O EXÍLIO E A MORTE DE D.PEDRO II

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Estanislau Schaette

Dezembro é o mês da evocação de D.Pedro II. Neste mês veio ao mundo, às 13 horas, no Palácio Boa Vista, em São Cristóvão; neste mês seus olhos cerraram para sempre no Hotel Bedford, em Paris.

Atendendo à incumbência que me foi determinada pelo Instituto Histórico de Petrópolis, do qual sou parte mínima, devo discorrer sobre os últimos anos do reinado do Imperador, seu exílio e sua morte.

Procurarei pois, desincumbir-me de tão honrosa tarefa, mantendo-me, rigorosamente, dentro dos limites prefixados pelo Instituto.

O ideal republicano esteve quase sempre presente nas primeiras manifestações libertárias, do período colonial. Não obstante, a idéia republicana, “como força organizada e não como idéia isolada”, surgiu com a reação liberal, iniciada com a queda do Gabinete chefiado por Zacarias de Góis e Vasconcellos, em 1868. Foi a partir deste fato, segundo nos informa Oliveira Viana, que teve inicio a “descrença progressiva nas virtudes do sistema monárquico parlamentar e uma crescente aspiração para um novo regime, uma nova ordem de coisas” (1).

(1) Citado por José Maria Bello, in História da República. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1959, p.5.

A atitude do Imperador, derrubando o citado Gabinete, teve que ser completada pela dissolução da Câmara, liberal em sua maioria, fato que acarretou um profundo descontentamento nos meios liberais brasileiros, provocando exacerbadas críticas pela Imprensa e no Parlamento.

Ato contínuo, quase dois anos mais tarde, organizou-se o Partido Republicano, que, a 3 de dezembro de 1870, divulgou seu primeiro manifesto, o qual procurou demonstrar a ação “repressiva e despótica” da instituição monárquica, sem contudo conter qualquer proposta de ruptura brusca com o regime vigente. Seus signatários apresentaram-se como “homens livres e essencialmente subordinados aos interesses da (…) pátria, que não pretendiam convulsionar a sociedade (…) [mas, sim,] esclarecê-la” (2).

(2) PESSOA, Reynaldo Carneiro. A idéia republicana no Brasil, através de documentos. São Paulo, ALFA-OMEGA, 1993, p.40.

Pode-se portanto perceber que este manifesto foi um documento sem a necessária vibração emocional, que não conseguiu empolgar a opinião pública.

Por outro lado, a atuação de D. Pedro II, homem simples, de temperamento pacífico, identificado com as questões nacionais, com grande senso de justiça, liberal por índole, realizando uma grande obra administrativa, bem como as qualidades morais dos homens públicos que com ele trabalharam durante quase 50 anos, “quase todos honestos e diligentes” (3), faziam crer que o regime monárquico dificilmente seria ameaçado por uma doutrina política de pequena repercussão.

(3) BELLO, José Maria. História da República. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1959, p. 10.

De fato, a República, às vésperas do dia 15 de novembro de 1889, conforme assinala Villela de Carvalho, “não passava de uma idéia, confinada a alguns jornais e a pequenos grupos espalhados principalmente no Rio e em São Paulo…” (4).

(4) VILLELA DE CARVALHO, Afonso Celso, Exílio e morte de D.Pedro II. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1º volume, Rio de Janeiro, 1984, p.385.

A República foi, assim, proclamada não pelo Partido Republicano e sim, por algumas guarnições do Exército, “o qual em sua maioria não era republicano” (5).

(5) VILLELA DE CARVALHO, Afonso Celso, Exílio e morte de D.Pedro II. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1º volume, Rio de Janeiro, 1984, p.385.

O povo, por sua vez, não só não participou, como foi tomado de surpresa com a proclamação do novo regime, conforme testemunhou Aristides Lobo, republicano histórico que, comentando o episódio, assim se expressou: “O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada” (6).

(6) Citado por Edgard Carone. A Primeira República (l889-1930): Texto Contexto. São Paulo, Difel, 1969, p. 289.

A extrema facilidade com que se derrubou, em 15 de novembro de 1889, o regime monárquico, tem sido motivo de inúmeras controvérsias entre os historiadores.

De fato, a complexidade dos acontecimentos que precederam o aludido fato, tem dificultado o julgamento imparcial em torno dos mesmos e conduzido alguns estudiosos a exageros em suas interpretações.

Assim, freqüentemente, costuma-se atribuir à Abolição e às chamadas questões Religiosa e Militares uma importância decisiva na queda da Monarquia. Sem pretender negar a importância de tais fatos no processo histórico que culminou com a implantação da República, é necessário precisar com que intensidade eles atuaram, para então determinar se foram ou não fundamentais para a queda do regime monárquico.

Neste sentido, concordam alguns historiadores que para se atingir as origens do processo de desagregação do citado regime, teríamos que recuar aos idos de 1850, quando a Lei Eusébio de Queirós extinguiu o tráfico de escravos.

A vida econômica do Império repousava, como é sabido, na agricultura açucareira do Nordeste e da Província do Rio de Janeiro, que até meados do século dominavam a vida política e econômica do país. A decadência econômica da aristocracia açucareira foi, no dizer de Leôncio Basbaum “a causa fundamental da República” (7), até porque, a partir desta época, uma nova aristocracia começou a surgir na vida econômica e social do país: a aristocracia do café “cuja intervenção na vida política iria dar-nos a República” (8).

(7) BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. São Paulo, Edições L.B., 1962, p.353.
(8) p.352.

Marc Hoffnagel analisando o movimento republicano em Pernambuco, conclui que o mesmo não alcançou muito sucesso naquelas paragens afirmando: “os partidos republicanos do Nordeste não alcançaram significante poder político até mesmo na véspera da República. Após a queda do velho regime, prossegue ele “os políticos imperiais conseguiram reafirmar e até fortalecer seu poder sobre a política local e estadual. Pernambuco, por exemplo, não elegeu um governador republicano até 1920” (9).

(9) HOFFNAGEL, Marc. O Movimento Republicano de Pernambuco, 1850-1889: Um Estudo Preliminar. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1984, p. 71.

Por outro lado, a abolição não provocou nenhuma mudança na organização da produção e na distribuição da renda, nem tampouco o tão propalado colapso econômico de que tanto falavam e temiam os escravocratas.

“A abolição afetou apenas os setores que se mantinham apegados ao trabalho escravo e estes, na década dos oitenta, constituíam uma parcela menos dinâmica do país, pois os setores mais progressistas já se preparavam para a realização do trabalho livre” (10).

(10) LYRA, Heitor. História de D. Pedro II – 1825-1889. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, volume 3, 1977, p.69.

Concluindo, podemos afirmar que a adesão dos cafeicultores progressistas, exigindo uma política econômica administrada conforme seus interesses, foi muito mais significativa que a dos fazendeiros do Vale do Paraíba e do Nordeste.

Quanto à Questão Religiosa que muitos afirmam ter sido um fator determinante do advento do regime republicano, cumpre assinalar que na realidade não houve relação direta entre as posições da Igreja e a derrubada da Monarquia. O conflito entre o poder civil e o poder religioso criou, é verdade, momentaneamente, um clima de ressentimentos e contribuiu para aumentar o número dos que advogavam a separação da Igreja do Estado, sem entretanto configurar a Monarquia como inimiga da Igreja e vice-versa.

Por outro lado, os católicos viam num futuro reinado da Princesa Isabel, por sua religiosidade e seu devotamento ao Papa, uma era de fé e prestígio para a Igreja, enquanto a República, impregnada de idéias positivistas era temida por eles. Por que iriam então opor-se à monarquia?

Após a Guerra do Paraguai, radicou-se entre os militares a crença de que os dirigentes do Império não os viam com simpatia. As escolas profissionais militares afastaram-se do caráter que lhes era próprio, tornando-se cursos de ensino científico e centros de propaganda das idéias positivistas, destacando-se neste particular o Ten. Cel. e Professor Benjamin Constant que apregoava uma “ditadura da razão”, que tivesse a “ordem por base e o progresso por fim”.

Surgiu assim, no dizer de Heitor Lyra “…um grupo de oficiais jovens, espíritos irrequietos e ambiciosos, formando uma espécie híbrida de bacharéis de farda, militares pelo ofício, paisanos pela ambição de classe…” (11).

(11) LYRA, Heitor. História de D. Pedro II – 1825-1889. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, volume 3, 1977, p.69.

Afeitos aos debates acadêmicos, não aceitavam as restrições impostas pelo governo quanto à sua participação na vida política.

Em tais condições, não tardaram a surgir entre o governo e os militares, alguns incidentes, dois dos quais envolvendo o ten. cel. Sena Madureira e o cel. Cunha Matos, que acabaram assumindo caráter excepcionalmente grave, sendo os dois militares repreendidos, o primeiro dispensado da Escola de Tiro que comandava e o segundo, preso disciplinarmente por 48 horas.
Estas punições desencadearam a solidariedade dos colegas de farda e do próprio Marechal Deodoro da Fonseca que resolveu apelar para o Imperador, obtendo deste o perdão para os oficiais punidos. Por outro lado, o Conselho Supremo militar considerou os “avisos ministeriais” sobre a presença dos militares na Imprensa como inconstitucionais e o Ministério, liderado pelo Barão de Cotegipe, foi forçado a se retratar, saindo, como ele próprio reconheceu “arranhado em sua dignidade”.

Os incidentes entre os militares e o governo pareciam encerrados. O novo Ministério chefiado pelo Visconde de Ouro Preto com o objetivo de evitar “que atos de seu governo fossem criticados ou mal interpretados pelos militares, sobretudo pelo grupo que cercava Deodoro, que vinha culpando os Gabinetes anteriores de má vontade sistemática para com as classes armadas” (12), designou oficiais-generais para as pastas militares, o Visconde de Maracaju, Marechal Rufino Enéias Gustavo Galvão, primo de Deodoro, para a Pasta da Guerra e o General Floriano Peixoto para o cargo de Ajudante-General, cargo equivalente ao de Chefe do Estado Maior.

(12) LYRA, Heitor. História de D. Pedro II – 1825-1889. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, volume 3, 1977, p.84

Tais medidas não conseguiram, entretanto, evitar novos conflitos. A demissão do Gen. Miranda Reis, por não ter este impedido a manifestação de apoio da Benjamin Constant, após o famoso discurso que este pronunciara na Ilha Fiscal, por parte dos alunos da Escola Militar, o envio do 22º Batalhão para o Amazonas e a demissão do Cel. Mallet, foram encarados pelos militares como uma atitude agressiva do governo ao exército, resolvendo então aqueles derrubar o Ministério.

Não tinha pois o movimento, inicialmente, nenhum intuito republicano, sua única finalidade era derrubar o Gabinete Ouro Preto, incompatibilizado com o Exército, até porque Deodoro não poderia contar com o concurso e a solidariedade de todo o exército, em sua maioria monarquista, se o movimento tivesse um caráter republicano.

Isto explica, sem dúvida, a hesitação de Deodoro em manifestar-se a favor do novo regime, apesar das pressões sobre ele exercidas por Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Francisco Glycério e outros republicanos neste sentido.

Somente quando tomou conhecimento da indicação de Silveira Martins, seu inimigo radical, que lhe havia movido violenta campanha pelo Parlamento, quando Cotegipe o demitira do comando das armas no Rio Grande do sul, é que cedeu à exortação de Benjamin Constant dando seu consentimento a implantação do regime republicano.

A indicação do liberal Gaspar da Silveira Martins que viajava para a Corte, a fim de ocupar uma cadeira no Senado, para organizar um novo Gabinete foi, sem dúvida, fundamental para o triunfo da solução republicana, até mesmo porque num momento em que era urgente a formação de um novo Ministério, o citado político encontrava-se ausente do Rio de Janeiro, onde só era esperado no dia 17 de novembro.

Por outro lado, o imobilismo dos monarquistas, a inércia dos mesmos, no decorrer da crise, não sabendo tirar proveito da indecisão de Deodoro da Fonseca entre a demissão de Ouro Preto e a Proclamação da República, permitiu que alguns republicanos mais audazes tornassem vitorioso o movimento minoritário.

Na realidade, os monarquistas nada fizeram em defesa do Império ameaçado. Ninguém agiu decisivamente naquele instante crucial. o próprio Imperador aceitou resignado a mudança de regime, chegando na oportunidade a confessar a Lourenço de Albuquerque, até então Ministro da Agricultura: “será a minha aposentadoria. Já trabalhei muito, estou cansado, irei então descansar” (13).

(13) Citado por Roberto Macedo. D Pedro II e a República, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1984, p.214.

Como tão bem acentuou Nabuco de Araújo, “instituições que não se defendem, abdicam” (14), o regime monárquico deixou-se matar, “terminando prosaicamente e de súbito” (15).

(14) Citado por Roberto Macedo. D Pedro II e a República, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1984, p.217.

(15) VIANNA, Oliveira. O Ocaso do Império. Rio de Janeiro, Liv. José Olímpio, 1959, p.201.

O Governo Provisório, uma vez constituído, lançou uma proclamação anunciando a deposição da dinastia imperial e a extinção do regime monárquico e decidiu pelo exílio do Imperador e sua família. Assim procedendo, o novo governo entendia que a presença da família real no país era não só contraditória como também perigosa. Na realidade o que os republicanos temiam era uma possível reação monarquista, principalmente diante do inconformismo do marechal Hermes Ernesto da Fonseca, irmão de Deodoro e comandante das Armas da Província da Bahia, fiel monarquista e amigo pessoal de D.Pedro II, diante dos acontecimentos.

Por tudo isto, decidiram também mais tarde que a partida do Imperador e sua família fosse feita o mais rápido possível, antes do alvorecer do dia 16.

A intimação do Governo Provisório foi confiada aos cuidados do major Frederico Solon Sampaio Ribeiro que, acompanhado por três oficiais de patente inferior, a entregou ao Imperador.

Cerca de uma hora mais tarde, a resposta de Sua Majestade, na qual prometia partir com toda a sua família: – “… cedendo ao império das circunstâncias”, foi encaminhada ao governo republicano pelo mesmo major Solon.

D. Pedro viajou para o exílio sem desgosto, manifestado apenas pela precipitação do embarque. “Não sou negro fugido” diria ele na oportunidade, não se conformando com a hora e a clandestinidade do mesmo. Entretanto, depois de ouvir as ponderações que lhe foram feitas pelo Almirante Jaceguai, consentiu em partir àquela hora “para evitar conflitos inúteis”.

“Esse embarque noturno, incerto, dúbio e furtivo transformou um incidente que deveria se realizar num plano estritamente político num ato vergonhoso” (16), sem falar no perigo a que os exilados ficaram expostos ao embarcar numa noite chuvosa, escura, em que a perspectiva de um acidente esteve sempre presente. Neste sentido, o Cel. Mallet, encarregado do embarque confessaria mais tarde sua preocupação e angústia com um possível desastre com o Imperador ou um de seus familiares.

(16) BESOUCHET, Lidia, Exílio e Morte do Imperador. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1975, p.376.

Os membros da Imperial Família foram portanto embarcados na corveta Paraíba, onde ficaram sob a vigilância da guarnição de bordo, até serem transferidos para o vapor Alagoas que os conduziu à Europa.

Até deixar as águas territoriais brasileiras, o Alagoas foi comboiado pelo cruzador Riachuelo, pois havia o receio que D.Pedro II tentasse desembarcar em algum ponto do litoral, fato que provocou um clima de aflição na tripulação. No mais, a viagem transcorreu calma e tranqüila.

Após quatorze dias de viagem, o Alagoas aportou em São Vicente, uma das ilhas de Cabo Verde, para reabastecer. Ali, os exilados desceram a terra e tiveram a oportunidade de despachar volumosa correspondência para o Brasil, França e Portugal, inclusive uma carta do Imperador a seu procurador no Brasil, desmentindo a notícia de que ele aceitara a ajuda de custa de cinco mil contos de réis, que o Governo Provisório da República decidira conceder-lhe, para facilitar sua instalação na Europa.

“… Não receberei, bem como minha família, senão as dotações e mais vantagens a que temos direito pelas leis, tratados e compromissos existentes: e, portanto, se tiver recebido aquela quantia, deverá restitui-la sem perda de tempo…” (17), escreveu na oportunidade.

(17) LYRA, Heitor. Op. cit., P. 138.

Dias depois, chegaram a Lisboa onde permaneceram cerca de quinze dias até se transferirem para a cidade do Porto. Ainda em Lisboa, a primeira preocupação de D.Pedro II foi visitar o túmulo do pai, na Igreja de São Vicente de Fora. Nos restantes dias que ali permaneceu visitou escolas superiores, associações científicas, recebeu visitas, sendo nestas ocasiões sempre aclamado e respeitado.

D. Pedro II, não querendo perturbar com sua presença as festas da coroação do Rei D. Carlos, seu sobrinho, decidiu, após passar alguns dias em Lisboa, seguir para a cidade do Porto.

Lá chegando, o Imperador iria viver um momento de grande aflição, angústia e pesar, com o falecimento da Imperatriz, ocorrido em 28 de dezembro de 1889. O estado de saúde de D. Teresa Cristina vinha se agravando desde a partida do Rio de Janeiro, onde se mostrara profundamente abalada com os acontecimentos que culminaram com a mudança de regime político.

O corpo da Imperatriz, depois de embalsamado e velado foi transportado para Lisboa e depositado no Panteão da Igreja de São Vicente de Fora.

Passados alguns dias, a Família Imperial transferiu-se para a França, onde D. Pedro II fixou residência em Cannes, ali vivendo com dignidade, mas de uma maneira bem modesta, realizando pequenas viagens, a passeio ou para tratamento de saúde e dividindo seu tempo entre os amigos, os livros e as reuniões dos institutos literários e científicos a que pertencia.

Todavia, por onde passava era sempre alvo de calorosas manifestações de admiração e apreço, fato que confirma o prestígio que continuava desfrutando na Europa.

Neste sentido, é interessante lembrar o testemunho de Pires Brandão quando, juntamente com o Conselheiro Silveira Martins, acompanhava o Imperador a um concerto na cidade alemã de Baden-Baden. Disse ele: Quando D. Pedro II apareceu no recinto, todos se levantaram ao mesmo tempo e, o maestro da orquestra veio ao encontro do Imperador e fez-lhe a entrega do programa do concerto. Neste momento D. Pedro II, virando-se para Silveira Martins, pronunciou:
“- Isto não é feito a mim, mas ao nosso Brasil” (18).

(18) Citado por Affonso Celso Villela de Carvalho, in Rev. do Inst. Histórico e Geográfico , Rio de Janeiro, 1984, p.395.

Seu interesse pelos estudos era tal, que apesar de seu precário estado de saúde, tomava lições de línguas semíticas e ocupava-se da impressão de umas traduções hebraicas provençais, publicadas mais tarde.

Entretanto, sua saúde tornava-se cada vez mais precária, apesar da dedicação dos médicos que o atendiam, sobretudo do Conde da Motta Maia e dos doutores Charcot e Bouchard. Sentindo o fim próximo, redigiu o Imperador sua Fé de oficio, “documento da mais alta elevação moral” pelo qual se confessava à sua própria consciência de homem e de Chefe de Estado.

No outono de 1891, achava-se em Paris, hospedado no Hotel Bedford, quando na tarde do dia 23 de novembro, para não faltar a seus deveres de sócio da Academia de Ciências, que se reunia para a eleição de um novo membro, a ela compareceu, apesar das condições do tempo naquela tarde não serem recomendáveis a uma pessoa adoentada. Ao terminar a sessão, saiu em um carro aberto para um longo passeio pelos bosques de St. Cloud.

Em conseqüência foi vitimado por uma gripe que não tardou, devido a debilidade de seu organismo, a evoluir para uma pneumonia.

Os médicos que o assistiam envidaram todos os esforços no sentido de debelar a doença mas seu estado de saúde se agravou e ele faleceu aos vinte minutos do dia 5 de dezembro de 1891.

O governo francês, na pessoa de seu presidente, o republicano Carnot, rendeu honras imperiais aos restos mortais de nosso Imperador, ao contrário do governo republicano do Brasil que sob o pretexto de “evitar descabidas revivescências do espírito monárquico” resolveu abster-se de tomar parte, oficialmente, nestas manifestações de pesar.

A imprensa francesa, através de seus mais prestigiosos órgãos, realizou uma ampla cobertura sobre a morte do Imperador e de seu solene enterro, ressaltando, na oportunidade, suas virtudes, sua vasta cultura e, principalmente, seus dotes políticos.

Após as homenagens prestadas na França, o ataúde que conduzia os restos mortais de D. Pedro II foi levado a um trem especial que o conduziu a Lisboa.

Em Lisboa, após a celebração das exéquias na Igreja de S. Vicente de Fora, pelo Cardeal de Lisboa e 12 bispos, foi o Imperador sepultado ao lado da Imperatriz D. Teresa Cristina.

Permaneceriam os restos mortais do Imperial casal em Lisboa, durante cerca de trinta anos, embora a idéia de repatriar suas cinzas tenha sido agitada no Congresso Nacional em 1906, pela palavra do ilustre Senador paraibano Coelho Lisboa, sem entretanto alcançar o êxito desejado.

Em 1911, o assunto voltou à baila na Câmara, ardorosamente defendido pelo Deputado Maurício Lacerda. Apesar de aprovado na Câmara, o projeto do combativo deputado não obteve o aval do Senado, onde a paixão política de alguns republicanos traduzida em pretextos fúteis, objeções descabidas e receios infundados, não permitiu que fossem atendidos os reclamos da opinião pública.

Foram ainda necessários mais sete anos para que a idéia triunfasse definitivamente, graças à mensagem do Presidente Epitácio Pessoa, pedindo a revogação dos artigos lº e 2º do Decreto n.º 78 A, de 21 de dezembro de 1889.

O Congresso acolheu a mensagem presidencial e, já tendo autorizado o retorno das cinzas anteriormente, não teve diante dos argumentos irrefutáveis nela contidos, outra alternativa senão aprová-la, revogando o Banimento, pelo Decreto n.º 4.120, de 3 de setembro de 1921.

Em conseqüência, os despojos imperiais foram transladados ao Brasil pelo encouraçado São Paulo, que atracou no Rio de Janeiro por volta das 15 horas, do dia 8 de janeiro de 1921.

Após o cerimonial de praxe foram os restos mortais do Imperador e da Imperatriz sepultados, provisoriamente, na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, já que, em 5 de dezembro de 1939, seriam transferidos para Petrópolis, onde repousam no Panteão da Catedral de São Pedro de Alcântara.

Finalmente, o governo brasileiro fazia justiça aquele que durante quase meio século prestou inestimáveis serviços à Nação, moralizando o poder público, favorecendo o desenvolvimento das ciências letras e artes, criando um ambiente propício à unidade pela integração nacional, iniciando a indústria, introduzindo os primeiros melhoramentos para a modernização dos transportes e comunicações e muito mais.

D. Pedro II foi antes de tudo um homem de bem, um dos poucos que não macularam, não desonraram e não desmereceram a dignidade da criatura humana.

Por tudo isto, os brasileiros não o esquecem; não lhe renegam gratidão. Estão dispostos a exaltá-lo sempre.

Ainda hoje e por todo o tempo está e estará vivo e presente entre nós.