PETRÓPOLIS E O SÉCULO XX

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Janeiro de 2001. Raiava uma nova centúria. Num restaurante em Itaipava conversávamos Gilberto Felisberto Vasconcellos e eu sobre vários temas de interesse comum. Em dado momento disse-lhe que Petrópolis em termos de comunicação urbana havia passado ao largo do século XX.

Em síntese, tudo quanto havia no concernente à rede viária municipal, máxime no tocante à conexão da cidade com os distritos, remontava aos séculos XVIII e XIX.

Gilberto entusiasmou-se com a reflexão e pediu-me que desenvolvesse tão instigante assunto.

Não é difícil provar com os elementos mais evidentes, o que aleguei acima.

O caminho para as Minas Gerais, também conhecido como Estrada Mineira, é como todos sabem das primeiras décadas do século XVIII e, um pouco alargado, nivelado e calçado é a mesma via que, atendendo por vários nomes, ao longo de seu percurso, serve ao Alto da Serra, Palatinato Inferior, Quissamã, Itamarati, Cascatinha, Samambaia, Corrêas, Nogueira e Bonsucesso.

Que outra opção de porte para o trânsito público foi criada na área em apreço nesses últimos duzentos e setenta anos? Nenhuma. A única novidade que surgiu ali foi a estrada de ferro, implantada já no apagar das luzes da monarquia e nos primeiros anos da república, já há muito desaparecida, sem que o seu leito tenha sido aproveitado para um metrô de superfície, que seria a solução mais inteligente e econômica para o transporte de massa ao longo do vale do Piabanha.

Sem qualquer planejamento ou adequação às mutações do tempo e imposições do progresso e da explosão demográfica, a velha trilha mineira, que foi concebida para dar passagens a tropas, a homens a pé e a cavalo, vê hoje trafegar por ela ônibus, carretas e automóveis, que se espremem numa via de mão e contramão, com estacionamentos infernais dos dois lados e incontáveis construções a margear o logradouro, sem nunca o poder público ter exigido um mínimo de recuo, para que a histórica vereda se alargasse, adaptando-se paulatinamente às novas ordens de coisas.

E a Prefeitura ainda chama aquilo de via expressa, opção essencial na ligação do centro com o 2° distrito.

Na segunda metade do século XIX, Petrópolis conheceu, aquilo que se tornaria em termos viários, a espinha dorsal do município. Seus chãos deram passagem à primeira rodovia propriamente dita que o Brasil conheceu. Era a estrada da Companhia União e Indústria, cujas obras tiveram início em 1856 e terminaram em 1861. Com maior poder de penetração, ela fazia o alinhavo do centro urbano com os atuais segundo, terceiro e quarto distritos, chegando à Posse, depois de vencer a serra do Taquaril e, seguindo pelas Três Barras (Três Rios de hoje), transpunha o Paraíba e o Paraibuna, chegando a Juiz de Fora.

Serviço perfeito de terraplenagem, declives suaves, curvas bem feitas, bueiros e muretas em cantaria, obras de arte impecáveis, entre elas as primeiras pontes metálicas que o país conheceu, haja vista o excelente exemplar ainda existente em Alberto Torres, atualmente município de Areal.

O piso recebeu tratamento apurado através do processo de macadamisação e, bem mais tarde, já na era do petróleo e do automóvel, deram-lhe cobertura asfáltica.

Pois essa estrada, tipicamente do século XIX, é a mesma União e Indústria que continua a ligar a cidade aos distritos acompanhando o curso do Piabanha, sem nem ao menos ter sido até hoje duplicada, a não ser em pequenos trechos.

A bem da verdade, a Estrada União e Indústria começava no Alto da Serra onde se conectava com a Normal da Estrela, atravessava uma parte do centro urbano e, pela rua dos Protestantes (hoje 13 de Maio), ganhava a Westfalia, acompanhando a margem direita do Piabanha até o Retiro, onde passava a margear o rio pela esquerda.

O caminho colonial projetado por Koeler, desde o limite dos quarteirões Nassau e Westfalia, até o Retiro, acompanhava as duas margens do rio. A Estrada União e Indústria serviu-se apenas da via à direita do curso d’água, que hoje atende por Avenida Barão do Rio Branco.

Foram necessários quase cento e vinte anos para que os poderes públicos municipais viabilizassem, segundo os padrões técnicos da época, o logradouro à margem esquerda do rio, que fisicamente já era uma realidade desde o século XIX, só que sem pavimentação e tratamento adequado.

Somente então completou-se ali aquilo que já estava esboçado no plano inicial da urbe, permitindo que aquele tronco viário dantes integrante da Estrada União e Indústria tivesse duas pistas de rolamento, garantidoras de melhores condições de tráfego na região.

Até ai não temos qualquer novidade. Estamos trabalhando com o Plano Koeler e com a Estrada União e Indústria, isto é, estamos entre 1845 e 1856. Do Retiro para baixo, nada se realizou de concreto, no concernente a obras de arte ousadas, mas perfeitamente factíveis, segundo os padrões tecnológicos dos dias que correm. Somente um pequeno trecho diante da Granja Brasil, logo depois de Bonsucesso, ganhou duas pistas de rolamento.

E se considerarmos que já não estamos mais no tempo das diligências e que a população fixa do município não é mais aquela de cento e quarenta anos atrás, não será difícil adivinhar o triste destino da rodovia pioneira do Brasil, que passou praticamente desapercebida aos que, durante o século XX, tiveram tudo nas mãos para modernizá-la e adequá-la às necessidades impostas pelas vertiginosas mutações dos tempos correntes.

Já há sérios pontos de estrangulamento no Retiro, na entrada do Carangola, em Corrêas e em Bonsucesso.

Previsões que se fizeram no passado, jamais ocorreram aos administradores petropolitanos do século XX, como se na cabeça deles o município tivesse vocação para fóssil.

Basta um exemplo: em 1857, recomendava-se o empedramento de quase uma légua de extensão entre a Ponte do Retiro e o Alto da Serra da Estrela, do leito da estrada União e Indústria, porque este seria o trecho da rodovia, que em pleno meio urbano, haveria de suportar maior trânsito.

Nesse empedramento estavam incluídos os seguintes logradouros, que compunham o todo da nova estrada: rua da Westfalia, atual Barão do Rio Branco, lado direito de quem desce; rua dos Protestantes, hoje 13 de Maio; rua D. Maria II, avenida Tiradentes dos dias que correm; ruas da Imperatriz e do Imperador, do lado do palácio, cujos jardins nesse tempo vinham até este logradouro; Palatinato Inferior e rua Teresa até o Alto da Serra.

Mesmo no perímetro urbano do 1 ° distrito a rede caminheira criada por Júlio Frederico Koeler nos anos quarenta dos oitocentos, em muitos casos só foi definitivamente viabilizada mais de cem anos depois e, em outros, nem isso.

O caso da rua Bingen é típico. O lado da margem direita do Piabanha, já consignado nas primeiras plantas da cidade, só se torna um logradouro na plena acepção do termo entre as décadas de setenta e oitenta dos novecentos.

Mas nem ao menos esse melhoramento tardio tiveram as ruas que atravessam a Renânia e o Palatinato Inferior. A margem esquerda do rio Quitandinha, foi obstruída ainda no século XIX, pela construção da Fábrica de Tecidos São Pedro de Alcântara, ocorrendo o mesmo à sinistra do Palatino com o estabelecimento da Fábrica de Tecidos Dona Isabel.

Quando, no princípio da República, Petrópolis parecia arrancar para o progresso harmônico, sistemático e metódico, graças às profícuas administrações de Hermogênio Pereira da Silva e seu grupo político, ninguém poderia imaginar que, cedo ainda, tantos projetos condoreiros morreriam no papel, enquanto outros, postos em prática, tornar-se-iam obsoletos, pela desatualização que sofreram ao longo dos anos.

Dai poder-se dizer, sem medo de errar, que há cem anos não há uma obra de vulto no município, sendo o setor viário um dos mais carentes de quantos integram o universo da administração municipal.

Os que argumentarem com a construção da BR 40, ocorrida nos anos setenta do século passado, não se devem esquecer de que sobre ser uma rodovia concebida para encurtar a distância entre o Rio de Janeiro, os centros produtores da mata mineira e mesmo Belo Horizonte, apenas tangenciando alguns distritos de Petrópolis, ela poderá converter-se em breve tempo, não num fator de alinhavamento do município, como tem sido a Estrada União e Indústria, mas de desagregação municipal, com a possibilidade de se criar uma nova comuna aglutinando Itaipava, Pedro do Rio, Secretário e mesmo a Posse, que entretanto, por sua posição geográfica, poderia passar a compor o município de Areal.

Enfim o tema é instigante e quem sabe a partir destas observações não surgirá pelo menos u’a mesa redonda para discuti-lo? O futuro dirá melhor.