, ainda mantendo certas manifestações folclóricas em suas festividades. Por outro lado, os concorridos bailes de máscaras iam acontecendo aos poucos nos hotéis da cidade, como o Hotel Bragança. Há também registros de periódicos da época – como O Paraíba e O Mercantil – indicando que havia as famosas batalhas de limões de cera nas ruas no “famigerado” entrudo, reprimido pela polícia. A festa, então, era principalmente das elites veranistas nos salões de baile que viam com desprezo a aglomeração nas ruas da anárquica turba, que se enfrentava em batalhas de esguichos com água, baldes e tinas, molhando uns aos outros. Nem mesmo o Imperador Dom Pedro II conseguiu escapar do entrudo, o que demonstra que o carnaval sempre foi uma espécie de convivência dos desiguais e subversão total da ordem. Veja o que nos conta Gabriel Kopke Fróes [1]:

[1] Gabriel Kopke Fróes. Rev. social nº 90 de 20.12.1964. gkf vol 10 pg 22.

BANHO IMPERIAL
Houve tempo, como se sabe, em que o entrudo em Petrópolis era um caso muito sério. Raro era o morador da terra que podia vangloriar-se de haver passado os três dias de carnaval sem ter tomado um banho na via pública.
E era no Hotel Bragança que se concentrava o grosso dos foliões do carnaval. Alí, as batalhas d’água tomavam aspectos heróicos. Os atacantes, a pé ou de carro, armados de bombas manuais, limões e vasilhames de toda a espécie, investiam contra os hóspedes que, ao longo da calçada, nas portas, janelas e sacadas do edifício, defendiam com valentia suas posições.
Havia, ainda, os que se divertiam atirando farinha de trigo ou polvilho nos transeuntes, alvejando-os, a seguir, com limões de cheiro. As vítimas, em geral pessoas de cor que ficavam expostas ao ridículo, reagiam muitas vezes violentamente, provocando conflitos.
Em meio aos folguedos, aparecia, não raro, entre o povo, Sua Magestade o Imperador que, com a sua conhecida bonhomia, percorria as ruas da cidade munido de limões de cheiro para retribuir às gentilezas das damas que o alvejavam sem cerimônia.
Certa vez, quando o combate era intenso, D. Pedro II, de sobrecasaca e cartola, apareceu no Bragança e foi alvejado pelos hóspedes, sem dó nem piedade, com uma verdadeira saraivada de limões, ficando com as vestes ensopadas.
O bom Imperador, molhado como um pinto, longe de se zangar, achou graça na brincadeira e preparava-se para voltar ao palácio a fim de recompor a “toilette”, quando foi surpreendido com a atitude de algumas pessoas do povo que tomaram suas dores e não concordaram com a retirada de Sua Magestade do “campo de batalha”.
Havia no Quartel do Destacamento Policial, bem em frente ao Hotel, uma bomba de incêndio que, imediatamente foi “requisitada” pela “força imperial” e colocada em posição estratégica contra os agressores.
Em poucos minutos, as mangueiras da bomba, sugando água do rio Quitandinha, começaram a despejar sobre o edifício do hotel jorros que puzeram em polvorosa seus defensores.
A pilhéria causou geral alegria à pequena multidão que se reunira no local e o próprio Imperador riu-se às bandeiras despregadas, vendo os hóspedes do hotel fugirem, desordenadamente, da ducha inesperada e mal cheiros …

Outro embate podia ser notado nas ruas, como a “Batalha de Flores”. Segundo o professor Oazinguito Ferreira, esta batalha acontecia em frente ao Hotel Bragança e seguia até a praça da Liberdade com carruagens e cabriolets ornamentadas nas quais as famílias jogavam pétalas de rosas umas nas outras. Fotografias do século XIX comprovam esta prática e aqui fica uma questão: teria sido em Petrópolis a invenção dos famosos Corsos que desfilavam pelas ruas do Rio de Janeiro na belle époque carioca? De fato, as batalhas de flores com a presença da Princesa Isabel são comprovadas por fotografias da década de 1880. Os corsos no Rio de Janeiro e em São Paulo foram aparecer no início do século XX. Observe a reprodução de uma notícia da época feita por Gabriel Kopke Fróes em 1975, nesse caso, já na Páscoa: “Domingo de Páscoa, dia 5 de abril de 1896. Desde a manhã, o movimento de pessoas que subiam as avenidas 15 de Novembro e Cruzeiro, fôra num crescendo ininterrupto, até encher, às 3 horas da tarde, a praça da Liberdade. Era a Batalha de Flôres que alí iria ser travada.”

Já por volta dos anos 1920, o carnaval petropolitano mostrava suas próprias características com muitas batalhas de confetes, fantasias, lança-perfume e o tradicional corso da praça da Liberdade. Os choros (conjuntos regionais) entoavam as canções pelas ruas da cidade animando os que brincavam e aqueles que simplesmente assistiam. Algo que também marcou o carnaval da cidade mais tarde, foram as sociedades organizadas que saíam às ruas, como os Ranchos e os Índios. Nosso célebre maestro Guerra-Peixe nos conta sua impressão sobre os antigos grupos carnavalescos:

Os Índios, que no meu tempo de menino me encantavam pelas vestimentas estupendamente coloridas, coreografia enérgica e movimentada e também ruidosa música vocal-percutiva, são grupos que a influência de veranistas, do famoso hotel à beira da Estrada Rio-Petrópolis, o rádio, etc., não conseguiram acabar. Não sei quantos grupos existiam antigamente, mas no carnaval de 1953 fui informado de que ainda subsistiam quatro. Todos eles com aquela curiosa mistura de gente branca [de origem ibérica, principalmente], preta, parda e os às vezes louros descendentes de alemães – estes, de fisionomia germanizada e, assim, metidos naqueles penachos de arara…
No carnaval de 1953 fui a um dos bairros visitar o Grêmio Carnavalesco Estrela do Morin, localizado onde indica a última palavra. Este grupo já existia pelo menos em 1906, quando se denominavam Grupo Carnavalesco Destemidos do Morin, e após diversas vezes mudar de direção e designativo, terminou com o atual nome, que vem desde 1946.
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Corso na praça da Liberdade: Crianças no carnaval de Petrópolis em 1933. Museu Imperial/Ibram/Ministério do Turismo

O que estaria por vir nas próximas décadas foi o auge dos bailes de gala e a inserção do carnaval de Petrópolis no calendário oficial dos grandes bailes do país.

O carnaval dos bailes

Os bailes carnavalescos da cidade remontam a meados do século XIX e ocorriam nos hotéis e teatros voltados para os veranistas que acompanhavam a Corte de Pedro II, quando este vinha para Petrópolis no verão. No início do século XX, vários clubes foram surgindo, alguns mais elitizados e outros com o carnaval mais popular, e passaram a atrair os foliões para seus salões. O próprio Palácio de Cristal se tornou um local almejado para tais festas. Veja um ofício de 1922:

Exmo. Sr. Dr. Prefeito do Município de Petrópolis
Os abaixo assinados organizadores de uma sociedade carnavalesca familiar, cujos os seus principais fins são: realizar nesta próspera cidade divertimentos carnavalescos como sejam “Batalhas de confete, passeatas e bailes puramente familiares afim de que a nossa mocidade e suas famílias possam gozar destas diversões já desenvolvidas em outras cidades.
Tendo sido esta sociedade fundada dias antes do último carnaval por um grupo de rapazes petropolitanos sob a denominação “Club dos Esponjas Carnavalescos” com sede provisória a rua Marechal Deodoro nº 21; e desejando este club tomar parte nas provas carnavalescas que vão se efetuar nas festas do nosso centenário motivo porque cogitamos realizar um festival dançante em favor dos cofres deste club e é este o motivo que nos leva solicitar de V. Excia., o consentimento deste festival nos salões do Palácio de Cristal com a verba grátis na noite de 15 de abril próximo; pois tudo concorrerá para destaque de Petrópolis.
Confiando neste vosso grandioso concurso subscrevemos com a mais alta estima e consideração.
Petrópolis 13 de março de 1922.

 

Vários artigos nos periódicos da cidade reconhecem a importância dos corsos surgidos ainda no final do século XIX, das brincadeiras de rua como o entrudo, porém afirmam que o carnaval petropolitano teve seu grande peso nos bailes dos clubes, sobretudo após a Segunda Guerra. Dessa forma, destacam o os bailes do Hotel Quitandinha, inaugurado em 1944, os bailes do Petropolitano, realizados em teatros e cinemas, os do Serrano, Magnólia, Harmonia da Mosela, dentre outros. A década de 1940 também marcou o início dos desfiles de blocos e ranchos na Av. 15 de Novembro, atual Rua do Imperador, principal artéria do centro.

A despeito dos grandes bailes mais voltados para a elite veranista e os petropolitanos mais abastados, nas décadas de 1940/50 foram surgindo bailes populares nos bairros que promoviam concursos de rainhas, melhor bloco, fantasia mais bonita, o folião mais alegre. Esses clubes eram, principalmente, o Dom Pedro, o Harmonia, o Palmeiras, o Internacional, o já citado Magnólia que ficou famoso por bailes que terminavam de manhã e emendavam em blocos durante o dia.

A edição do Jornal do Povo de sábado, 19 de fevereiro de 1955, dá destaque aos bailes que estavam por vir. Segundo o jornal, o ritmo carioca já estava por todos os lados em nossa cidade. Naquele dia, haveria o baile do Country Club, o E. C. Excursionista João Caetano, Saudavam também o Rancho do Amor, o carnaval do clube Dona Isabel, o do Magnólia que “manda no Bingen” e, por último, considerando os bailes do Petropolitano e Serrano como os “maiorais” da cidade.

Com relação a um dos mais glamorosos bailes da cidade, tivemos a oportunidade de conversar com Luiz Boralli Garcia, que trabalhou por muitos anos no hotel e chefiou várias equipes de cozinha, dos salões e das festas. Luiz Boralli é autor do livro “A História do Quitandinha”, no qual revela fatos curiosos do magnífico hotel – além de fotografias de sua construção nunca antes vistas – que surgiu como Cassino em 1944 e, após o fim do jogo, continuou sua trajetória como clube, ambiente para exposições, conferências, shows e demais atividades de lazer e cultura. Boralli conta com excelente memória os detalhes do dia a dia do hotel, o qual frequentou desde criança e onde começou a trabalhar por volta de 1963, mostrando-se um apaixonado pelos eventos que presenciou e ajudou a organizar ao longo da história do Quitandinha.

Nosso bate papo teve lugar num aconchegante café da rua 16 de março, no qual Boralli relembrou os grandiosos bailes de carnaval do Hotel Quitandinha, desde a década de 1950 até os anos 80. Sentamos e pedimos um café cappuccino. Boralli, com toda calma, diz que devemos começar do começo e, agindo como um historiador, inicia dizendo que “não podemos esquecer. Estamos em 2021, mas devemos nos transferir para a década de 40 e 50”. E assim o fizemos.

Nesse período, principalmente a década de 50 e início dos anos 60, o Brasil vivia um clima de crescimento e felicidade nas ruas, convencionando-se chamar de “Anos Dourados”. Sendo o Rio a capital da República e Petrópolis estando muito próxima, a atividade cultural da capital era influência direta para todo país, e obviamente para Petrópolis.

O carnaval mais elitizado dessa época acontecia nos famosos bailes, dentre os quais os oficiais do carnaval carioca eram o do Teatro Municipal no sábado, domingo no Hotel Quitandinha, e terça-feira no Copacabana Palace. Eram voltados para a elite do Rio de Janeiro e aqueles que poderiam pagar, mesmo não sendo um frequentador desta high society. Assim, segundo Boralli, só se poderia dizer que frequentou o carnaval carioca quem tivesse participado desses três bailes. Não era para qualquer um!

Para se ter uma ideia, vinham o Presidente da República, ministros de Estado, a revista Fatos e Fotos, Manchete, O Cruzeiro, além de ser transmitido pela TV Tupi. As maiores orquestra do Brasil se apresentavam nesses bailes e o Quitandinha tinha uma diferença essencial com relação ao Teatro Municipal: o serviço de cozinha e garçons. Em várias oportunidades a equipe do Quitandinha montava e operava o serviço do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, já que este não tinha muitas condições de oferecer tal serviço para um baile, pois este não estava entre as principais funções do Teatro.

Outra diferença era o Teatro Mecanizado do Quitandinha. Neste, há três palcos giratórios, sendo um para peças teatrais e outros dois para orquestras, nos quais as orquestras se dividiam em duas e não havia o tempo de intervalo da música ao vivo. Sendo assim, o palco girava lentamente com uma orquestra e do outro lado aparecia a próxima tocando a mesma música. Portanto, os músicos de uma orquestra iam descansar enquanto a próxima continuava o baile. Ou seja, a música jamais parava e o público chegava a aplaudir, sendo um espetáculo à parte. Boralli conta que pedia ao Severino Araújo da Tabajara para que trouxesse bastante sopro, que na linguagem musical são os músicos que tocam instrumentos como sax, trombone, trompete, e era isso que fazia o carnaval.

Em determinado baile, um fato inusitado aconteceu. Apesar de não ter presenciado o fato, Boralli nos conta que entrou uma turma dos famosos playboys dos anos sessenta, todos com braço direito engessado, algo estranho de ver num baile. De repente, de 15 a 20 playboys entraram no meio da orquestra e quebraram tudo utilizando o gesso como arma. Mal sabiam que a outra orquestra estava preparada para assumir o baile e seguir o carnaval. Os playboys foram reprimidos pela segurança e colocados para fora do Quitandinha.

Para Boralli, o melhor carnaval de todos, daqueles que jamais teremos novamente, foi o do quarto centenário da cidade do Rio, em 1964. O Quitandinha foi completamente ornamentado e preparado para o evento. Começava com uma orquestra no teatro e no hall havia mesas e cadeiras. Na boite, outra orquestra. No jardim de inverno, mesas e cadeiras e mais uma orquestra dentro da gaiola. O carnaval do Quitandinha nesse período era chamado de “carnaval até debaixo d’água”, pois a piscina de água quente funcionava e as pessoas desciam dos quartos e curavam sua ressaca, para mais tarde continuar.

Os bailes eram muito famosos pelo luxo e atendimento. Até o ingresso contava com um sistema de segurança com quatro canhotos, em que uma parte era deixada na primeira portaria, na entrada do Hall deixava-se outro canhoto e finalmente um canhoto contendo o número da mesa com direito a ceia, coquetel e champagne. Nesse ponto entramos numa discussão a respeito das famosas histórias de pessoas que tenham invadido os bailes por passagens secretas, pela cozinha, etc, mas Boralli comenta que era muito difícil isto acontecer devido à organização e controle. Certamente que um caso ou outro poderia ter acontecido em décadas, entretanto o imaginário popular acabou dando conta de superdimensionar tais penetrações, o que poderia ser considerado um feito.

Outro fato engraçado que veio à memória de Boralli foi a história do índio. Num desses carnavais, ao estar sentado nos sofás do hall, a atenção volta-se para um perfeito chefe indígena que avança pelos corredores. Com certeza uma fantasia perfeita que parecia ter saltado das telas de um filme de faroeste. Contudo, o nosso pele vermelha corre para o banheiro a fim de ter um alívio em suas necessidades e um dos muitos foliões do hotel, talvez ainda embriagado, entra sorrateiramente no banheiro, cria uma massa de papel higiênico com água, e derrama tudo sobre o índio sentado no trono, pensativo e relaxado. O chefe apache sai do banheiro com o cocar completamente destruído, morrendo de vergonha e desaparece por entre os corredores.

O que sempre chamou a atenção dos carnavais no hotel sempre foi a participação de grandes artistas e o desfile de fantasias. Algo que parecia copa do mundo. A participação de Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima, Wilza Carla, Mauro Rosas fazia com que o glamour de vencer no Quitandinha gerasse uma disputa intensa e de um profissionalismo extremo. A maquiagem começava às 15hs, a equipe de segurança, todos em terno e gravata, era reconhecida pela educação.

Assim, o baile ia sendo preparado, o que já começava com a vistoria da equipe de garçons. A roupa, as mãos, a fivela do cinto brilhante, o rosto devidamente escanhoado que era verificado com algodão. Ou seja, eram impecáveis. O chefe da equipe, então, explicava como seria servido o jantar, os pratos da noite e as bebidas. Interessante notar que não era servido nenhum tipo de cerveja ou chopp. As bebidas eram vinhos, uísque importado, Gin tônica, Hi-Fi (Crush com Vodka) e Cuba libre (Coca-cola com Rum).

Havia também um baile infantil que acontecia no domingo, já que muitas famílias hospedadas no hotel necessitavam desta possibilidade para levar as crianças.

O famoso baile do Quitandinha durou até meados dos anos 1980. Com os problemas econômicos da década de 80, concorrência dos desfiles do Sambódromo pela televisão e o risco crescente de uma viagem do Rio a Petrópolis, acabou diminuindo a participação desse público, levando ao encerramento desses grandiosos bailes de carnaval.

Outro importante evento que abria o carnaval da cidade durante muitos anos, foi o baile do clube Petropolitano. Em conversa com Arnaldo Rippel, atual presidente, ele nos conta que  começou a desfilar na Portela em 1984, ano da inauguração do Sambódromo. Participou de muitas escolas de samba e está há 30 anos na ala de compositores da Portela, tendo já vencido na Unidos da Tijuca em 2002, e possui mais de 60 sambas que já foram cantados nas ruas de Petrópolis.

No início, por volta dos anos 1930, 40, o clube Petropolitano utilizava-se dos cinemas da cidade para realizar sus bailes, não necessariamente de carnaval. Esta informação acabou sendo confirmada por uma pequena nota encontrada no Acervo Gabriel Kopke, de 1934, na qual o clube realizou seu primeiro grande baile carnavalesco no Grande Hotel. Juntamente desta informação, a pesquisa também revelou que em 1935, torcedores e adeptos do Petropolitano fundaram a “Ala Alvi-Negra”, um bloco carnavalesco que também tinha a intenção de promover passeios e diversões para os associados.

Já em 1952, com o apoio do prefeito Cordolino Ambrósio, o Petropolitano criou o baile de gala em sua atual sede, inaugurada em 1947, e se tornou muito famoso. Em artigo escrito para o jornal Tribuna de Petrópolis, Vania Maria nos revela a disputa pelo baile e a verdadeira entrega aos braços de Momo do público que frequentava. Entrevistando Ivan Herzog, que começou a trabalhar no clube aos 17 anos lá pela década de 1950, Vania nos apresenta uma noção do que ocorria na abertura do carnaval da cidade. Só para ver os convidados chegarem com suas exuberantes fantasias, uma multidão se concentrava em frente ao clube no dia do evento. Lá dentro, quase 7 mil pessoas curtiam a noite de carnaval que só terminava com a banda saindo do clube às 5 da manhã em direção à praça da Liberdade. Na verdade, eram duas orquestras que se dividiam pelos salões. Dentre os convidados, estiveram pelos salões o Presidente Café Filho, que sucedeu Getúlio Vargas após seu suicídio em 1954, governadores do Estado, como Roberto Silveira, os craques de 1958 como Didi e Nilton Santos.

Na década de 70 os organizadores do concurso de fantasia do Rio de Janeiro, como do Hotel Nacional, Copacabana Palace, traziam as fantasias que eram apresentadas na varanda e salão do clube, durante o Baile de Máscaras, no sábado de carnaval. Esse baile sobreviveu até 1979, pois acabou ficando muito descaracterizado já que era preciso entrar de smoking summer. No entanto, muitos frequentadores alugavam de garçons do Quitandinha e quase sempre o paletó tinha uma manga curta, a calça pescando, o que acabou não ficando muito apresentável. Portanto, numa reunião, surgiu a ideia de um baile do preto e branco que obteve grande sucesso. Não havia mais a exigência do Smoking e, segundo Rippel, o baile do Petropolitano acabou inspirando os bailes de cores no Rio de Janeiro, como o Vert, Blanc Rouge do Fluminense, o Vermelho e Preto do Flamengo, o baile do Diabo do América, dentre outros. O público estava mudando e a elite que anteriormente era privilegiada, agora viu o baile ter um acesso maior da população em geral.

No final da década de 1990, o Petropolitano passou por uma grande crise e quase fechou. Rippel assumiu em 2005 e começou a resgatar as tradições do clube, como o carnaval e o som Petrô. A partir de 2006, o baile de carnaval voltou a ser um sucesso, sempre com a presença de uma escola de samba.

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Arnaldo Rippel assistindo ao desfile de Marlene Paiva no salão central do Petrô em 1978. Baile de Máscaras. Acervo Pessoal.

Na década de 1940, o clube criou o torneio de Tênis à fantasia. Sendo esse um esporte que necessite de muio silêncio e concentração, o carnaval veio para subverter a ordem em que os tenistas se fantasiavam, faziam duplas e a banda tocava junto a quadra. Durou de 1946 até 2006.

Ao longo do tempo, algumas práticas populares acabaram sendo mais reprimidas e não eram vistas com bons olhos pela alta sociedade da cidade. O lança-perfume, que antes era livremente usado, na década de setenta foi perseguido e poia dar cadeia por ser considerado entorpecente. Nos anos 80, houve um incremento da prática de molhar os carros e acertar os passageiros desavisados com as janelas abertas, o que acabava, em alguns casos, gerando brigas. A figura do Clóvis bate-bola também se tornou muito disseminado neste período e era conhecido por algumas atitudes mais extremas nas brincadeiras, causando um pouco de receio. Certamente essas práticas tiveram origem no entrudo de fins do século XIX e início do XX, mas foram se adaptando até que se tronaram alvo de perseguição por parte do poder público, consideradas afrontosas à moral dos mais conservadores.

Interessante também é observar o tipo de proibições no carnaval de rua no período da Ditadura Militar. Havia já a recomendação de não vender bebidas a menores, porém ainda não era uma lei que acabasse em multa. Contudo, na época do carnaval, o consumo de bebida por menores poderia gerar consequências aos comerciantes, sobretudo durante a noite. Pessoas embriagadas também estavam proibidas de poder comprar e tomar mais uns goles. As máscaras não poderiam ser usadas após as 22 horas, provavelmente para facilitar a identificação e o controle dos foliões. O uso do lança-perfume ficou proibido em qualquer lugar e horário e fantasias que atentassem contra a moral e bons costumes não vinham bem a calhar. Você também estava vedado de se fantasiar como oficial de alguma das forças armadas, usar uniformes ou distintivos, mesmo que de brincadeira. Se quisesse cantar, era melhor ficar nas marchinhas e sambas, já que entoar o hino nacional, hinos militares ou estrangeiros iria te causar problemas. Não poderia também usar qualquer apito que se assemelhasse ao do Detran ou da Polícia Militar, mesmo que estivesse vestido Frankenstein ou Pierrot.

As ruas, os blocos e as escolas de samba

Já comentamos anteriormente algumas manifestações do carnaval de rua em Petrópolis que, aliás, sempre existiu. Embora os grandes bailes chamassem atenção e fosse parar nas maiores revistas e até na TV da época, o carnaval de rua se desenvolvia primeiro no centro e praça da liberdade, com as Batalhas de Flores e o entrudo, até se expandir para os bairros mais populares.

Um desses blocos bem antigos era o dos “Índios do Morin”. Segundo Arthur Varella,

“era um grupo caprichado, com fantasias e maquiagem realísticas, cobras no pescoço e um batuque muito característico. Uma outra proposta do grupo era a de pretender assustar as pessoas com pseudo ataques de lanças e uivos, sobretudo nas donzelas sensíveis! Já o Rancho do Amor era uma aparição romântica, ao som de marchas-rancho, o grupo trazia varais iluminados por baterias, roupas fechadas e um conjunto muito colorido! Enquanto isso, a burguesia curtia mesmo os grandes bailes do Petropolitano FC, que era muito seletivo MESMO! Não aceitavam qualquer um como sócio, sobretudo os negros.”

e continua

“Até a década de 60, as manifestações carnavalescas na cidade davam-se apenas nas entidades de bairros, como os Índios do Morin, o Bloco das Onças e o Rancho do Amor, além da tradicional 24 de Maio e Estrela do Oriente, todas reproduzindo modelos do Carnaval antigo da Capital. Vale lembrar que tais entidades eram constituídas por camadas sociais humildes, sem a participação da burguesia petropolitana, que veio a romper os antigos preconceitos e incorporar-se ao Carnaval da cidade, somente nas décadas de 70 e 80. Essas duas décadas justamente marcaram o apogeu dos nossos desfiles, com investimentos particulares dos dirigentes, e até da classe política.”

 

Em 1969 foi fundada a APEC (Associação Petropolitana de Entidades Carnavalescas) com a finalidade de organizar e defender os interesses das entidades carnavalescas, como as escolas de sambas, blocos, ranchos, etc, devendo estas se filiarem e ter o compromisso com a associação. A uma comissão nomeada naquele momento, ficou autorizada a solicitar ao prefeito, Sr. Paulo Rattes, uma subvenção para o carnaval de 1970.

Assim, a partir dessa época, os desfiles no centro da cidade começaram a se tornar uma atração cada vez mais concorrida. Os blocos continuaram, mas agora desfilavam com alegorias, carros e alas na principal avenida da cidade, inspirados no carnaval da capital. Parece que o carnaval dos desfiles estava se profissionalizando na cidade. Havia a passarela do samba, arquibancadas e camarotes. Uma exceção era o bloco Vai Quem Quer, que não tinha grandes alegorias, somente o famoso “roupão” e fazia um tipo de arrastão, sendo sempre o último e fechava a noite de desfiles. Aliás, o Vai Quem Quer possui mais de 50 anos de história e resiste bravamente.

De acordo com Rippel, desde a primeira gestão de Paulo Rattes, o carnaval de rua com os desfiles dos blocos e escolas de samba da cidade foi muito incentivado. Após 1988, com a tragédia das chuvas, o carnaval se esvaiu e nunca mais foi o mesmo. Rippel acredita que Petrópolis não tem o perfil para escolas de samba. É um carnaval para blocos, nas ruas e nos clubes.

Mais tarde, uma nova associação de entidades carnavalescas foi fundada: a LEBOP. O carnaval vinha definhando nos anos 90 e essa poderia ser uma forma de tentar reorganizar os desfiles de outrora. O crescimento do carnaval do Rio que poderia ser visto pela TV, o sucesso do sambódromo e a possibilidade de desfilar pelas grandes escolas do Rio de Janeiro, também contribuíram para o desânimo daqueles que faziam o carnaval em Petrópolis. Do mesmo modo, Petrópolis acabou escolhendo um caminho tortuoso já que acreditava poder concorrer com os desfiles da Sapucaí. Assim, com a desorganização das associações, surgiram problemas quanto aos regulamentos, resultados duvidosos e o descontrole quanto à aplicação dos recursos públicos no carnaval, desmotivou o poder público que apenas investia o mínimo. De acordo com Varella, as entidades APEC e depois a LEBOP, travavam discussões sempre na intenção do autobenefício, isto é, visando o resultado de suas próprias entidades. Isto por que não havia uma Diretoria independente nas Ligas, elas eram formadas pelos representantes das Escolas e Blocos, que lutavam para garantir seus próprios resultados, independente do mérito. Portanto, quem tinha mais força para escolher ou influenciar os jurados era mais ou menos campeão.

Em 2002 o caos se instalou. As entidades carnavalescas se desfiliaram da LEBOP e passaram a conversar diretamente com a prefeitura para obter apoio. Porém, em 2003, surgiu a ideia de uma nova associação, a União Petropolitana de Entidades Carnavalescas, dizendo-se disposta a mudar este quadro, a criar uma outra realidade. No entanto, o projeto pouco avançou, mas houve uma ideia que deu ânimo e pretendia adequar o carnaval ao passado da cidade, resgatando a herança dos antigos desfiles de corsos. Varella nos conta que organizou um desfile composto por 14 vitórias ornamentadas, trazendo personagens dos antigos carnavais, uma banda de música com 60 componentes e personalidades da vida da cidade. O desfile foi emocionante, com a população cantando as antigas marchinhas, sambas e marchas-rancho e, apesar da pequena produção. O resultado apontou para um novo caminho que, se trilhado com consciência, poderia transformar-se num diferencial absoluto do nosso carnaval, identificado com o nosso perfil de cidade aristocrática, e pronto para produzir até um forte ingrediente turístico.

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Saudosismos a parte, esses talvez tenham sido os melhores carnavais da cidade, guardado nas lembranças dos que ainda vivem e se espantem com todo espetáculo proporcionado pelos tempos atuais. Quem sabe no futuro poderemos inverter tal situação, não copiando a beleza da história, mas nela se inspirando por algo novo. Antropologicamente falando, o carnaval representa exatamente o momento da inversão social sem que haja constrangimento, ou uma vingança festiva na qual o pobre se veste de rico, homem se ornamenta como mulher, a prostituta se torna a vedete, Deus e o Diabo partilham da mesma festa.

Fontes de Consulta

 Ata de fundação da APEC. 13/11/1969.

BRETZ, Basílio. Carnaval dos Velhos Tempos. Tribuna de Petrópolis, 28/06/1959.

BULGARELLI, Marcelo. Breve história do carnaval petropolitano. Tribuna de Petrópolis, fev/mar 1994.

Depoimento de Arnaldo Rippel, em 03/02/2021.

Depoimento de Arthur Varella, em 02/02/2021.

Depoimento de Luiz Boralli Garcia, em 4/02/2021.

FERREIRA, Oazinguito. O Carnaval de ontem. Tribuna de Petrópolis, 04/03/1984.

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