POSSE DE WOLMAR OLYMPIO NOGUEIRA BORGES

Wolmar Olympio Nogueira Borges, associado correspondente

Transponho os umbrais da Casa de Cláudio de Souza com a emoção desmedida dos neófitos que se deslumbram com os valores superiores nela representados por personalidades de escol a se dedicarem ao amor da pátria e a sua gente.

E me comovo por ser guiado, no instante, pelas mãos de um dos mais generosos amigos, membro do Instituto Histórico, Antônio Eugênio de Azevedo Taulois e me alegro por testemunhar que o ilustre padrinho intelectual seja acolitado, nas démarches oficiosas da recepção através da simpatia e trepidância de outro consócio, amigo, Paulo José de Podestá Filho, também, arraigado às tradições históricas de Petrópolis.

Para um mineiro da gema, antigo aluno do Colégio São Vicente de Paulo, dos Cônegos Premonstratenses integrar-se aos quadros do Instituto Histórico da cidade, constitui honraria que o enobrecerá pela vida a fora.

E, mais, ainda o fará reverenciar os fastos da História Petropolitana a fim de compreender melhor a beleza do significado da saga heróica dos primeiros posseiros, caminheiros, conforme Carta Regia de Agosto de 1686 doando SESMARIA na subida da Serra da Estrela a Francisco Siqueira e a João Matos de Souza; e outra SESMARIA (Setembro de 1686) “no sertão do Inhomirin de serra acima” a João Silveira e João Gonçalo Pires; homens indômitos oriundos doutras plagas que, aberto o caminho-novo para as Minas de Ouro dos Cataguás e já alcançado o Porto da Estrela, nos extremos da Baia de Guanabara, galgavam com sofreguidão a serra acima, a visualizarem a conquista de incomensuráveis riquezas descobertas sertão adentro.

Ou, rememorar as trilhas orvalhadas que demandavam à SESMARIA de Domingos Rodrigues Teixeira (fazendas Quitandinha, Velasco, Morro Queimado), à SESMARIA do Córrego Seco e do Itamarati, 1721, de Bernardo Soares Proença (Fazenda Rancho da Farinha) e de Manuel Vieira Afonso, 1770; também a descerem e a seguir pelas vielas dos boqueirões sinuosos nas fragas de morros penhascosos até atingir a SESMARIA da Samambaia, de Luiz Peixoto da Silva (fazendas do Rio Morto e de Corrêias), posteriormente propriedade do Padre Antonio Tomás de Aquino Corrêia da Silva Goulão, ao lado da Capela de Nossa Senhora do Amor Divino. Tanto quanto, trazer viva na memória a evidência da compra, efetuada pelo Imperador D. Pedro I, a José Vieira Afonso através escritura de 1830, e o empenho que devotara, à ideia de construir o Palácio de verão denominado Concórdia.

O insucesso econômico da empreitada, face a desastrosa administração, e morte do Imperador em 1834, e a referida propriedade herdada pelo augusto, príncipe jovem D. Pedro de Alcântara. As reivindicações dos credores face a inadimplência financeira e a lei salvadora, da autoria de Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná, que se tornará o primeiro foreiro da futura cidade, obra preferida do Monarca D. Pedro II, que posteriormente pelo Decreto Imperial de 16 de Março de 1843 ordenara a edificação do futuro Palácio Real, assim como de uma povoação que devesse ser aforada a particulares, empreendimento sob a supervisão do oficial-mor e mordomo da sua Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, concomitante à obrigação de arrendar a referida Fazenda do Córrego Seco ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler. Do mesmo modo que autorizou a demarcação de um terreno para construção da Igreja, sob a invocação do santo ibérico Pedro de Alcântara, padroeiro da Família Imperial brasileira.

Ressalte-se a oportuna chegada de colonos alemães à Petrópolis e suas respectivas famílias, 29 de julho de 1845, um auspicioso fato que contribuirá sobremaneira para criar características próprias para o desenvolvimento cultural da novel comunidade, genuinamente germânica.

Dessa maneira desenvolveu-se a localidade bem rente à rota do surrado caminho novo, aberto anteriormente em 1704, pelo guarda-mor Garcia Rodrigues Paes, trafegado ininterruptamente , desde a Corte, no Rio de Janeiro, até Vila Rica de Ouro Preto, e vice-versa. O seu traçado técnico permanece igual a dar sentido ao fator desenvolvimentista, sem prejudicar as características da sociedade serrana de índole doméstica e ordeira.

O término da construção do Palácio de Verão da Família Imperial, no centro da cidade de Petrópolis, e a transferência do poder político e a inteira adesão da nobreza brasileira e do Corpo Diplomático àquelas mudanças, temporárias, do centro das decisões políticas, constituíram inteirações sociais únicas, ao transformar a cidade aureolando-lhe e dando-lhe conotação de urbs cosmopolita.

Porém, a singeleza do procedimento doméstico da Família Imperial com a sua fidelidade ao primado de valores religiosos tornaram-se paradigma para um aprimoramento do proceder social mais acurado e ordenado dos brasileiros.

Dir-se-ia que, à lembrança do lema inserido no distintivo-brasão do burgo serrano “Altiora semper petens” – aspirando sempre o mais alto – projetou-se pelos rincões do Brasil, à semelhança e símbolo da civilização singela e virtuosa.

E a ela, nenhum melhor epíteto lhe caberia do que sociedade de índole pacifista, harmoniosa, coerente e justa nos propósitos.

E o Instituto Histórico, costumeiramente continuaria a desempenhar sua representação de interesse social fidedigno aos tradicionais desígnios.

Sem alarde, os conspícuos historiadores, consócios, realizam missão de eficiência cultural, a completar a difusão pedagógica, de natureza especial e muito ilustrativa que lhe é correlata, a do Museu Imperial. Desse modo, aproximo-me da veneranda instituição externando agradecimentos pela inusitada distinção de integrar-me aos seus quadros e imbuído da simplicidade necessária àqueles que esperam por servir e ouvir, tanto quanto usufruir de boas lições e bons exemplos.

Debito a escolha de meu nome para integrar o quadro da instituição na conta de homenagem ao meu torrão natal e ao Instituto Histórico de Minas Gerais ao qual pertenço.

Todavia, trago das vastidões e confins do sertão mineiro, das serranias infindas e das bandas de as mesmas campinas e altiplanos que bordejam o velho Paracatu do Príncipe, no Brasil Central, lá da moderna cidade de Patos de Minas, meu burgo natal, os afetivos acordes do benquerer, a fim de harmonizá-los com mensagens civilizatórias petropolitanas que rebatem sonoridades pelos friorentos vales, ou serras alcantiladas, nos socavões silenciosos e ensombrados, e que no recesso dos salões da instituição, receptáculos propícios para o interpretar de suas interações, traduzem-nas condensando-as como mensagens de otimismo, esperança e carinho.

É sabido que a atmosfera de Petrópolis parece inspirar ideias justas e instigar ações saudáveis, pois os Anais da sua História dão evidência dos bons propósitos alevantados pelos que forjaram a nacionalidade, dando-lhe estrutura política, pari passu a denúncia que fizeram esses mesmos heróis traídos, ao condenarem os artífices de solércias inoportunas, falaciosas ações políticas eivadas de vilania e ressentimento.

Et pour cause, os historiadores transformaram-se em judiciosos servidores da coletividade, artesãos do glorioso ofício de desvendarem a História preservada, e condenarem a sua contrafação.

Ante tais expectativas apresento-me aos colegas do Instituto.

Se outras tantas personalidades representativas da intelectualidade mereceriam ser escolhidas para preencher os quadros do Silogeu Petropolitano, por se situarem elas acima dos méritos pessoais do despretensioso candidato, contudo nenhuma delas conseguiria suplantá-lo nos ardores, ao que tange a sua devoção ao passado histórico e, se porventura, – eu vos afirmo aqui – faltarem-me representatividade ou estatura de ilustração, requerida para a escolha, sobram-me, deveras, a admiração dedicada aos primores da conduta humana e a devoção à verdade que é o apanágio dos fortes.

Apenas espero ser reconhecido na condição de mais um idealista a dar de si o possível ao concorrer para a mantença da chama votiva das legendas românticas petropolitanas.

Deixadas de lado as considerações sobre o desenvolvimento de Petrópolis através grandes investimentos, o seu caráter pragmático e sua pujança econômica, a qualidade de suas Instituições de Ensino, a sua sociedade, a relação das personalidades ali nascidas e integradas à História da Pátria, todavia, que me seja permitido, agora, realçar a feliz coincidência de poder externar comentários, tão somente sobre o espaço delimitado pela antiga Rua D. Afonso, correspondido hoje à Avenida Koeler, síntese consagrada da antiga opulência da cidade, cartão de visita da imponderabilidade de sua supremacia simbólica e real.

Desse modo valorizar o significado da figura do Monarca D. Pedro II e do Presidente Getúlio Vargas duas altissonâncias políticas da História da Cidade das Hortênsias de importância quanto a evidência da beleza moral que se irradia da atmosfera benfazeja serrana toda rodeada de montanhas.

Policromia verdejante de encantamento da Avenida Koeler!

O espaço inteiriço do quarteirão da mais bela avenida urbana do Brasil, sintetiza pela beleza que irradia, a imponderabilidade do significado de dois fatores sentimentais ímpares, a saudade portuguesa alimentada pela melancolia e vibração dos sentimentos saídos da alma amorosa, e, a gemmüt alemã força do coração apaixonado expressada na forma de amalgamento do amor telúrico que transtorna e emociona. Forças brotadas das profundezas da vida quando dilacerada pela distância, que se sente de entes queridos nos longes do além-mar.

Puro lirismo! Toda uma explosão de folhagens, árvores, flores que faria a felicidade de Jean Baptiste Binot, de Auguste François Marie Glaziou, e mesmo de Otto Reimarus.

Aquele espaço embelezado pelo colorido dos jardins que o circundam inicia-se à frente do adro da Catedral S. Pedro de Alcântara, a representar no tempo, o poder espiritual e a transcendência da moralidade cristã – e vai terminar no extremo oposto, à frente do antigo casarão do Hotel Palace, depois edifício sede da Faculdade de Direito, símbolo do saber como fonte do poder civil, a universalidade do conhecimento humano no espaço, dando-lhe forma e burilando-lhe as imperfeições culturais.

De um lado, a majestade do poder espiritual, e na extremidade oposta a singeleza da força civil material, como a se mirarem, ambas, respeitosas, em meio à alacridade das flores e odores dando expressão à beleza. E uma réstia cristalina, o riacho em linha reta une-as permanentemente por entre ramagens a ligar dois extremos da avenida e assemelha-se a purificadoras lágrimas correntes vertidas das almas e dos corações de colonizadores agasalhados pelo manto orvalhado do gemmüt e da saudade.

Mas a vida corriqueira flui na voragem do Destino.

E o ambiente desperta a sensibilidade do homem para o convívio de pensadores sadios, ouvir os clássicos da música ou descansar as vistas sobre os panoramas, uma magnífica mensagem da Divindade refletindo emoções colhidas do Universo.

Configura-se ali a singela harmonia dos variados estilos arquitetônicos, integrando-os ao meio físico circundante. A diversidade dos riscos das construções realçam a bela ondulação de formas a completarem o equilíbrio paisagístico como elegância estética.

Não há expressões que bem a definam. Nem existem palavras que a possam traduzir.

Mas, constitui surpresa a constatação histórica de que na cidade edificada rente à velha trilha que demandava às terras de Minas Gerais, em aquelas construções petropolitanas não se firmaram os meneios rebuscados do estilo barroco tardio, formas retorcidas entalhadas nas volutas taciturnas, a raiarem o calor da sensualidade expressada em ouro das Gerais, e candentes pinceladas coloridas de artistas. Na cidade de Petrópolis, a singeleza do ecletismo nos riscos arquitetônicos dá-lhes a dimensão de uma simples mas extraordinária unidade estética que impressiona e agrada.

Seria como se a sensibilidade do homem artista completasse a natureza circundante agraciada por Deus e realçasse a moderna configuração da eurritmia.

Petrópolis permanece o sítio amoroso idealizado, ainda revestido de encantamento a fazer lembrar a evocação de Johann Wolfgang Von Goethe ao festejar o próprio júbilo; “-Gefull ist alles… o sentimento é tudo”!

E, com a mesma ênfase de verdade, a configuração daquela imagem perfeita retratada na música e letra da canção de autoria do austríaco, brasileiro, meu pranteado amigo Monsenhor Guilherme Schubert: – “Linda cidade serrana, tu nasceste de um beijo de Deus”!

A sua paisagem apresenta-se revestida pelo amor, que tanto nos faz despertar para o deslumbramento da vida presente, quanto nos afaga a ternura, a prelibar o envelhecimento. Um sonho fugitivo mas que retorna a cada instante através da perenidade da música dos regatos e o ciciar das folhas nos dias primaveris.

Eu já dissera outrora de mim para comigo: em Petrópolis presencia-se na imaginação dos sensitivos, o desfilar da procissão do silêncio a conduzir o andor dos tempos idos, uma reverência da vida às virtudes da beleza e aos valores morais que não são transitórios, ritual sagrado a festejar o epitalâmio da graça e da alegria com o sentimento da dedicação, e sob orquestração e galas percorre as avenidas idílicas cobertas de árvores, flores, donde passam a brisa e a luz que vão dar realce e compor as nuances das cores, a ostentar o valor dos sonhos do passado e o frescor que é o perfume do presente – pura fascinação!

E a dominar a passarela poética, dita Avenida Koeler, conseguimos contemplar, idealizadas, em tempos distintos a presença de duas personalidades, que ali naquele chão encontram acolhida festiva através o poder de mando e irradiação confirmatória de suas crenças.

A primeira, a do Imperador Pedro II, com a excelsitude da própria realeza, saindo do Palácio Imperial e a percorrê-la cadenciado pelo andar firme e ritmado no diapasão da severidade, uma magnitude repleta de afabilidade para com os que o cumprimentassem no percurso até os salões do Hotel D’Orleans onde encontraria, para as tertúlias literárias e lições ministradas, a sua augusta filha Isabel, futura Princesa Redentora, e a dileta amiga Yayá, Condessa de Barral, cordial preceptora da princesa.

A segunda figura, saída do Palácio do Barão do Rio Negro, de Manuel Gomes de Carvalho, o Presidente Getúlio Vargas a curtir manhãs ensolaradas, cidadão comedido, atilado, distinto com cristalina expressão de domínio, a espargir contagiante simpatia para com as crianças e os admiradores que o festejavam, costumeiramente a percorrer quase o mesmo trajeto do monarca anteriormente citado, e a se dirigir direto ao bairro Valparaíso, à residência de uma riograndense amiga da família, onde absorveria o chimarrão e o café, em instantes cordiais de descontração e bonomia.

Imaginaríamos, também, que os dois estadistas estariam sendo observados com enlevo, pelas sombras fantasmagóricas de pró-homens respeitáveis, o Barão de Rio Branco, o Visconde de Mauá, Oswaldo Cruz, Paulo Barbosa da Silva, Ruy Barbosa, Santos Dummont, e, de modo anacrônico D. Isabel Condessa de Paris, nomes tutelares da mãe pátria e de Petrópolis.

E chegaremos a imaginar o inusitado: Getúlio Vargas a alargar passadas no esforço para atingir hipotéticos rastros deixados no chão, as pegadas e resquícios dos borzeguins imperiais, de D. Pedro II, como se subjetivamente aspirasse repetir a grandeza daquela vida de dedicação ao Brasil.

Dessa maneira, – Sras. e Srs., digníssimo Presidente do Instituto Histórico de Petrópolis, Sr. Luiz Carlos Gomes e caríssimos consócios -, todos poderão deduzir que, também, já assimilei o linguajar sentimental das gentes petropolitanas. E, mais do que ninguém me arvoro com o direito de repetir aqui os dizeres poéticos do irlandês Willian Butler Yeats, que me serviram para ilustrar, nos tempos da Segunda Guerra Mundial, no Colégio São Vicente de Paulo de Petrópolis, um mal alinhavado trabalho de ginasiano: “- pise com cuidado este chão, pois sobre os meus sonhos caminhas -“…

Ora, sou um dos vossos. Chego carregado de sentimentos bons, inundado da luz outonal das serranias tingidas da tonalidade dos céus, iluminado pela claridade que enlanguesce de ternuras os cimos dos pedregulhos com a cor de lilás, e enamorado da graça louçã e frescura matinal dar hortênsias rosa-azuladas, semelhantes às benesses que se irradiam das mãos de Deus.

Humildemente transponho os umbrais desta Casa com a sofreguidão dos amorosos e dos idealistas.

Rogo-vos em apelo emocionado: aconselhem-me, ensinem-me a perseverar na senha da História Pátria, conduzam-me ao âmago de vossos sonhos mais caros. Sou um dos vossos!