OUTRO FRÓES, O COLECIONADOR (O)

 

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, Associado Titular, Cadeira n.º 13 – Patrono C.el Amaro Emílio da Veiga

 

Já dizia Susan Sontag “Colecionar fotos é colecionar o mundo” (p.13), não importando o tamanho deste mundo assim como de seu alcance sobre o mesmo. A história de um sitiante de São José sempre me atormentava o inconsciente sobre o tamanho do seu universo quando foi trazido para a cidade e se sobressaltou com o que viu. Não seria este o caso de José Kopke Fróes (1902-1996) que preso aos umbrais de nossa cidade conhecia como ninguém cada quadrante desta “urb”, rememorava cada qual dos ocupantes deste espaço citadino, sendo a fotografia não uma mania, muito mais os “nervos” da cidade, de seu cotidiano, “…o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos dar a sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça.” (Sontag,1983).

José Kopke Fróes era o irmão de Gabriel (1897-1986), ambos apaixonados pelo “lugar”, parte integrante de sua história, colecionadores de memórias. Gabriel o “tecelão de memórias” por crônicas, contos e fichamentos, já José o caçador de livros, pois era bibliotecário e pesquisador de imagens, vasculhava pedra sobre pedra procurando identificar cada local presente em postais, fotos, cada esquina, cada comércio, cada morador.

“Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada.”, dizia Sontag, mas para Zé que não se dedicava ao mister, colecionar constituía-se na ação mais preciosa, apoderava-se do sentido presente na imagem, “encarnava” o espírito da cidade, forma de apropriação da representação, empoderava-se da identidade urbana.

“Fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que duvidamos, parece comprovado quando nos mostram uma foto.” (Sontag). Assim entrevistei (1983) “Zé Fróes”, em uma das suas diversas exposições pela cidade, sendo esta exatamente nos saguões do prédio dos Correios e Telégrafos. Com sua calma peculiar, transmitida pela idade, saboreava as fotos expostas identificando não somente os cenários, mas se detendo sobre o tempo em que foram batidas. Possivelmente por quem as tivesse batido. Conhecimento ou propriedade ímpar que o remetia ao lugar apaixonado, espírito das imagens, sua cidade.

Sua primeira exposição, transcorreu quando do centenário da chegada dos colonos alemães a Petrópolis (veja foto), no salão principal da Câmara Municipal, sendo ele o bibliotecário-chefe da biblioteca do município nesta época, portanto trinta e oito anos antes de nossa entrevista pela Tribuna de Petrópolis. José ainda comentou que sua coleção estimulara o desejo de escrever na época da exposição, artigo para a própria Tribuna, intitulado “Petrópolis há 50 anos”. Basicamente um roteiro memorialístico do comércio antigo na cidade, seus proprietários, assim como a “marca e produto” de cada um destes para o cotidiano social. Lembrou-me também de Walter Benjamim (2015) e a figura do passeante sobre a poesia de Baudelaire, desenvolvendo sua relação com os “lugares ocupados”, olhar para a cultura material procurando encontrar elementos organizadores daquela cultura de época.

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O “passeante” travestido de “colecionador” pode ser o historiador social, que marca este cotidiano para ser perseverado; também se confunde com o sociólogo tratando-se das relações e atores estabelecidos; mesmo um antropólogo quando procura desmontar as necessidades comerciais observadas por estrangeiros na cidade que se dedicavam a desvendar o hábito da população para comercializar o que era necessário.

Gabriel teve sua continuidade desvendada por Leonardo Sá Earp (1999) que com esmero e dedicação reuniu fichamentos e escritos e os perpetuou em um banco de dados, e os dispôs carinhosamente em site para consulta; no caso de José Fróes, vendeu sua coleção, seu produto de uma vida ao Arquivo do Museu Imperial, resgatada hoje pelo projeto DAMI, contendo um dos principais espaços de pesquisa de imagens sobre a cidade de Petrópolis e sua sociedade, descortinando este cotidiano que ele tanto desejou expor e explicar aos petropolitanos por suas exposições eternas, “Há uma zona de sombra na história da fotografia brasileira. Ela se estende desde a segunda década do século XX até os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Uma lacuna historiográfica…” (LISSOVSKY, 2013).

 

 

Bibliografia:

SONTAG, Susan, Sobre Fotografia, Cia. das Letras, 1983;

BENJAMIM, Walter, Baudelaire e a Modernidade, Editora Autêntica, 2015;

LISSOVSKY, Mauricio, Olhar: Trajetória de um fotógrafo exilado no Rio de Janeiro dos anos 1940, 2013, in ojs.ufpi.br/index.php/rbhm/article/download/4080/2387.

Referência:

http://earp.arthur.nom.br/site/earpgkf.htm;

http://www.museuimperial.gov.br/dami/