DUQUE DE SANTA CRUZ – CONTRIBUIÇÃO À SUA BIOGRAFIA (O)
Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança (Dom), Associado Correspondente
Sendo Augusto de Leuchtenberg o irmão mais velho da Imperatriz Dona Amélia desejo emitir uma apresentação, quanto à sua origem.
Pouco se sabe no entanto sobre a sua existência a não ser a viagem ao Brasil, seu casamento com Dona Maria da Glória e o seu prematuro fim, deixado sempre envolvido num ar de mistério.
Limitadas são também as fontes bibliográficas sobre a sua vida. Os Arquivos Bernadotte e Leuchtenberg me forneceram alguns dados, que aqui desejo apresentar, esperando animar algum dos nossos historiadores a escrever uma definitiva biografia do primeiro Duque Brasileiro.
A família Beauharnais Leuchtenberg surgiu na história européia depois do Congresso de Viena. Eugênio, o filho adotivo de Napoleão, superou a debacle napoleônica graças à acolhida do sogro, Maximiliano I da Baviera, que o estimava como um filho e que o investiu do antigo Ducado de Leuchtenberg, cuja família se havia extinguido. Grandes também eram os meios financeiros do novo Duque de Leuchtenberg, que adquiriu posteriormente do Governo da Baviera, o Principado de Eichstätt, que lhe proporcionou um assento na Câmara dos Príncipes Alemães.
Mandou construir em seguida um dos mais importantes palácios de Munique, instalou no mesmo uma verdadeira Corte, que irritou profundamente o então Príncipe Herdeiro, o futuro Rei Luís I.
A Duquesa Augusta, com suas ligações de família e a sua ambição, fez o resto. Apesar de ter tido um casamento feliz com Eugênio, foi um conúbio forçado pelo pai, que recebeu em troca, por parte de Napoleão, a sua elevação de Príncipe Reinante a de Rei da Baviera. Ficou todavia o complexo, casada que foi com um nobre napoleônico, em quanto a irmã Charlotte contraiu núpcias antes com o Rei Württemberg e depois com Francisco I da Áustria.
O irmão Luís, o futuro Rei Luís I em particular, como já mencionei, não via de bons olhos esta intrusão dos Leuchtenberg em Munique sob a proteção do seu real pai. A tensão entre os Leuchtenberg e Luís I nunca se acalmou. Augusta por isso também procurou, em revide, arranjar os melhores casamentos para seus numerosos filhos.
Começa em unir a filha Josefina ao futuro Rei Oskar I da Suécia, em 1823. Em 1826 Eugênia ao Príncipe Herdeiro de Hohenzollern-Hechingen. Cada enlace era um acontecimento que Luís tinha de engolir e aos quais se limitava em enviar formais felicitações. Com Eugênio era muito cortês, mas com os seus íntimos se queixava que a “canaille bonapartienne” ainda se encontrava na Baviera. (1)
(1) Bayern, Adalbert Prinz von, Eugen de Beauharnais, Stiefsohn Napoleons – F. Bruckmann, Munchen, 1950.
No entanto, Eugênio havia falecido e a Duquesa Augusta incansavelmente combatia a sua batalha em favor dos filhos. Com a possibilidade em 1829 de ver Amélia se tornar Imperatriz, Imperatriz do Brasil, Augusta fica em delírio. A revanche tinha chegado ao ápice! Aceitou todas as dificuldades, o noivo com uma fama muito duvidosa na Europa, a distância e a quase certeza de não mais rever a filha. À sua ambição e ao seu espírito de réplica ela unia, todavia, um profundo apego aos filhos e uma constante atenção a fim de que os mesmos fizessem uma perfeita impressão seja como caráter como de educação.
Sabemos como se realizou o casamento de Dona Amélia, muito simples na realidade, para não irritar os Wittelsbach. Deram o dinheiro enviado por Dom Pedro para o casamento a uma obra de caridade, tudo isso para não levantar a ira do tio ciumento. Luís I não compareceu e nem prestou qualquer homenagem à nova Imperatriz do Brasil. Numa interessante missiva de Munique em 7 de agosto de 1829 a Duquesa escreveu ao filho, já que em viagem para Ostenda: ¨… todo o Corpo Diplomático está furioso com o Rei porque dizem que ele não foi amável com a sua sobrinha. Pelo menos deveria ter sido polido com a Imperatriz do Brasil.” Este fato causou um grande atrito entre a Duquesa e o irmão. Foi tão grande que o Rei se viu forçado a escrever uma carta de esclarecimento a Dom Pedro, levada pelo irmão da Imperatriz (2)
(2) Arquivo Leuchtenberg
Inicia-se um novo capítulo. Os Leuchtenberg continuaram a sua missão diplomática junto às Cortes Européias que levou Theodolinda a se unir ao Conde Guilherme de Württemberg, Duque de Urach e Maximiliano a Grã-Duquesa Maria da Rússia.
Augusto, o objeto deste pequeno estudo, era dois anos mais velho que Dona Maria Amélia e havia sido encarregado de proteger e de acompanhar a irmã para o Brasil. Era o filho varão mais velho dos Leuchtenberg, nascido em Milão em 9 de dezembro de 1810, ainda no apogeu dos pais como Vice-Reis da Itália e Príncipes de Veneza. A alegria dos mesmos foi imensa. Foram distribuídas esmolas, feitas promoções e canceladas dívidas. Josefina enviou calorosas felicitações mas Napoleão os desiludiu. Ele já tinha um herdeiro, o Rei de Roma, de maneira que os seus votos haviam sido formais, pedindo ao mesmo tempo informações sobre problemas administrativos e sobre o estado das fortificações. (3)
(3) Bayern, Adalbert Prinz von, Eugen de Beauharnais, Stiefsohn Napoleons – F. Bruckmann, Munchen, 1950..
Augusto havia sido educado por ótimos professores, foi bom em matemática, se interessava por ciências naturais e adquiriu uma razoável cultura. Quanto à viagem de Dom Augusto para o Brasil poder-se-ia supor que a iniciativa fora da Duquesa Augusta. Na realidade foi Dona Amélia que tinha expresso este desejo, conforme carta de Verna Magalhães ao Marquês de Barbacena: ¨Hoje ouvi que a Princesa tinha tanto engajado seu irmão, o que o mesmo a fosse acompanhar, que enfim o Príncipe se tinha resolvido a ir com ela, no que S. A. a Duquesa ainda não deu inteiramente o seu consentimento¨ (4)
Esta hesitação materna quanto a viagem do filho é confirmada por uma sua encarecida missiva a Dom Pedro, na qual menciona a vontade da futura Imperatriz em ser acompanhada pelo irmão, que ela qualifica de filho dedicado e obediente, que anseia conhecer o Imperador e não desmerecer a sua amizade. (5)
Por seu lado Barbacena tece os maiores elogios a respeito do jovem Príncipe, dizendo que saberá merecer a amizade do Imperador e recomendando ao mesmo tempo hospedá-lo no Paço. (6)
(4) e (6) Arquivo Museu Imperial Petrópolis LXXXV-3821; (5) Arquivo Museu Imperial Petrópolis LXXXVII-3973
Espírito muito alegre, impulsivo e de grande vivacidade e, como quase todos os Príncipes da época, era um apaixonado caçador. Esta vivacidade e instabilidade juvenil naturalmente preocupavam a mãe. Assim, ela o bombardeava com cartas e inúmeras recomendações.
Merece aqui ser reproduzido um trecho de uma advertência, que esta lhe dirigiu, antes do casamento de Dona Amélia, e que nos mostra não somente as reflexões maternas mas sobretudo a índole do jovem Príncipe.
¨Munique, 30 de julho de 1829 … você tem uma excelente maneira de se apresentar, muito tato e espírito, em fim tudo aquilo que você precisa para ser uma pessoa como eu o espero; mas ao lado disso a juventude e a vivacidade de você, assim como o desejo de ser inteiramente independente, fazem esquecer a você os bons propósitos …¨
Mais adiante continua:
¨… precisa ser bom com a gente mas não fraco. Desejo que você acompanhe sua irmã Amélia, pois acredito que a presença de você será útil e vai fazer boa impressão ao Imperador. Mas o que vai ele dizer se ele encontrar em seu cunhado somente um jovem homem debochado que unicamente fala de mulheres … de outro lado como convém o Imperador estimará e quererá você e terá ainda uma opinião mais elevada de sua irmã. A felicidade da boa Amélia dependerá em parte de você.¨(7)
(7) Arquivo Leuchtenberg – Correspondência Duquesa Augusta
Augusto não deve ter tido uma grande vontade em realizar esta viagem, pois a mãe o anima dizendo: ¨…a chegada de um Príncipe Europeu, que é o irmão da Imperatriz vai ter uma grande repercussão no Rio …¨; não consegue todavia refrear-se e continua dizendo: ¨…você sabe que no Brasil existe uma imprensa inteiramente livre e que existem jornais franceses que vão reproduzir todas as notícias. Com a chegada das mesmas na Europa e uma vez que se terá uma má impressão de você, será muito difícil eliminá-la, sobretudo porque as pessoas, que não amam a nossa família, não vão deixar escapar esta ocasião para espalhá-las, a fim de causar um dano à sua pessoa.¨
As recomendações se sucediam, nota-se que a mãe ainda não via o filho inteiramente seguro quanto ao seu comportamento e caráter. Assim em tono preocupado continua: ¨…Uma outra coisa me aflige muito, esta é a sedução das mulheres, que dizem, que no Brasil são terríveis e que são a perdição dos jovens.¨(8)
Segue falando no perigo das doenças etc.
Uma coisa, que em toda a carta transparece é a memória do grande pai Eugênio, a sua honestidade, seu caráter generoso e a grande estima que gozava em todos os meios.
Uma viagem ao Brasil naquele tempo era considerada uma aventura com um êxito incerto. Augusta estava muito preocupada. Ao fechar a carta assim exprime: “Se a morte me atingir antes do seu regresso, sejas pai para Theodolinda e Max e não confies os negócios a mãos incapazes. Lembre-se que temos servidores ainda que foram sempre fiéis. Adeus meu filho, esta palavra me custa a escrever, que enorme distância irá nos separar.” (9)
Antes da partida Augusto fez seu testamento, mesmo não tendo ainda à maioridade.
A viagem para o embarque em Ostenda estava-se realizando e Augusto relatava a mãe muitos detalhes. Assim Augusta, já mais tranqüila, de Munique em 6 de agosto de 1829 escrevia: “estou satisfeita sobre aquilo que você me diz de Amélia e do encantamento dos brasileiros, isto é um bom augúrio para o futuro em geral que se apresenta sob um aspecto tranqüilizador, e quando você voltar quantas coisas você terá de me contar. Eu já falo na volta e você apenas começou a viagem.” (10)
O trajeto de Ostenda para Portsmouth foi marcado por uma forte tempestade. Para aceder ao navio, que os levaria para o Brasil, a fragata “Imperatriz”, Barbacena havia alugado um navio a vapor. Um dos primeiros. Todos ficaram amedrontados pelo barulho assustador. A esquadra era composta pelas fragatas “Imperatriz” e “Isabel”, assim como por uma “corveta rápida” da qual não foi citado o nome.
A viagem devia ser bastante monótona. Durava dois meses naquele tempo. Augusto tomava aulas de náutica com o Comandante e Dona Maria da Glória dava aulas de português aos cunhados. No dia 2 de outubro passaram o Equador e Augusto assinalava à mãe: “… Sou alegre como sempre, mais forte mas não tanto quanto a Imperatriz, que sem dúvida cresceu e aumentou de peso. A jovem Rainha é muito divertida.” (11)
(8), (9), (10), (11) Arquivo Leuchtenberg – Correspondência Duquesa Augusta
Perto das ilhas de Cabo Verde o jovem Duque abateu alguns pássaros e a Imperatriz pintava. Encontra-se no Arquivo Bernadotte uma esplêndida pintura de uma rosa que ela ofereceu à mãe com os seguintes dizeres: Terça feira, 6 de Outubro de 1829, a bordo da Fragata Imperatriz. Amélia. (12)
(12) Arquivo Bernadotte – Arquivo Rainha Josefina
As cores são vivas e bem conservadas, e demonstram a sua predileção pelas rosas.
A Duquesa Augusta continuava a escrever ao filho e muitas cartas eram cifradas, que eu não consegui interpretar, e que devem certamente conter informações interessantes.
Em 15 de outubro se avistou a Baía de Guanabara. Augusto ficou deslumbrado! As montanhas o impressionaram, o Corcovado, o Pão de Açúcar e as várias ilhas, assim como as fortalezas de Santa Cruz e São João. Conforme relatava, cheio de entusiasmo, a viagem graças ao bom vento havia sido muito rápida e assim a chegada tinha colhido no Rio todos de surpresa. Os preparativos para a recepção não estavam ultimados. O Imperador havia sido informado, desde a passagem por Cabo Frio, pelo telégrafo ótico da chegada.
Dom Pedro veio apressadamente a bordo, assim que a frota tinha entrado na baía, pelo barco que devia pilotear a fragata “Imperatriz” até o cais do porto. Todos ficaram surpresos em ver o Imperador já a bordo. Augusto continua sua dissertação, relatando o encontro entre os nubentes. Foi um momento de silêncio. Barbacena e Dona Maria da Glória quebraram o gelo. Quando o Imperador se aproximou de Dona Amélia estava tão excitado, que empalideceu, se sentiu mal e desmaiou. Após alguns minutos se restabeleceu e começou a conversar com a Imperatriz. Augusto observava todos estes acontecimentos e naturalmente passou a descrever a pessoa do cunhado. “Porte militar, cabelos e olhos escuros, rosto expressivo e cheio de vida”. Os filhos de Dona Leopoldina vieram a bordo e ele os achou bastante educados. Desceram em seguida novamente de bordo com o pai.
No dia seguinte se realizou a cerimônia religiosa. Dom Pedro se aborreceu, pois queria seguir na carruagem para a igreja com a Imperatriz. Barbacena o impediu dizendo que ele tinha o encargo e o direito de levar Dona Amélia para o Altar. O Imperador teve que seguir, contrariado, na primeira carruagem com Dona Maria da Glória e o Duque de Leuchtenberg.
Muitos são os detalhes, que emergem das carta dos filhos à Duquesa Augusta. São preciosas testemunhas.
Augusto no entanto ficou muito amigo de Dom Pedro, como o atestam várias cartas do Imperador, que chegou ao ponto de recolher borboletas e insetos para a coleção do cunhado. (13)
(13) Arquivo Leuchtenberg – Correspondência Duquesa Augusta
Augusto acompanhava o mais possível o Imperador. Entre outras coisas relata também o incidente com a carruagem que tiveram dia 7 de dezembro de 1829 na Rua do Lavradio, indo de São Cristóvão para o Paço da Cidade. Dom Pedro quebrou 2 costelas, Augusto o braço direito, Maria da Glória ficou machucada e Dona Amélia ficou incólume.
Os dias passavam. Dom Pedro estava ocupado com a situação política no Brasil e preocupado com os acontecimentos em Portugal. Dona Amélia e o irmão deviam estar estudando, no entanto, como concretizar a esperança de obter a concessão de um título Ducal. Realmente com o Decreto de 5 de novembro de 1829 este desejo foi satisfeito por Dom Pedro.
Em 17 de novembro o Imperador escreveu ao Rei Luís I da Baviera que havia concedido ao cunhado o título de Duque de Santa Cruz com a qualificação de Alteza Real, assim como a Grã-Cruz da Ordem de Pedro Primeiro. Devia ser uma das primeiras concessões de uma Grã-Cruz da mais alta ordem do Brasil.
Infelizmente o Diploma dessas outorgas não foi encontrado no arquivo Leuchtenberg, mas sim uma cópia da época da citada carta… (14)
Nela se lê, nas entrelinhas, tudo aquilo que o Rei não terá gostado de ouvir. Bem podemos imaginar a alegria da Duquesa Augusta! Após a carta do Imperador o Duque Augusto sentiu-se fortalecido e no dia 8 de dezembro escreve de próprio punho ao Rei, pedindo autorização de poder aceitar e usar as distinções recebidas por Dom Pedro. (15)
Não encontramos uma resposta ao sobrinho, mas uma eventual ausência da mesma correspondia a uma tácita anuência. Ao Imperador, todavia, não poderia deixar de responder, e assim com quase sete meses de atraso, no dia 18 de junho de 1830 toma conhecimento das mercês concedidas por Dom Pedro. (16)
(14) Arquivo Bernadotte – Arquivo Rainha Josefina – (15) Arquivo Leuchtenberg – Correspondência Duquesa Augusta – (16) Arquivo Museu Imperial Petrópolis – XCI – 4209
Augusto ficou muitos meses no Brasil. Dom Pedro, que ficou estimando o cunhado, ficou almejando o casamento do mesmo com Dona Maria da Glória, seguramente influenciado por Dona Amélia. No entanto, na política européia foi mencionado por breve tempo o nome de Augusto para ser eleito Rei dos Belgas, todavia a possibilidade de uma posição de Príncipe Consorte de Portugal era mais concreta e seria certamente um casamento de amor. Augusto, porém, não se decidiu logo a este enlace e não foi influenciado pela mãe, como o provam várias cartas no Arquivo Leuchtenberg. Numa carta de Munique de 30 de maio de 1835 a Duquesa de Leuchtenberg escreve a Dona Amélia: ” … Eu não tive alguma influência na decisão [do casamento] de meu filho Augusto. Ele por sorte era maior de idade e independente, mas aprovei a sua nobre intenção porque estava convencida que ele já estava na altura do grande e penoso dilema que se havia imposto e que naquela nova posição ele poderia demonstrar que era o digno filho do Príncipe Eugênio.” (17)
Dom Pedro tê-lo-ia escolhido não apenas porque o julgava capaz de fazer a ventura da filha, mas também porque daria garantias de contribuir parra a consolidação das instituições. Era simpático e professava idéias liberais, agradava ao povo e o seu ar distinto impressionava a aristocracia. Corriam as negociações. Em 1 de setembro de 1834, as Cortes aprovaram o casamento da Rainha com o Príncipe estrangeiro.
No dia 8 de novembro era assinado em Munique o contrato matrimonial por Ildefonso Bayard e o Conde Mejan. O casamento por procuração teve lugar a 1º de dezembro em Munique.
Não sabemos se desta vez o Rei da Baviera participou da cerimônia, apesar das salvas de Artilharia e o repique dos sinos. No mesmo dia a Rainha dirigiu-se das Necessidades para a Sé Catedral. O Duque da Terceira recebeu a mão de Dona Maria II por procuração do Duque de Leuchtenberg. A satisfação era geral com este conúbio com um Príncipe liberal e ilustrado.
No domingo dia 25 de janeiro de 1835, Dom Augusto dava entrada no Tejo a bordo do vaso de guerra “Royal William”. Houve o encontro emocionante a bordo com Dona Amélia, que o escoltou com o Marquês da Fronteira para o Paço das Necessidades. Houve o encontro com a Rainha, já se conheciam, já eram amigos a anos e, portanto, deve ter sido alegre e familiar. A ovação do povo, quando apareceram numa varanda foi enorme. No dia 26 os augustos nubentes ratificaram o seu feliz consórcio na Sé. (18)
O jovem Augusto tinha chegado na sua nova pátria num momento de grande agitação política e social. Não sabemos até que ponto o Príncipe Consorte teria podido influenciar a crítica situação do momento. Por Carta Régia do dia 20 de março ele foi nomeado comandante-em-chefe do exército, que a oposição radical qualificou de imprópria e anticonstitucional. Dia 24 de março a Câmara devia discutir esta nomeação. (19)
(17) Arquivo Leuchtenberg – Correspondência Duquesa Augusta – (18), (19) Bonifácio, Maria de Fátima, D. Maria II – Temas e Debates, Lisboa, 2007.
Os acontecimentos todavia estavam tomando um outro rumo.
Nos primeiros dias de abril de 1835 chegava no Palácio Leuchtenberg uma carta dirigida à Duquesa Augusta. Era uma carta tarjada de preto.
O filho querido Augusto havia falecido em 28 de março. Morreu aos 25 anos!
Foi um golpe terrível para a Rainha e para a Duquesa Augusta!
A missiva foi escrita dois dias após o passamento do jovem Príncipe. Era de autoria de Fanny Maucomble, antiga aia dos jovens Leuchtenberg, que se encontrava em Lisboa.
É uma carta redigida com grande e compreensível consternação. Relata todos os detalhes da rapidíssima doença e morte.
Sendo uma testemunha direta, que nos traz uma versão inédita, achamos interessante apresentar alguns trechos:
“… Parece-me que o Príncipe tinha começado a sofrer de uma ligeira dor de garganta sexta-feira dia 20. Não tinha dito nada, não dando importância ao fato. Infelizmente! Vós como eu, tínhamos conhecimento de como ele pouco cuidava da sua saúde … Domingo saiu por volta das 7 horas para passear e disparar alguns tiros de carabina num pequeno parque ao redor da Ajuda. Fazia muito frio; pois neste país, na primavera as manhãs e as noites são frias e por isso perigosas.
Voltou para o almoço às 10 horas e não disse ainda nada do seu mal da laringe, que o estava atormentando. A 1 hora foi passear com a Rainha num lugar chamado Campo Grande, onde eram realizadas corridas a cavalo. Fazia calor, com um sol muito forte. Ficaram no carro aberto, no mesmo lugar por mais de uma hora a fim de observar as corridas. Ao regressar o Príncipe sofria ainda mais, mas jantou e desejou fazer uma partida de bilhar com a Rainha; no entanto foi obrigado a procurar a cama. Todo mundo o aconselhou de chamar um médico, mas não foi possível convencê-lo. O Conde Mejan e a Imperatriz o pregaram de colocar os pés na água e de lhe aplicar compressas de mostarda. Recusou. Finalmente na 2ª feira ele consentiu em falar com um médico. Este aplicou em primeiro lugar 24 sanguessugas à garganta …”
Após diversas outras tentativas e vendo nenhum êxito foram chamados outros médicos. O estado do paciente estava extremamente grave. A noite esteve calma, mas na manhã do dia 28 os médicos chamaram a Imperatriz a fim de inteirá-la de que, infelizmente, não existia mais alguma esperança e que preparasse o espírito da Rainha.
Dona Amélia providenciou um sacerdote que subministrou os Sacramentos, que recebeu ao meio-dia. Em seguida se despediu com grande coragem de todos, falou longamente com a Rainha e recomendou a mesma a Imperatriz. Pouco depois entrou em agonia e às 2 horas exalou o último suspiro nos braços da Rainha e de Dona Amélia, que não o haviam deixado um momento.” (20)
“O Príncipe deixou um grande pesar e ontem se realizaram grandes desordens na cidade, pois dizia-se que tinha sido envenenado. Isso obrigou a Imperatriz a mandar fazer, com grande precisão, uma autópsia por três médicos e convocou mais um doutor inglês, um francês e um espanhol, pedindo a opinião de cada um.
Este exame vai provar aquilo que nós todos sabemos, de que a morte do jovem homem foi completamente natural e unicamente causada por não ter curado o mal em tempo. Encontraram a garganta, o esôfago e o estômago terrivelmente inflamados… Antes de morrer o Príncipe disse a Mr.Billing, que morria tranqüilo, mas que estava muito triste de findar sem de ter podido fazer alguma coisa pela felicidade da Rainha e de Portugal.” (21)
(20), (21) Arquivo Bernadotte – Arquivo Rainha Josefina
Em todo caso a morte nunca ficou totalmente esclarecida. Uma negligência criminosa ou um envenenamento, conforme se falou na época?
Hoje ter-se-ia meios para esclarecer a causa exata. O funeral de Dom Augusto teve lugar a 31 de março com a máxima solenidade. O corpo foi trasladado para o Panteão Real no antigo Convento de São Vicente de Fora. Em apenas 6 meses Dona Maria II perdeu o pai e o marido. Ficou viúva com apenas 16 anos.
Dom Augusto passou como um meteoro pela história do Brasil e a de Portugal. Não realizou atos heróicos nem esteve no centro de importantes acontecimentos políticos. Nasceu na Itália, foi educado na Baviera, esteve no Brasil, que muito admirou e ficou orgulhoso pelas altas distinções recebidas, casou em Portugal onde a morte o colheu aos 25 anos …
Também dos seus retratos, realizados por grandes mestre como Stieler, Sendin e outros, não podemos colher a força do seu caráter. Ele nos aparece como um jovem honesto, cheio de esperanças no futuro.
A título de curiosidade convêm lembrar, que Augusto foi também um fenômeno genealógico: foi cunhado e genro de Dom Pedro I, foi cunhado de Dom Pedro II e irmão da madrasta do mesmo, foi Príncipe Consorte em Portugal e neto, por adoção, de Napoleão.
Para nós, todavia, ele foi o primeiro Duque Brasileiro, com o significativo nome de Duque de Santa Cruz.
BIBLIOGRAFIA
– Arquivo Bernadotte, Estocolmo
– Arquivo Leuchtenberg, Munique
– Arquivo Museu Imperial, Petrópolis
– Bayern, Adalbert Prinz von – Eugen de Beauharnais, Stiefsohn Napoleons – F. Bruckmann, München, 1950
– Bonifácio, Maria de Fátima – D. Maria II – Temas e Debates, Lisboa, 2007
– Lemos, Ester de – Dona Maria II – Lisboa, 1954
– Lavradio, Memórias do Conde de – 4 Vol., Coimbra, 1933-1937
– Pimental, Alberto – A Corte de D. Pedro IV – Lisboa, 1972
– Schmidt, Maria Junqueira – A Segunda Imperatriz do Brasil – Amélia de Leuchtenberg, Comp. Melhoramentos de S.P. – 1927
– Torres, Lygia Lemos – Imperatriz Dona Amélia, S. Paulo, 1947
– Vidal, Frederico Gavazzo Perry – Descendência de S.M. El-Rei o Senhor Dom João VI, Guimarães & Cia. Ed. Lisboa, 1923
– Zuquete, Afonso E. Martins – Nobreza de Portugal e do Brasil – Lisboa, 1961