PETRÓPOLIS E SUA MALOGRADA ANEXAÇÃO AO DISTRITO FEDERAL – I
Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito
A Revolta de 6 de setembro de 1893, fazendo da baia da Guanabara espaço de manobra de parte da esquadra sublevada, deixou Niterói vulnerável à sanha revolucionária.
O Presidente do Estado do Rio de Janeiro, José Thomaz da Porciuncula, não teve outra alternativa senão transferir a capital fluminense para Petrópolis, primeiro, em caráter provisório, segundo o veredicto da Assembléia Legislativa, em fevereiro de 1894, depois, definitivamente, em outubro do mesmo ano, seis meses após o término da Revolta, quando nenhuma razão justificava a permanência da capital no alto da serra da Estrela.
Por quase dez anos, Petrópolis foi o centro do poder no Estado sob as presidências de Porciuncula, Maurício de Abreu, Alberto Torres e Quintino Bocaiúva.
E foi justamente este último que se encarregou de levar a capital serra abaixo, depois de renhido pleito na Assembléia, reintegrando Niterói no seu antigo status de caput do Estado.
É lógico que tal mudança não se deu sem traumas, sem frustrações, sem ressentimentos, sem perdas e ipso facto sem revanchismos.
E houve uma agravante em todo esse quadro: a situação falimentar a que havia chegado o Estado do Rio de Janeiro no fim do desastroso governo de Quintino Bocaiúva, o que coincidiu com a revoada dos políticos no rumo dos novos ninhos niteroienses.
O poder na esfera estadual passou a circular no eixo Campos, Macaé, Niterói, Resende, sob a batuta do novo chefe Nilo Peçanha, eleito Presidente do Estado para cumprir um mandato que começaria com muita esperança a 1º de janeiro de 1904.
Outro aspecto relevante nessa lamentável circunstância, foi a reforma constitucional de 1903, que acabou por deflagrar um processo de transferência de tributos quando os municípios perderam para o Estado o Imposto de Indústrias e Profissões, tendo sido Petrópolis uma das grandes vítimas dessa nova ordem de coisas, dado que aqui estava situado um dos maiores parques industriais da terra fluminense e um de seus mais expressivos centros de atividades profissionais.
Evidentemente que uma crise desse tamanho provocaria reações proporcionais a ela.
Um dos aspectos mais interessantes da atitude revanchista tomada por alguns segmentos ressentidos com as perdas de Petrópolis, logo ao alvorecer do século XX, foi a tentativa de federalização do território petropolitano e sua conseqüente desanexação do todo fluminense.
Esse movimento teve facetas distintas, não contou com o apoio oficial nem no município, nem no Estado, não apresentou qualquer tipo de proselitismo e foi eminentemente sectorial, dado que não expressou a unanimidade do pensamento dos habitantes desta urbe, por razões que serão oportunamente expostas.
Em fins de novembro de 1904, tanto a imprensa do Rio como a de Petrópolis, começou a agitar o tema de tornar-se Petrópolis a sede do Governo Federal. A idéia evoluiu para a expansão do Distrito Federal no rumo da serra.
Defendendo esta tese, escreveu a Tribuna de Petrópolis em 29 de novembro de 1904:
“Petrópolis é uma cidade de reputação universal e sua anexação ao Distrito Federal completaria o plano de melhoramentos materiais que o governo atual, com energia e coragem desconhecidas neste país, empreendeu com patriótico intuito de reerguer os créditos do Brasil, injusta e severamente julgado pela sua capital.
Executados esses grandes melhoramentos e anexada ao Distrito Federal uma cidade como a nossa, nada faltará à Capital da República e sem grandes despesas, chegar-se-á ao fim desejado, desafiando as mais incontestáveis exigências”.
O periódico serrano dava a entender que Petrópolis haveria de lucrar pegando uma carona no volume de obras que o Prefeito Pereira Passos estava levando a efeito no Rio de Janeiro.
Isto era o que se lia na entrelinha do artigo. Explicitamente o articulista enumerava as vantagens da anexação:
1º – desaparecimento da anomalia da residência do corpo diplomático fora da sede oficial do governo;
2º – aumento do território da capital da União que, abrangeria, além de Petrópolis, parte do então município de Iguaçu, onde se achavam os reservatórios de água do Distrito Federal e onde depois do saneamento indispensável, podiam ser instaladas inúmeras pequenas indústrias;
3º – beneficiamento da posição estratégica da capital.
Entretanto, o assunto hibernou durante mais de um ano.
Raiou o verão de 1906. Esplendia a “saison” em Petrópolis, com todos os requisitos da “belle époque”.
Era Presidente da Câmara Municipal o Dr. Arthur de Sá Earp, eminente chefe político, administrador de incontestáveis qualidades, médico de muito conceito.
Preocupado com a fisionomia do centro urbano de Petrópolis, onde veraneava a fina flor da sociedade carioca, onde vivia durante todo o ano o corpo diplomático, onde o mundo político vinha usufruir das delícias da serra durante os verões presidenciais, o Dr. Arthur de Sá Earp convocou reunião a realizar-se no salão nobre da Câmara, para tratar do aformoseamento da Praça da Liberdade.
No dia 11 de fevereiro de 1906, a 1 hora da tarde, lá estavam o Barão de Pedro Afonso, o Dr. Souza Leão, o Barão de Ibirocaí, o Dr. Roxo de Rodrigues, o Barão de Santa Margarida, os Drs. Villela dos Santos, Teixeira Soares, José Paranaguá, Franklin Sampaio, Joaquim Moreira, Luiz da Rocha Miranda, José Carlos de Figueiredo, o Coronel José Land, o Major Cristovam Nunes, Eugênio de Almeida e Silva, José Sanville, o Comendador Augusto Ferreira, Arlindo Gomes. A eles se juntaram os representantes da imprensa carioca e petropolitana.
Abertos os trabalhos, o Presidente da Câmara, depois de exaltar o papel da iniciativa privada no sentido de auxiliar o poder público na realização de melhoramentos urbanos, falou da grande utilidade de se transformar a Praça da Liberdade num belo parque “que atestasse o nosso progresso e desenvolvimento”. Era a política da sala de visitas e do bem estar da corte adventícia na serra.
Após o pequeno discurso, o Dr. Arthur de Sá Earp apresentou o plano do novo jardim, concebido pelo Dr. Paulo Bergerot, engenheiro da municipalidade, o qual seria executado pelo cavalheiros que ali estavam atendendo ao chamado da Câmara.
Pediu a palavra, então o Dr. Antônio Roxo de Rodrigues, homem de fortuna respeitável, Presidente da Estrada de Ferro São Paulo a Rio Grande, com enorme conceito nos meios empresariais, políticos e sociais do Rio e de Petrópolis. Julgando interpretar o pensamento de seus pares, afirmou não haver a mínima divergência sobre o objeto da convocação.
Mas, foi aí, que ele extrapolando a pauta do encontro, abordou assunto que haveria de causar reboliço nesta urbe, embora não fosse tal matéria, na altura, novidade em Petrópolis.
Em síntese, o Dr. Roxo de Rodrigues voltava a bater na tecla da anexação do território petropolitano ao do Distrito Federal.
Em dado momento de sua exposição, frisou:
“A esta providência, que constitui uma aspiração dos petropolitanos, não se devem opor escrúpulos originários do desmembramento do território fluminense. Na Constituinte, Goiás muito se esforçou para que em seu seio ficasse o terreno destinado à capital da União. Atualmente, Minas disputa essa honra para Belo Horizonte e, ainda há pouco, o ilustre Dr. Nilo Peçanha, cujo afeto pelo seu Estado não pode ser posto em dúvida, viu com desvanecimento uma parte da terra fluminense escolhida para a construção do novo Arsenal de Marinha da União”.
Propunha então que sobre o assunto se manifestasse a assembléia.
Atalhou na oportunidade o Presidente da Câmara, para dizer que tal proposta escapava ao escopo da reunião e que ele não poderia encabeçar semelhante movimento.
Patenteava-se assim, o repúdio ao tema por parte do chefe do executivo municipal.
De fato e, a explicação vale neste momento, não era verdade, conforme asseverava o Dr. Roxo de Rodrigues, que a idéia da anexação espelhasse o anseio dos petropolitanos.
Ela na realidade, viria a satisfazer os grandes interesses da corte adventícia em vilegiaturas estivais nestas serras, corte esta preocupada com a valorização de seus imóveis, de suas suntuosas residências nas principais ruas e avenidas de uma cidade que sobre ter perdido status de capital, estava ameaçada de entrar em decadência desde que inserida no contexto de um Estado cada vez mais empobrecido e à deriva do progresso nacional.
A população mesma da cidade e de resto do município, não tinha qualquer implicação nesse movimento, que se manifestava de cima para baixo e no círculo fechado da sociedade chic e aristocrática.