PETRÓPOLIS E O CENTENÁRIO FRANCISCANO

Paulo Machado da Costa e Silva, Associado Titular, cadeira nº 2 –

Em caráter solene, nos reunimos hoje, convocados pelo Instituto Histórico de Petrópolis, para nos associarmos às homenagens pela celebração do centenário da chegada à nossa cidade dos primeiros Frades Franciscanos no já distante 16 de janeiro de 1896, apenas cinco anos depois que a Província dos Frades Menores da Saxônia, na Alemanha, de acordo com compromisso assumido, havia enviado os primeiros missionários, que deveriam restaurar as duas Províncias Franciscanas do Brasil, em fase de quase extinção.

Para Petrópolis, eles vinham trazidos pela interferência do zeloso Internúncio da Santa Sé no Brasil, Monsenhor João Batista Guidi, preocupado em propiciar aos descendentes dos colonos alemães católicos uma assistência religiosa mais efetiva e permanente do que a ele próprio vinha realizando com muito zelo, desde 1890, mas de forma intermitente, na capelinha do Sagrado Coração de Jesus da Rua Montecasseros, inaugurada em l874.

E os Frades Franciscanos, nesses 100 anos de contínua permanência em Petrópolis, não só cumpriram a sua missão de propagadores da boa nova do Verbo de Deus encarnado, crucificado e ressuscitado, como se desdobraram a serviço da população de diversos bairros da cidade e estenderam os seus serviços à boa parte da Baixada Fluminense.

Assim, os Franciscanos de Petrópolis foram criando raízes, se desenvolveram e se expandiram. No seu convento e em torno dele foi surgindo um centro cultural, que se projetou no país e ganhou renome no exterior.

Podemos afirmar, sem exageros, que eles cresceram juntamente com a cidade e contribuiram também para projetá-la nacional e internacionalmente. Ao longo dos anos, mas desde o início, foram surgindo várias instituições por iniciativa desses pioneiros.

Em 1901, tinha início a Tipografia da Escola Gratuíta São José, transformada depois no avançado parque editorial da EDITORA VOZES Ltda, cuja influência quase centenária em nosso país é indiscutível. A produção bibliográfica das VOZES, hoje, se concentra, resumidamente, em três áreas: a cultural, a teológico-bíblica e a catequético-pastoral.

Apenas para se ter uma ligeira noção dos assuntos abrangidos em cada área por essas publicações, podemos mencionar o que segue, acentuando-se a qualidade dos critérios exercidos na seleção dos autores e das respectivas obras.

Assim, na área cultural se destacam, entre outras publicações, os títulos sobre antropologia, comunicação, ecologia, economia, filosofia, história, letras e literatura, pedagogia e psicopedagogia, política, psicologia e psicanálise, serviço social, saúde e trabalho, sociologia…

Na área teológico-bíblica os títulos abrangem documentos da Igreja, espiritualidade, franciscanismo, liturgia e devocionários, obras de referência, Sagrada Escritura e teologia, em seus vários aspectos.

Na área catequético-pastoral, temos, além das obras de ensino religioso, as das catequeses específicas e das diversas pastorais, hoje, atuantes na Igreja.

Um capítulo à parte são as revistas por ela publicadas, com forte influência sobre o público a que se destinam.

A revista de Cultura VOZES, no seu nonagésimo ano de existência, que passou por diversas formas e programações, nunca deixou de ser uma divulgadora e questionadora da cultura, em nosso país e no mundo.

A REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA, como ela própria se anuncia, é uma revista teológico-pastoral que, desde 1940, fundada por Frei Tomás Borgmeier, leva até seus leitores, trimestralmente, um espelho da ação e da reflexão da Igreja no Brasil, no intuito de contribuir para o incremento e a atualização de sua missão evangelizadora. Isto ela o realiza em seus artigos, comunicados, crônica, necrologia, apreciações e na seção Pelas Revistas.

GRANDE SINAL, publicada desde 1947, sai seis vezes ao ano. É uma revista de Espiritualidade dedicada especialmente à formação permanente de religiosos e religiosas e a leigos engajados, envolvidos na vivência do dia a dia da Igreja.

SEDOC, desde 1968, é uma revista bimestral que reúne documentos que dizem respeito à vida da Igreja, principalmente no Brasil e na América Latina, publicando os documentos “ipsis litteris”, sem qualquer comentário.

Revista CONCILIUM, desde l970, edição bimestral em língua portuguesa da revista internacional, publicada na Holanda, em que os grandes temas da Teologia contemporânea são debatidos por especialistas do mundo inteiro, envolvendo os mais variados temas, como Teologia prática, o Feminino, o Ecumenismo, a Espiritualidade, o Direito Canônico, a Teologia fundamental, a Moral, a História, a Exegese, a Teologia do Terceiro Mundo, a Liturgia, o Dogma, a Sociologia da Religião, o Sínodo Africano, A nova Europa – um desafio para os cristãos, Fundamentalismo – um desafio ecumênico, o Grito da Miséria humna, a Modernidade em discurssão, Ética das grandes religiões e os direitos humanos e inúmeros outros temas, que mostram a importância e a repercussão desses memoráveis debates da atualidade, a nível mundial.

Nesta altura, permitam-me prestar singela homenagem a dois Frades, já falecidos, ambos nascidos em Santa Catarina, que deram importante contribuição para a expansão da Editora VOZES, de que foram diretores.

Padre Frei Ático Eyng, falecido em 03 de abril deste ano, que também foi Guardião do Convento do Sagrado Coração de Jesus, dirigiu a Editora na década de l940, e esteve ligado a dois acontecimentos importantes: o início da publicação da “Folhinha do Sagrado Coração de Jesus”, hoje distribuida e apreciada na maioria dos lares católicos do Brasil e a co-fundação dos “Canarinhos de Petrópolis”, juntamente com o inesquecível Frei Leto.

Padre Frei Aurélio Stulzer, Diretor da Editora VOZES, de l956 a l962 e, depois, até l966, como Vice-Diretor. A frente da empresa, começou um grandioso plano de ampliação e melhoria do parque gráfico, empreendimento que foi levado a bom termo por seu sucessor, Frei Ludovico Gomes de Castro. Foi ele que adquiriu a máquina que permitiu ampliar a produção da “Folhinha do Sagrado” para um milhão de exemplares.

Em 16 de janeiro de l896, vindos de Blumenau chegavam a Petrópolis os primeiros Frades, Frei Ciríaco Hielscher, Frei Zeno Wallbröhl e Frei Mariano Feldmann. Por sua vez, a 2 de novembro de 1896, chegaram os primeiros frades, estudantes de teologia e, desde então, eles continuaram chegando quase ininterruptamente para aqui receberem ou completarem a sua formação religiosa ou sacerdotal. Ali estudaram e/ou lecionaram frades de projeção nacional e internacional. Assim, o incipiente Curso de Teologia se desdobrou no Instituto Teológico Franciscano, em pleno funcionamento, ainda hoje.

Em 07 de janeiro de l897 se inaugurou a Escola Gratuíta São José com 111 alunos, que, em breve, exigiram a ampliação das obras do convento. Mais tarde, a Escola deu origem aos Canarinhos, transformando-se no Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis. Hoje, o Instituto já está em suas novas instalações, em adiantada fase de construção, à Rua Santos Dumont. E a Escola evoluiu e abriga outras iniciativas, de acordo com as exigências dos tempos atuais.

Ainda em l897, Frei Ciríaco e Mons. Guidi, conseguiam trazer para Petrópolis as Irmãs de Santa Catarina para organizarem uma Escola para Meninas, origem do Colégio Madre Regina ou de Santa Catarina. Pouco depois, assumiam essas religiosas o cuidado pelo Hospital Santa Teresa.

Aliás, merece destacar-se também o apoio que os primeiros Frades receberam das beneméritas Irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Amparo.

Mesmo agora, em meio às comemorações centenárias, os Frades continuam ativos na preparação do ex-Colégio São Vicente, no Valparaíso ou na Rua Coronel Veiga, como queiram, para abrigar as instalações do Instituto Teológico Franciscano – ITF – e se constituir num centro acadêmico franciscano.

Grande, sem dúvida, é o significado e a importância de tudo o que até aqui se disse para justificar a oportunidade e a conveniência de o Instituto Histórico de Petrópolis se associar às comemorações do centenário da chegada dos Frades Franciscanos a Petrópolis.

Não obstante, foi a circunstância especial de sua condição de missionários, foi a força espiritual de sua fé que levou esses primeiros Frades e os que vieram a seguir, a se dedicarem ao seu ministério sacerdotal, dando aos descendentes dos colonos católicos a assistência religiosa, por que tanto ansiavam. Mas não pararam aí. Cuidaram também em lhes proporcionar o pão dos conhecimentos com a abertura de escolas e o cuidado da saúde do corpo, levando as Irmãs de Santa Catarina para trabalharem no Hospital Santa Teresa.

A medida que o número dos Frades ia crescendo, eles ampliaram essas atividades religiosas, procurando atender onde delas havia carência, indo além dos limites restritos da capela e mesmo da paróquia do Sagrado Coração, afastando-se das líndes do seu convento. E eles foram vistos com muito agrado pelos vários quarteirões da cidade e até pelos distritos. Bingen, Mosela, Alto da Serra, Quissamã, Itamarati, Quarteirão Brasileiro, Carangola, Cascatinha, Itaipava … e mais além, Avelar, Pati do Alferes, Miguel Pereira, Cebolas, Areal … Também palmilharam a Baixada Fluminense por Mauá, Pau Grande, Raiz da Serra, Pilar, Inhomirim, Parada Angélica, Xerém, Santo Aleixo, Caxias …

Ao interno do próprio Movimento Franciscano no Brasil, através de um trabalho de mais de 25 anos de persistência, sediado em Petrópolis, no CEFEPAL – Brasil ou Centro de Estudos Franciscanos e Pastorais para a América Latina, eles batalharam pela união de toda a Família Franciscana existente no país, religiosos, religiosas e leigos. Todos os filhos e filhas de Francisco de Assis foram convocados a se unirem em torno do ideal seráfico comum, a se conhecerem melhor, a trabalharem juntos e a se renovarem na linha do Vaticano II, de Medelín, de Puebla e de Santo Domingo. O resultado, concretizado no Congresso Franciscano, realizado em Brasília, em l993, no encerramento das comemorações do 8° centenário do nascimento de Santa Clara de Assis, foi a transformação do CEFEPAL na nova organização: a FAMÍLIA FRANCISCANA DO BRASIL. Essa organização e a mútua cooperação existente entre todos os que se acolhem em torno de Francisco e de Clara de Assis, considerada modelar por franciscanos de outros países, respeita as características individuais de cada grupo associado e está realizando um esforço admirável de volta às fontes, aos ideais originais e à vivência de seus trabalhos missionários. E, para honra de Petrópolis, aqui se desenvolveu todo esse empreendimento, abençoado pelas graças de Deus. Aqui, a Família Franciscana do Brasil continua mantendo a sua sede nacional e procurando atender às aspirações idealísticas dos religiosos e religiosas franciscanos, ombro a ombro com seus irmãos e irmãs da Ordem Franciscana Secular.

Já dissemos muito, mas não nos referimos a tantos e tantos Frades ilustres por seus exemplos e por suas obras, os quais por aqui passaram, deixando recordações que ainda permanecem na memória e no coroção do povo.

De tudo o que se disse, como puderam observar, não nos falta assunto para discorrer em torno desse centenário, prenhe de realizações e de benefícios para esta nossa cidade.

Por estar convicto de que uma homenagem bem mais significativa deverá ser prestada, é que me arrisquei e me esforçei para prestá-la na forma que me pareceu bem.

Porque os filhos também se alegram ao ouvir falar bem de seus pais, se deveria ter dito, introdutóriamente, algumas palavras sobre essa figura exponencial e atualíssima de Francisco, o “poverello” de Assis, e de suas fundações e de como elas evoluiram através dos séculos, tendo uma legião de seguidores. Também se poderia ter dito algo sobre a presença franciscana na História do Brasil. Depois, merecia destaque se dizer algo sobre os trabalhos da Restauração das duas Províncias Franciscanas da Ordem I, a de Santo Antônio do Norte do Brasil e a da Província da Imaculada Conceição do Sul do Brasil, realizados pelos Frades da Província da Santa Cruz da Saxônia, Alemanha.

Sobre os Franciscanos em Petrópolis não pude apresentar mais que rápidas pinceladas. O quadro, em moldura adequada e pintado por mãos de artista, deixo que outro mais capaz o realize a contento.

Sinto-me, no entanto, feliz por haver sido convocado, eu que também sou um membro da Família, como franciscano secular, para divulgar em forma solene, embora com muita simplicidade, esses fatos que, com serem história, integram, de forma explícita e altamente expressiva, a História de Petrópolis com tantos ilustres e santos homens que, guiados pelos ideais de Francisco de Assis, ajudaram a projetar o nome desta Cidade, que elegeram como também sendo a sua cidade.

Por fim, revendo o que foi a vida e a atuação de tantos e numerosos Frades Franciscanos que passaram por Petrópolis, aqui se formaram e aqui trabalharam, creio que eles, como fiéis seguidores de Frei Francisco, que de todos os homens se considerava servo e vassalo, também eles nos saudaram e saúdam com reverente dedicação e a todos nós desejaram e desejam “a verdadeira paz do céu e sincera caridade no Senhor”.