POLÍTICA, EM CASCATINHA E EM PETRÓPOLIS (A)

1ª Parte

 

Enrico Carrano, Associado Titular, Cadeira n.º 3 – Patrono Antônio Machado

 

Foi-se o tempo em que a propaganda eleitoral era feita diretamente pelo candidato junto do povo, quase que exclusivamente no corpo-a-corpo, e sem a intervenção das mídias convencionais (rádio e TV) e das redes sociais, como acontece hoje.

Assistimos, no último sufrágio, a vitória daqueles que em grande medida focaram esforços num contato direto com o eleitor, mas via internet, Facebook, Instagram e WhatsApp.

Nem sempre foi assim.

Ou melhor, é assim agora, muito recentemente, e as gerações mais modernas, por certo, desconhecem a circunstância de que em outros tempos, não muito distantes de nós, o jornal impresso era praticamente o único meio de comunicação de massa posto à disposição daqueles que submetiam o próprio nome ao crivo popular para o preenchimento de cadeiras parlamentares ou cargos diretivos nas prefeituras, governos estaduais e federal.

A Justiça Eleitoral, criada no Brasil após a Revolução de 1930 (apesar de a reforma constitucional de 1926 já prever “um regimen eleitoral que permita a representação das minorias” [art.6.°, II, h da Constituição de 1891, com a dicção da Emenda de 03/09/1926]), não tinha a preocupação que tem hoje com a fiscalização da propaganda, de modo a garantir a estrita obediência das regras legais, e portanto a igualdade de condições nas competições interpartidárias.

Em Petrópolis, o apelo ao voto da classe operária e das famílias dos empregados da indústria têxtil, em especial os da Companhia Petropolitana de Tecidos, no 2º Distrito, em Cascatinha, sem dúvida um dos lugares de maior concentração populacional no Município, foi muito forte e era bastante visível.

Historicamente esse segmento de trabalhadores foi bastante engajado politicamente, com viés ideológico nitidamente à esquerda, embalados pelas revoluções do início do Século XX, nomeadamente a mexicana e a russa, pelas lutas e conquistas em outros países, como a Inglaterra e EUA, e pela participação na vida do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de Luiz Carlos Prestes, e em outros movimentos locais, como o chamado “Grupo dos Onze”, por certo de memória daqueles de mais idade.

Dessa época, nos dá testemunho a edição de 16 de setembro de 1945 do “Jornal de Cascatinha”, que noticia:

“Todas as classes sociais receberão, hoje, em Petrópolis, o líder Luiz Carlos Prestes.

“O povo petropolitano aguarda hoje a visita do grande líder trabalhista Luiz Carlos Prestes, que visitará (sic) a nossa cidade atendendo assim ao convite do proletariado, para uma palestra com os dirigentes sindicais, proletarizados, classes conservadoras e depois o comício que se realizará na Praça da Liberdade, às 15 horas, onde dado o entusiasmo reinante, deve reunir mais de 30 mil pessoas, pois virão caravanas de Terezópolis, Paraíba do Sul, Entre-Rios, Magé e outros municípios progressista (sic) do nosso progressista Estado do Rio.”

E continua a chamada:

“Será um grande dia para Petrópolis, pois teremos a grande satisfação de conversar democraticamente com Luiz Carlos Prestes, o grande brasileiro, e ouvir mais uma vez a sua palavra fluente nesse momento político em que todos procuramos definir pontos de vista em favor de um Brasil próspero e feliz.”

Note-se, pelo texto jornalístico, a interessante associação de conceitos que caracterizava a visão da época.

Em primeiro lugar, o comunismo como uma espécie de “religião política” da classe trabalhadora, dita “proletária”, fortemente ligado à ideia mesma de trabalho, força motriz dos meios de produção industriais e fonte do progresso.

Em segundo, a ligação estreita do comunismo com o sindicalismo. Desde os primórdios da Cia. Petropolitana, o movimento e a associação sindicais sempre estiveram presentes na vida dos trabalhadores, elo na corrente do engajamento político-ideológico de então, e com reflexos concretos sob a forma de atritos entre os funcionários e os dirigentes fabris.

Em terceiro, a visão antagônica expressada claramente no texto transcrito, no sentido de que quem não fosse trabalhador, proletarizado ou sindicalizado, pertencia à “classes conservadoras”, não-revolucionárias, também destinatárias do discurso de Prestes, o “grande brasileiro” que se dispunha a “conversar democraticamente” (embora o comunismo se estruturasse em premissas internas e externas não necessariamente democráticas…)

Por fim, é de se notar o nome do lugar do comício, Praça da “Liberdade”, que se de um lado constitui-se – como todos sabemos – em local central de nossa cidade, de fronte ao “Palace Hotel” (hoje UCP, Campus Barão do Amazonas), onde antes se realizaria palestra “de Prestes com representantes das classes conservadoras – no Salão Nobre (…)”, de outro poderia perfeitamente representar, simbolicamente, o objetivo e o desiderato último do partido, qual seja, a libertação da classe trabalhadora e ascensão ao poder, para socializar os meios de produção.

Sem, evidentemente, tomar partido na questão político-ideológica, este é o retrato de uma época não muito longínqua, como dissemos, e que faz parte da história de nossa Cidade Imperial, a par dos fatos e tradições que remontam ao Segundo Império, à colonização alemã e ao veraneio da Velha República.