PALÁCIO DE CRISTAL, OUTRA VEZ !

Raul Lopes, Associado Titular, falecido –

Usando o velho ditado: “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”, volto ao assunto, já por várias vezes aqui apresentado. Isto porque há perspectivas de “novas obras” no nosso Palácio de Cristal.

Uma pergunta se repete: vão Reformar ou Restaurar?

Reformar é sinônimo de tapear/maquiar com massa e tinta e alguns remendos inconseqüentes, como vem acontecendo desde 1968. Antes deixaram o patrimônio sem conservação, tendo sido usado para várias finalidades como sede do Corpo de Bombeiros, Museu Histórico, tendo no lugar dos vidros, tapumes, e outras mais atividades.

Quando cheguei a Petrópolis, em 1964, o nosso monumento histórico era um vergonhoso esqueleto enferrujado e abandonado, numa “praça” também abandonada… Por volta de 1968 a administração municipal resolveu “recuperar” (?) o esqueleto, cuidando da praça, colocando grade a sua volta – as originais já não existiam – e em vez de terem a sensibilidade histórica de seu valor para com a cidade, restaurando-o, mesmo que isso levasse alguns anos, “reformaram-no”, ou melhor, maquiaram-no com tinta e massa. Assim vem acontecendo até nossos dias e ele já estava a caminho de ser outra vez um esqueleto ou até desmoronando por excesso de menosprezo.

É impressionante como uma cidade, dita imperial e histórica, deixa isto acontecer em sucessivas administrações e não surge movimento algum para salvá-lo !

Agora, se não for nova ilusão, vão “fazer obras” nele. E é por este motivo que passo a repetir o porquê ele é um patrimônio valioso da cidade, do país e do mundo, que merece todo o respeito !

Sua origem está na grande Revolução Arquitetural que aconteceu nos séculos XVIII e XIX e dela fez parte, embora não conste nominalmente nesses relatos. Porém, as datas o confirmam.

Na “História da Arte”, de Germain Bazin, Conservador-Chefe do Museu do Louvre, encontramos um capítulo destinado à Revolução Arquitetural (pags. 400 a 406) desde sua origem até fins do século XIX, onde se encaixa a construção, também, do nosso Palácio de Cristal. Com licença dos leitores, voltamos novamente ao resumo do assunto:

“A técnica do ferro, com o desenvolvimento de sua tecnologia durante a Revolução Industrial, começou a colocá-lo na aplicação em construções de pontes, gares, edifícios industriais, na Inglaterra, em fins do século XVIII. Depois penetra na arquitetura de habitação com o pavilhão de Brington, concepção de John Nash, onde o ferro é empregado com tijolo (1816-1820).

Após essa experiência bem sucedida, surgiu o famoso e majestoso Palácio de Cristal – tipo estufa – da Exposição Universal de 1851, inteiramente de vidro numa armadura de ferro, onde se realizava o ideal de uma arquitetura transparente”. Este palácio infelizmente, mais tarde, foi destruído pelo fogo. Aqui cabe uma observação: por que a Inglaterra, mãe da Revolução Industrial, não o recuperou? Pelo simples fato de que teria que maquiá-lo com materiais modernos, o que prostituiria a concepção original e seus materiais de época, tirando-lhe todo o valor histórico como exemplar de uma era, logo eles que são os criadores da nova ciência: a Arqueologia Industrial.

Por volta de 1850, inicialmente com pequenos projetos esporádicos, a arquitetura do ferro desenvolveu-se na França. Exemplos: Biblioteca Saint-Geneviève, a grande sala de leitura da Biblioteca Nacional (1859); a Igreja de Saint-Augustin (1856), cuja estrutura é de ferro com revestimento de pedra. Embora não sendo um edifício, também é dessa época a Torre Eiffel, com 300 metros de altura, montada rapidamente de 1887 a 1889, como uma espécie de Arco do Triunfo da Exposição Universal de Paris, destinado, como monumento a simbolizar e festejar o desenvolvimento industrial, conseqüência da Revolução Industrial.

Nesse contexto histórico revolucionário é que se enquadra o nosso Palácio de Cristal. Dos dois existentes hoje, ele é o único com a concepção de estufa, totalmente transparente, com armadura de ferro revestida de vidro. Aí é que reside o seu grande valor para a cidade e de âmbito internacional, como único exemplar de uma concepção revolucionária, onde se pode apreciar a engenhosidade do projeto, a leveza de sua estrutura e as soluções de suporte, tudo feito com material forjado e fundido daquela época.

Como todos já estão cansados de saber, o Conde d’Eu foi quem o encomendou na França, às Oficinas da Sociedade Anônima Saint-Sauveur-Les-Arras. Seu projeto, solicitado na época efervescente da Revolução Arquitetural, não podia fugir a essas concepções, pois foi encomendado para ser um centro de exposições para a Associação Agrícola e Hortícula de Petrópolis, recém-criada. “Seu projeto criou uma arquitetura nervada, onde a parede, uma vez liberta de qualquer função de suporte, foi revestida, à toda volta de vidro”.

Só três exemplares existiram nas concepções dessa época. O de Londres (1851), já destruído pelo fogo; o nosso Palácio de Cristal, terminado em 1879 e, vindo para o Brasil desmontado, aqui foi remontado e inaugurando em 1884; o Palácio de Cristal de Madrid, de 1886, portanto mais novo do que o nosso, cujo projeto é diferente, pois seguiu a concepção paralela de “paredes de vidro e alvenaria, numa armadura de ferro”. Este está orgulhosamente conservado pelos espanhóis – e atualmente sendo restaurada – e é uma grande atração turística do Parque do Retiro.

Verifiquem as datas da Torre Eiffel – 1887 a 1889. Antes desta data, 1879, na mesma cidade Paris, terminava a construção da encomenda do Conde D’Eu, o Palácio de Cristal, construído no mesmo princípio do Palácio de Cristal de Londres, porém em tamanho menor: uma “estufa”, com estrutura de ferro, leve e transparente, com suas paredes de vidro. Como o de Londres não existe mais, desse movimento arquitetural de ferro-vidro do final do século XIX, o nosso Palácio de Cristal é o único exemplar existente no mundo. Isto o torna, como já disse, num patrimônio de nossa cidade de valor nacional e internacional. Merecia maior carinho como o recebe a Torre Eiffel, mais nova (1887-1889), e o Palácio de Cristal de Madrid, dois anos mais novo (1886) do que o nosso após sua montagem, 1884.

Ele sendo devidamente restaurado, quando hoje a tecnologia metalúrgica e de solda modernas têm suficiente capacidade de RESTAURÁ-LO, quer dizer recompo-lo, sem deturpá-lo, e não maquiá-lo, seria colocado no “altar” de seu devido valor. Fala-se em incentivar o turismo, e aí está um ponto turístico de igual valor quanto o Museu Imperial, com planejamento inteligente de seu uso, após a restauração – se é que a sensibilidade cultural e histórica e a vontade política cheguem lá…

Será que desta vez, finalmente, o Palácio de Cristal será salvo? Há tantos anos administrações falam no incentivo ao turismo e muita demagogia já rolou pelo nosso chão. Se não se dá o pontapé inicial no que é valioso para nós e para a humanidade e não se lhe dá o carinho e atenção que merece, que cidade imperial e histórica é essa?

“Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”. Como a esperança deve ser a última a morrer, esperamos que a gota d’água fure essa “rocha” de indiferença e demagogia que deseja ver o nosso Palácio de Cristal indo a caminho do ferro velho, e não a sua glória de único exemplar, ainda em pé de uma espécie nascida e gerada da Revolução Arquitetural dos séculos XVIII e XIX.