O PRIMEIRO LICEU DE CAMPOS DOS GOITACAZES

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Poucas comunas fluminenses, quer no antigo, como no atual regime, experimentaram tão harmônico, permanente e bem disseminado desenvolvimento, quanto São Salvador dos Campos dos Goitacazes.

Já no alvorecer do segundo reinado, ali se iniciaram, entre outros, os trabalhos da construção de u’a muralha ao longo da margem direita do rio Paraíba; da abertura dos canais do Nogueira e Campos/Macaé; da ponte sobre o rio Paraíba; da abertura de uma estrada ligando Campos a Cantagalo; da implantação de um liceu provincial na sede do município.

A 20 de fevereiro de 1843, o Imperador nomeava o campista João Caldas Vianna (1806/1862), Presidente da Província do Rio de Janeiro, cargo que o mesmo ocuparia até 11 de abril de 1844.

Enérgico, destabocado, sem papas na língua, o filho da histórica fazenda dos Airizes, hoje vergonhosamente em ruínas, fez um ano de profícua administração, obrando em múltiplas direções, deixando, ao fim e ao cabo, as marcas indeléveis de seu talento e de sua força de vontade nos anais da vida provincial durante a monarquia.

No seu relatório de 5 de março de 1843, apresentado à Assembléia Provincial, falando da instrução pública em terras fluminenses, enfatizou:

“Não julgo que esta capital (Niterói) necessite já de um liceu idêntico (ao de Angra dos Reis), pela proximidade em que está da Corte, onde existem estabelecimentos sofríveis de instrução primária e secundária; mas certamente, para o norte da província, reputo uma necessidade; e bom serviço, pois, faríeis à província, dotando com um liceu a cidade de Campos, o lugar mais longe da província, inquestionavelmente. Este liceu, porém, deverá ser montado, de maneira que pudesse espalhar algumas luzes sobre a agricultura, estabelecendo-se cadeiras aprovadas para tal fim”.

Teoricamente, tinha inteira razão o campista, não por bairrismo, mas por entender que, se já existia um liceu no sul da província, seria válido criar-se um outro ao norte dela, numa região eminentemente agrícola, onde deveria ter ênfase o ensino profissionalizante nesta área.

Foi por certo sintonizada no mesmo canal do Presidente Caldas Vianna, que a Assembléia Provincial votou a lei 304 de 14 de março de 1844, que rezava no seu artigo 1º:

“Haverá na cidade de Campos dos Goitacazes um liceu provincial.”

O artigo 2º, estabelecia quais seriam as cadeiras do novo estabelecimento de ensino: gramática latina; língua francesa e geografia; retórica e poética; filosofia racional e moral; geometria e, acolhendo o alvitre do Presidente, agricultura teórica e prática.

Todas as aulas do liceu seriam franqueadas gratuitamente aos alunos externos que as quisessem freqüentar e o educandário seria estabelecido no Seminário da Lapa, ficando o presidente da província autorizado a celebrar o indispensável contrato com a instituição religiosa em apreço.

O Liceu regular-se-ia pelas disposições dos artigos 3º ao 14º, da lei provincial nº 143, de 13 de abril de 1839.

Também o Presidente ficava autorizado a expedir os estatutos do estabelecimento de ensino campista, os quais seriam submetidos à aprovação da Assembléia Provincial.

A aludida lei nº 143 foi a mesma que criou o Liceu Provincial em Jacuecanga, transferido depois para o Convento de São Bernardino, em Angra dos Reis.

Uma rápida análise dos artigos de 3 a 14 da lei em epígrafe, revela que o liceu campista, como o angrense, teria um professor de retórica e poética que se incumbiria de analisar as obras dos poetas e prosadores portugueses, estando inexplicavelmente fora desse quadro os congêneres brasileiros, o que já implicaria num absurdo. O professor de matemáticas ensinaria aritmética, álgebra, até equações de 2º grau, geometria e trigonometria plana; e o de história e geografia, além da parte geral, ocupar-se-ia especialmente da história e da geografia do Brasil.

A primeira nomeação dos professores seria feita pelo Presidente da Província, entre as pessoas que julgasse mais habilitadas; as vagas que se dessem, seriam também preenchidas pelo Presidente, mediante concurso público.

O liceu teria um diretor nomeado também pelo Presidente da Província, que podia ser demitido sempre que este julgasse conveniente.

O liceu admitiria um ecônomo e um capelão, tendo este a obrigação de dizer missa nos domingos e dias santos.

Cinco sextos dos alunos pagariam a pensão estipulada pelo Presidente da Província, e, um sexto cursaria gratuitamente.

Neste sexto só poderiam estar os menores de 14 anos, pertencentes a famílias de poucas posses, que tivessem demonstrado em concurso público aptidão para as letras. Nas mesmas circunstâncias, teriam preferência os filhos daqueles que tivessem servido ao Estado.

Como é usual no Brasil de todos os tempos, o Liceu de Campos foi criado sem que tivesse uma base territorial para funcionar, de preferência um próprio da Província. Cogitou-se, entretanto, na própria lei que ele haveria de abrigar-se no Convento da Lapa, que não se sabia ao certo em que estado estava.

No relatório apresentado à Assembléia Provincial em 1º de maio de 1846, Aureliano Coutinho, então Presidente da Província, avançou:

“Em cumprimento da lei nº 304 de 14 de março de 1844, acham-se nomeados o diretor e professores do Liceu de Campos; porém este corpo não tem podido ainda funcionar, porque, o Seminário da Lapa, para ele destinado, está em tal estado de ruína que não admite reparos, sendo mister derriba-lo todo e construí-lo de novo desde seus alicerces; o que o governo não tem podido fazer por não haver na lei quantia para isso consignada; e nem julga conveniente que se faça, salvo se a mitra episcopal o ceder inteiramente e sem condições. Julgando porem que o importante município de Campos exige quanto antes esse melhoramento, ordenei ao diretor que procurasse contratar por certo número de anos, o aluguel de algum prédio particular, em que o proprietário fizesse as indispensáveis acomodações, a fim de ser nele estabelecido, ainda que provisoriamente o liceu”.

E Aureliano terminava sua fala dizendo que aguardava o contrato ou notícias e que os professores ainda nada estavam recebendo dos cofres públicos.

Somente a 11 de abril de 1847, na presença do Imperador, quando de sua primeira viagem a Campos dos Goitacazes, foi o Liceu solenemente instalado, não em casa particular, ou no Convento da Lapa, mas no consistório da Igreja de Nossa Senhora do Terço, na rua do Rosário, hoje Carlos Lacerda, por oferta da respectiva irmandade.

Numa carta de D. Pedro II à D. Teresa Cristina, datada de Campos, aos 14 de abril de 1847, existente no Arquivo Grão Pará, está o relato do Imperador do que fez em solo campista no dia 11 daquele mês:

“Às 11 da manhã, assisti à abertura do liceu, que se fez com toda a pompa possível e, à noite fui ao baile da Câmara, onde muito me diverti dançando até às 3 horas, para depois partir para São Fidelis às 6, aonde cheguei às 5 1/2…”

Em 1848, o liceu de Campos registrava 78 alunos matriculados, com 24 aprovações; em 1849, eram 83 matriculados e 17 aprovados.

Neste ano, a 7 de janeiro, relata Júlio Feydit nos seus “Subsídios para a História de Campos dos Goitacazes”, a Câmara Municipal campista recebia uma representação com 113 assinaturas, pedindo a imediata mudança do liceu para o Seminário da Lapa, entre outras razões, porque, não dispondo o consistório da Igreja do Terço de uma latrina, eram os alunos forçados a fazerem suas necessidades no adro do templo, expondo suas intimidades ao público nada tolerante com tais exibições.

De resto, conforme a mesma fonte, o liceu no conceito do campista, era uma verdadeira inutilidade, já que a aula de latim era freqüentada por apenas 36 alunos, a de francês por 22, a de geometria por 4, a de retórica por 4, a de filosofia por 2 e a de agricultura, num município eminentemente agrícola, por nenhum.

Em 1º de março de 1850, José Pereira Darrigue Faro, fazendo seu relatório regimental sobre a instrução pública na província, informava que, desde o inicio do funcionamento do liceu de Campos, todos os alunos eram externos, “por não comportar a admissão de internos a casa onde se o estabeleceu”.

Entretanto, o que impedia as obras no Seminário da Lapa, de modo a adaptá-lo às necessidades do liceu, era a discrepância entre o orçamento apresentado pela Câmara Municipal de Campos e o fornecido pelo engenheiro chefe do distrito. Para a edilidade campista, a restauração do prédio não custaria mais que de 6 a 8 contos de reis, entendendo o engenheiro que o custo seria bem maior.

Afinal, o governo provincial a 12 de agosto de 1850, decidiu o seguinte:

“Convindo proceder-se com urgência aos reparos do Seminário da Lapa, afim de para ali transferir-se o liceu desta cidade, o Vice-Presidente da província nomeia uma comissão composta dos Exmos. Snrs. Barão de Muriaé e Comendador Joaquim Pinto Netto dos Reis, que inspecionem e dirijam os ditos reparos, despendendo neles, pelos cofres provinciais até a quantia de 7 contos de reis, máximo do orçamento apresentado pela Câmara Municipal e devendo agenciar uma subscrição para as despesas necessárias com as acomodações internas do edifício, que deverá admitir 40 pensionistas”.

Em 3 de maio de 1853, no relatório de Luiz Pedreira do Couto Ferraz, lê-se a conclusão dessa árdua batalha, que incluía o termino dos reparos levados a efeito no Seminário da Lapa e as instruções dadas ao diretor do liceu para que providenciasse a mudança do estabelecimento para o novo local.

Raiava 1854 e tudo parecia crer que o liceu de Campos entrava numa fase de estabilidade em suas novas instalações. Ledo engano.

Na verdade, por questões operacionais e pela carência de alunos, os liceus tanto de Angra dos Reis como de Campos, estavam com os dias contados.

O decreto 699 de 7 de outubro de 1854, autorizava o presidente da província a modificar ou revogar os regulamentos da instrução primária e secundária. E o decreto 747 de 30 de outubro do mesmo ano, re-ratificando o anterior, incluía na autorização da reforma, os liceus e o programa do respectivo ensino.

Em 1855, o Presidente Luiz Antonio Barbosa mandou suspender a matrícula tanto no liceu de Angra como no de Campos, respeitando, entretanto, os vencimentos dos professores, embora sem alunos. Em 1856, manteve-se a mesma situação.

No relatório de 1857, é ainda Luiz Antonio Barbosa quem afirma continuarem suspensas as aulas nos liceus, por não ter ele conseguido publicar a reforma deles. Mas também esclarecia o Presidente que o Seminário da Lapa estava preparado para abrigar o internato do liceu campista.

O triste epílogo desta história veio com a Reforma das Repartições Provinciais de 30 de abril de 1858. O artigo 15º desse diploma legal dizia o seguinte:

“Ficam extintos os liceus de Campos e de Angra dos Reis e os respectivos professores, poderão ser, ou empregados no ensino das matérias que professarem nos lugares em que o determinar o Presidente da Província ou adidos à diretoria de instrução”.

O segundo liceu campista só apareceria no cenário da educação na província, em 1880. O tema será objeto, oportunamente, de matéria tão documentada como esta que acaba de ser escrita, nesta cidade de Petrópolis. É a serra prestando sua homenagem à baixada.