PESQUISA HISTÓRICA – I – OS SERTÕES DO RIO PRETO

Carlos e Jany Limongi, Associado Titular falecido e Associada Emérita –

1. Introdução – Depois que a tarefa de pesquisa foi reduzida, a área a ser estudada passou a ser apenas “Os Sertões do Rio Preto” ou “Os Sertões dos Índios Coroados”, como mencionavam as antigas solicitações de sesmarias.

O domínio dos homens sobre a terra foi sempre um processo de divisão das grandes extensões. Aqui na América, não foi diferente. O planalto central representou um grande desafio para os primeiros colonizadores que mal conheciam o nosso não menos extenso litoral. Naturalmente, foi pelo mais conhecido que as divisões começaram. O litoral serviu de base às primeiras medidas territoriais administrativas.

Mas como a História se desenrola indiferente aos desejos humanos, todas estas medidas foram de efêmera duração e não resistiram ao tempo. Estes imensos “vazios” tornaram-se menores, a medida que os exploradores penetraram pelos interiores a dentro, movidos pelos mais diversos interesses.

Estas recordações nos levam a compreender melhor a existência em 1700 de territórios ainda inexplorados na Província do Rio de Janeiro, onde a Serra do Mar com suas elevações sobre a planície litorânea e os grandes rios caudalosos nas fronteiras com as Minas Gerais criavam barreiras de difícil acesso, mantendo, por algum tempo, o isolamento dos Sertões.

A descoberta do ouro e das pedras preciosas nas Minas Gerais precipitou o deslocamento de multidões rumo ao “El-dourado”, onde as aventuras mostravam-se assaz lucrativas. Até em Portugal, se estabeleceram rigorosas leis para conter a população portuguesa que desejava aventurar-se nas minas brasileiras. Esta movimentação, como era de se esperar, mudou toda a corografia dos sertões que se encontravam, justamente, numa situação intermediária entre dois grandes mercados que se formaram com a exploração do ouro e a sua exportação pelo Porto do Rio de Janeiro.

Não se pode ainda deixar de citar a proximidade, cada vez maior, dos caminhos do ouro da área dos Sertões do Rio Preto e os vários derivantes que se estabeleceram como rotas de desvio dos caminhos oficiais. Em busca das Minas Gerais, os rios fronteiriços foram atravessados em vários pontos. Todas estas novas veredas tornaram mais conhecidos os sertões e, assim, foram solicitadas novas sesmarias e surgiram as fazendas abastecedoras dos dois mercados: as Minas, onde o plantio era escasso, e a Cidade do Rio de Janeiro.

Pela pesquisa no Arquivo Nacional, conseguiu-se descobrir o nome de todos os sesmeiros que obtiveram terras na área do atual Município de São José do Vale do Rio Preto e, com essas informações, traçou-se um mapa histórico, contendo todas as sesmarias confirmadas por Carta Régia, dentro do citado território. Foi um trabalho diligente da pesquisadora Jany e do engenheiro Jairon Pereira, ambos do Conselho Municipal de Cultura.

A sesmaria concedida a Silvestre Gomes da Silva, em 1793, foi a mais antiga da região e a sesmaria do Engenho do Rio Bonito, concedida em 1797 e vendida ao Capitão Manoel Rodrigues de Araújo no mesmo ano, foi a Segunda em antigüidade e trouxe para os Sertões do Rio Preto a importante família dos Rodrigues de Araújo que se destacaram como grandes proprietários e importantes autoridades na Freguesia de São José da Serra. O médico Dr. João Rodrigues de Araújo França foi Juiz-de-Paz e vereador junto a Câmara da Vila da Parayba do Sul em várias legislaturas.

A paciente pesquisa por nós efetuada sobre as sesmarias concedidas, total ou parcialmente, em território que hoje pertence ao novo Município, está anotada em relação, com a sua localização, medidas e por onde correram as Cartas Forais.

2. Manifestações de vida do povoado de São José da Serra Acima – Em 1811, surge um abaixo assinado da população, solicitando a transferência da Igreja Matriz da Freguesia de Inhomirim, Bispado do Rio de Janeiro, para aquela localidade que se encontrava no centro da Paróquia. Tal solicitação continha setenta e cinco assinaturas e é documento arquivado em nosso Acervo Histórico Municipal, Prof. João Victor Regazzi.

Julgando a petição, Monsenhor Pizarro, após visita à região, opinou que era caso de criar nova Paróquia e não de transferir a de Inhomirim.

O povoado de São José da Serra Acima ou do Sumidouro foi elevado a Curato por Carta Régia de D. João VI, Príncipe Regente, em 1813. Em 1815, foi o Curato elevado à Freguesia pela Resolução n. 39 e passou a chamar-se São José da Serra. Por Alvará de 1823, D. Pedro I erige em Freguesia colada a Capela de São José da Serra. No termo dessa Freguesia assistimos o surgimento de oito novos municípios. A leitura do termo da Freguesia de São José é indispensável para se conhecer a sua grande abrangência, conforme delimitação efetuada pelo Bispo Capelão – Mor, D. José Caetano da Silva Coutinho em 1825.

Como era de se esperar, este imenso território da Freguesia de São José do Rio Preto que já era um desmembramento da Freguesia do Inhomirim, sofreu várias divisões e dele surgiram: em 1839, a Freguesia de Cebolas e o Curato de Matozinhos; em 1842, a Freguesia de Nossa Senhora de Aparecida; em 1846, a Freguesia de São Pedro de Alcântara; em 1855, a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Bemposta.

Em 1833, quando foi instalada a Câmara da Vila da Paraíba do Sul, na segunda sessão daquele Legislativo, surgiu uma representação assinada pelos moradores do Arraial do Sumidouro e distrito da Aparecida na qual solicitavam a mudança da citada vila para a Freguesia de São José do Rio Preto, alegando que naquela Freguesia havia mais povo e mais vida. O nosso primeiro Juiz-de-Paz e também primeiro vereador junto à Câmara da Vila da Paraíba, Major José Cândido Fragoso que gozava de grande prestígio no governo, era simpatizante da idéia da transferência da Vila. O Vereador Fragoso, quando Juiz-de-Paz, combateu com energia o banditismo que ameaçava a Estrada Real, entrando em luta e aprisionando bandidos de uma célebre quadrilha.

A elevação da Freguesia de São José do Rio Preto à Vila foi assunto que muito preocupou os vereadores paraibanos. Uma comissão foi designada para agradecer à Regência a criação do município e afastar o perigo da mudança da Vila, conforme a petição dos rio-pretanos.

O bravo Major Fragoso veio a falecer em uma refrega com bandidos, quando, mais uma vez, cumpria o seu dever.

3. Caminhos e atalhos dos nossos antepassados:

A importância dessas trilhas é que elas, seguramente, marcaram os caminhos do desenvolvimento regional e são, ao mesmo tempo, determinantes e conseqüências da civilização desta vasta área que vai do Vale do Parayba aos contrafortes da Serra do Mar.

A título de introdução do assunto em pauta, vale lembrar o que nos diz o historiador Gilberto Ferrez em sua obra, “Colonização de Teresópolis,” (1730-1900), publicada pelo Instituto Histórico Nacional, sob o nº 24, – Departamento de Assuntos Culturais – :

“…Com a abertura da Estrada Nova de Minas, pelo Guarda-Mor, Garcia Rodrigues Paes (a do Couto) em 1704, época dos Governadores-gerais e dos Vice-Reis e mais adiante, a importante variante do Sargento-Mor, Bernardo Soares Proença (a do Inhomirim), em 1723 – época do quarto Vice-Rei, Conde de Sabugosa, que passando por Estrela, no Vale do Rio Caioaba, Córrego Seco (Petrópolis), Pe. Correa, Secretário, Cebolas, para alcançar a Estrada Nova em Entre Rios, encurtava de quatro dias o trajeto para as Minas, as fazendas foram aos poucos invadindo as margens do Paraíba do Sul em direção à Sapucaia e Porto Novo e subindo os afluentes da margem direita. Esta conquista do Sertão por trás da Serra dos Órgãos era mais fácil vindo do Paraíba do que galgando o tremendo paredão recoberto de densa mata virgem da Serra dos Órgãos e do Socavão…”

É provável e, quase certo, que antes de 1788, existisse uma vereda como escoadouro de produtos das fazendas, margeando o curso do Rio Preto, passando por Venda Nova e de canoas alcançava-se o Rio da Serra do Socavão, daí, pela Garganta da Maria da Prata, descia pelas cabeceiras do Guapi sobre Frechal, Magé e Porto Piedade.

Documentos oficiais citam as explorações de Baltazar da Silva Lisboa, Juiz-de-Fora do Rio de Janeiro que fora incumbido pelo Conselheiro Martinho de Melo e Castro, Ministro e Secretário do Estado dos Negócios Ultramarinhos, de estudar a região por detrás da Serra dos Órgãos e dos caminhos mais descritos. O ilustre encarregado iniciou o seu trabalho em 1788, levantando uma planta colorida à qual, hoje, não se tem mais acesso, causando isto real prejuízo aos pesquisadores. Esse trabalho retratava o que se denominava. “o Velho Caminho de Penetração”.

Até hoje, existem velhas trilhas que, galgando a vertente da Serra do Taquaruçu, de Teresópolis para São José, fazem antigas ligações de uso precário. Na trilha que sobe para Ventania, no Morro Grande, encontramos misterioso paredão de pedras cuja origem se perdeu no tempo.

Este atalho da Ventania terminava na ponte de Águas Claras, onde segundo antigas testemunhas, se dava a bifurcação da estrada, indo um ramo para Cantagalo e outro para Paraíba do Sul.