O PREFEITO E O BOMBEIRO
Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia
Recentemente, vi um quadro na televisão que me tocou muito!
O prefeito de uma pequena cidade italiana, abraçado com um bombeiro e os dois chorando!
Qual a causa desse pranto? Acontecera um tremor de terra que danificara muito a torre da igrejinha românica, da cidade. Enquanto bombeiros e pedreiros procuravam dar ordem ao caos e escorar a torre… novo tremor. Esse agora levou de roldão toda a igreja. No gesto dos dois cidadãos, quanta sensibilidade pelo passado. Lado a lado, com a mesma dor pela perda, um homem comum e o representante maior na hierarquia da cidade!
Que vontade me deu, que cada petropolitano pudesse ver aquela imagem e que se desse conta que nós petropolitanos também temos que desenvolver a sensibilidade e o carinho pelo que herdamos de nossos antepassados.
Lá, era a arquitetura da Idade Média que eles queriam preservar. Aqui… é o produto da Revolução Industrial que nos chegou às mãos. Séculos diferentes, idades diferentes, mas o mesmo sentido de preservação.
Nós, ainda temos muito que caminhar!
Outro fato contundente, diametralmente oposto, ficou na minha memória.
Sou paulista. Cheguei a Petrópolis em 1942, ainda estudante. Conheci a beleza dessa cidade ímpar, sua história, sua arquitetura, que me empolgaram. Logo, logo comecei a estudar a cidade para melhor entendê-la. Paralelamente fiz o curso de História das Artes e da História da Arquitetura (foram 10 anos de estudo) em seguida, cursos de preservação. Já adulta, comecei a monitorar cada edifício importante que ainda conheci. Alguns deles tinham acabado de ser jogados abaixo. Mas eu agia sozinha, completamente desgarrada, pois não tinha elos ainda na cidade e nem uma instituição a apoiar-me. “Uma andorinha só, não faz verão”.
O que mais me marcou, pois já tinha completa conscientização do valor de nossa arquitetura, foi o desaparecimento da Fábrica Cometa. Já sabia então que Petrópolis não tinha nada de colonial, como se dizia por aqui ? “Isso é colonial, vamos salvar o que resta de colonial na nossa cidade. Vamos construir um atendimento ao turista em estilo colonial”. Impropriedades de quem não conhecia estilos de arquitetura. Sabia eu que Petrópolis era sim uma cidade produto da Revolução Industrial. E, sabia mais da importância de suas fábricas, algumas já quase centenárias, naquela época.
Pois bem, saí um fim de semana, para um passeio normal. Quando voltei (???!!!) a Fábrica Cometa já estava toda demolida, na velocidade da insensibilidade. Restava apenas sua chaminé, solitária e desolada no meio dos escombros, mas ainda majestosa, como se pedindo socorro, sem entender o que acontecia.
Como tive vontade de, na ocasião, ter tido um bombeiro amigo ou talvez mesmo, um prefeito para chorar nos seus ombros!
A conscientização da minha impotência diante do fato, foi aterradora. Saí atrás de um auxílio, de um nome, de uma pessoa em quem me agarrar, para pedir: – Salvem, por favor, essa chaminé histórica. Ela poderia ser ainda um marco da Revolução Industrial, um apelo para que não se jogasse mais no chão, com a frieza dos mal informados, o que ainda poderíamos salvar.
Inútil. No dia seguinte ela começava a ser demolida…
Já lá se vão mais de 20 anos desse fato, que me voltou à mente, acionado pela imagem da televisão! Acho que, depois disso, todos nós já aprendemos mais alguma coisa sobre a Preservação de Petrópolis. Nós, moradores da cidade, não faríamos mais hoje, o que fizemos ontem.
Uma certeza seria a preocupação de bem dimensionar os imóveis com relação à nossa cidade.
Nisso, como os romanos da antiguidade, temos que aprender com os gregos, a civilização mais culta do classicismo. Eles nunca se preocuparam em mudar sua arquitetura. Sua preocupação máxima era com a proporção de seus edifícios.
Dizia Le Corbusier ? “As cidades são finitas” e Petrópolis, não é e nunca será uma megalópolis. Ela nasceu uma cidade estreita, entre morros e rios, que não permitem que suas ruas sejam largas. Koeler entendeu bem essa verdade e por isso a fez tão pitoresca. Não sendo uma megalópolis, não cabem nela os “big-shoppings” tão em moda nas megalópolis de hoje e nas cidades candidatas a tal. Se quisermos entrar na moda dos shoppings, tudo bem. Mas, que esses shoppings sejam feitos dentro das proporções da cidade, ou mesmo que se aproveitem suas fábricas, ou grandes imóveis que já existem, e que foram dimensionadas de acordo com seu tipo de cidade. As caixas das ruas não suportariam o vai e vem de grandes carretas com 20 ou 24 pneus. Suas pequenas pontes, proporcionais aos seus pequenos rios, ruiriam ao peso constante desses megadistribuidores de materiais vendáveis. É preciso pensar, que não é apenas ter o terreno, projetar no papel quilômetros quadrados em quantidade, que sempre acabam cabendo, – pois se não for para os lados, acharão espaço para cima – , e se construir, dentro do setor urbano, um megaprojeto. E depois, como escoaremos todos os carros que couberam com tanta facilidade no papel? Teremos que acabar modificando o bairro, para adaptá-lo à nova realidade, e, depois de um bairro, mais outro e quando olharmos teremos construído uma outra cidade no lugar de Petrópolis que herdamos de nossos antepassados.
Quando começarmos a entender tudo isso, entenderemos a necessidade do tombamento de nossa cidade e a necessidade urgente de fazê-lo funcionar. Ele ainda é o mecanismo com o qual podemos fazer uma parada para meditação e análise do que se quer construir nessa cidade que, como qualquer outra, é finita!
Se não amarmos e cuidarmos do nosso passado, ímpar no Brasil, não seremos capazes de construir um presente digno de ser nem mesmo mencionado por nosso futuro. Ser Petrópolis, a – Cidade Imperial – por decreto de um presidente da República pelo reconhecimento de tudo que foi construído e preservado no passado, nos dá orgulho, mas exige também que comecemos a reconhecer nossas responsabilidades junto à sua preservação geral, mas também preservação particular. Queremos todos conscientizados dessa verdade, sejamos nós bombeiros ou prefeitos. Dos esforços de cada indivíduo, somados à atenção da municipalidade, brotarão homens sensíveis como os da pequena cidade italiana.
As lágrimas dizem mais que os discursos…
Por tudo isso iniciaremos uma série de artigos sobre o que é preservação, como preservar por conta própria, dos seus direitos e de seus deveres.
Daremos o primeiro passo para começar essa tarefa que é de todos nós!