O PROFETA BINOT

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Há 125 anos morria nesta cidade o cidadão franco-petropolitano JEAN BAPTISTE BINOT. Nascido em Paris, em 1806, veio para o Brasil em 1836, onde viveu a maior parte de sua vida, radicando-se na recém-fundada Petrópolis, onde viria a falecer aos 17 de setembro de 1894.

Acompanhou os primeiros passos da nova urbe, conheceu de perto o plano Koeler, trabalhou nos jardins do Palácio Imperial, criou renomado orquidário no Retiro, foi paisagista e defensor da exuberante natureza petropolitana, adivinhou os nossos desastres urbanísticos e ecológicos, colaborou na imprensa local mostrando as agressões à plasticidade urbana e ao meio ambiente.

Na edição de 5 de janeiro de 1859 d’“O Parahyba” escreveu Binot:

“Petrópolis vai entrar em uma nova fase, tanto para as construções, como para as vias de comunicação, porque se temos tantos sinistros a deplorar hoje, a culpa é antes das autoridades que dos proprietários, porquanto para evitar semelhantes desgraças não se devia deixar construir ao pé dos taludes a menos que não tivessem 45º; mas até hoje cada qual constrói como lhe apraz, à sua guisa, visto que as autoridades superiores não procuram determinar ainda um alinhamento e uma construção para os edifícios nesta cidade.”

O artigo em epígrafe foi publicado cinco meses antes da posse da primeira Câmara Municipal petropolitana. Ela já teria que encarar o desafio de impor regras rígidas ao movimento fundiário no município, notadamente no centro da urbe onde o meticuloso plano Koeler, já de si valia como bússola.

Entretanto, Binot vaticinara o aumento do descalabro, ante a omissão e quanta vez a convivência das autoridades competentes.

E por décadas a fio, num crescendo assustador, desafiando a lei da gravidade, a geologia do solo petropolitano, as peculiaridades da natureza local, os temporais de verão, as enchentes dos cursos d’água, as construções de todo o gênero, avançaram morro acima, dizimaram matas, se esgueiraram pelas margens de rios e córregos e como diria Camões, se mais área de risco houvera, lá chegaram.

Jean Baptiste Binot adivinhou a vocação industrial de Petrópolis ao dizer que “as fábricas manufatoras aparecerão como por encanto visto que não há em toda a província do Rio de Janeiro lugar mais próprio que Petrópolis para trabalhos desse gênero.”

Realmente o clima, a abundância de recursos hídricos, a proximidade da Corte, os modernos meios de comunicação que se estabeleceram com ela, a mão de obra livre e responsável, haveriam de atrair para Petrópolis os investimentos em indústrias notadamente no setor têxtil, a partir de 1872 com a criação da Companhia Petropolitana, responsável pelo complexo industrial da Cascatinha.

Porém, o que Binot não chegou a visualizar foi o modo como se implantou o parque manufatureiro em pleno centro urbano de Petrópolis, com manifestas agressões ao plano urbanístico da cidade, como foi o caso da construção do prédio da fábrica São Pedro de Alcântara à margem esquerda do rio Quitandinha com fachada debruçada sobre este em detrimento da via pública projetada pelo plano Koeler, que seria a outra pista da atual rua Washington Luis.

Interessante notar que em boa parte do Brasil, quando começaram a surgir as fábricas de fiação e tecelagem, estas eram implantadas na zona rural dos municípios, no máximo na periferia dos centros urbanos.

Entretanto, o caso Petrópolis que discrepa desse modelo pode ser explicado, conforme Alberto Ribeiro Lamego, pelo fato de Petrópolis ter nascido urbana com insignificante atividade econômica na área rural.

Para não fugir do território fluminense, a tentativa de implantação de uma indústria sérica na antiga província, deu-se na zona rural de Itaguaí; a fábrica de tecidos da Companhia Brasil Industrial, foi instalada na fazenda dos Macacos, origem do atual município de Paracambi; o parque têxtil de Magé foi construído fora do centro urbano desta cidade da Baixada Fluminense, notadamente em Santo Aleixo e em Pau Grande.

Entretanto, o que Binot não previu, mesmo sendo profeta, foi a derrocada da indústria têxtil petropolitana, hoje reduzida a um punhado de malharias na Vila Teresa.

Num de seus artigos mencionou Binot o projeto de uma estrada para diligências, o qual pretendia ligar Petrópolis via Quitandinha à estrada da Pavuna no Rio de Janeiro.

A ideia nunca saiu do papel, mas de uma certa forma, ela seria posta em prática quase oitenta anos depois pelo Presidente Washington Luis Pereira de Souza, quando no fim dos anos vinte dos novecentos construiu a estrada de rodagem Rio – Petrópolis, passando justamente pela Quitandinha.

Apaixonado pela exuberância da natureza tropical, especialmente pela variedade de espécies vegetais nas matas petropolitanas, Binot preocupava-se com a preservação do meio ambiente numa época em que ninguém falava em ecologia.

Foi por assim dizer um ecologista “avant la lettre” e como tal já começava a prever os desastres ambientais de que Petrópolis seria vítima ante o avanço da ocupação desordenada do solo.

Não era uma voz isolada que se levantava contra a devastação das florestas, pois outras pessoas também se faziam ouvir, não só pelas páginas do “Mercantil” e depois da “Gazeta de Petrópolis”, como através dos relatórios oficiais.

Escreveu o vice-presidente da província fluminense Antônio Nicolau Toletino em seu relatório de 8 de agosto de 1856 dirigido à Assembleia Legislativa:

“Proibida em 1822 a distribuição de terras por meio de sesmarias, entrou-se em um período que sem preconizar o anterior podemos denominar de devastação das nossas florestas.

… Hordas de vândalos apenas dominados pela cobiça de um passageiro lucro, não possuindo mais que o machado devastador derrubaram e entregaram às chamas extensas matas seculares de um valor incalculável.”

O machado e o incêndio jamais poupariam as matas de Petrópolis e seguem vivos na sua sanha devastadora.

Binot foi sempre uma voz incansável no ataque intransigente a tais calamidades. E com sua inarredável intuição profética sentenciou: dizimadas as florestas em terrenos montanhosos para cederem lugar a culturas sazonais, em geral de subsistência, exaurido o solo da matéria orgânica pela ação das enxurradas, o próximo passo é a ocupação pífia deste, véspera de sua desertificação.