QUATRO ETNIAS NA FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS: AFRICANOS, ALEMÃES, FRANCESES E PORTUGUESES.

Paulo Roberto Martins de Oliveira, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 10 – Patrono Carlos Grandmasson Rheingantz, falecido

Há algum tempo venho identificando quem foram os primeiros moradores de Petrópolis, na época da sua fundação em 16/03/1843.

Muitos historiadores e pesquisadores em artigos publicados em livros e materiais diversos, ora e outra aparecem com nomes avulsos ou até com relações. Porém, a maioria é de pessoas que não permaneceram em nossa região. Uns porque não se adaptaram e outros que se foram por motivos que ignoramos. Contudo, a maioria dos que ficaram pode ser identificada pela descendência através da localização de diversos documentos de suas famílias.

Este breve histórico sobre a povoação e a fundação de Petrópolis inicia-se por um roteiro de acontecimentos a partir de 1830, quando D. Pedro I adquiriu a Fazenda do Córrego Seco e em seguida com a presença do principal responsável pela fundação de Petrópolis, o então primeiro tenente Julio Frederico Koeler, que em 1832 teve o primeiro contato com a serra da Estrela para dirigir os trabalhos de reparos necessários na Estrada “Calçada de Pedras”, tendo as obras iniciadas em agosto do mesmo ano.

Em 10/07/1835 a Província do Rio de Janeiro foi dividida em 4 seções de obras públicas e Koeler foi nomeado chefe da 2ª seção. De imediato ele foi incumbido de executar o plano e orçamento da construção da ponte sobre o Rio Paraíba (Paraíba do Sul – RJ) e das obras que se faziam necessárias na estrada, desde o Porto da Estrela até o Córrego Seco – trabalho concluído em 1840.

A princípio, os serviços de manutenção das estradas e abertura de novos caminhos eram feitos pelos escravos africanos que eram, geralmente, alugados das fazendas próximas das obras. Porém, era pouco o rendimento dos serviços, devido à falta de especialização destes trabalhadores e também pela condição desumana em que viviam.

Neste quadro, que agora apresento, e numa breve digressão, rendo minhas homenagens ao povo africano que por imposição veio para o nosso país. Dentre tantos, aponto os que vieram para a nossa região serrana, principalmente os que trabalhavam forçosamente na manutenção e construção das vias de acesso à Petrópolis, em obras e em outros mais serviços, ou seja, nos trabalhos mais pesados e penosos que lhes eram sempre destinados para um progresso que não lhes condizia.

Quanto a um melhor reconhecimento desses africanos, torna-se quase impossível identificá-los no ramo familiar, pois, geralmente, seus verdadeiros nomes de origem eram substituídos pelos seus senhores que se julgavam seus donos.

Os descendentes dos africanos, que ainda guardam lembranças do passado contadas pelos seus ancestrais, podem, em casos raros, dar algumas informações genealógicas. Contudo, é difícil um estudo pormenorizado, devido ao fato das famílias serem habitualmente separadas e dificilmente o reencontro era possível. Portanto, abstenho-me de indicar os apelidos colhidos nos documentos existentes em vários arquivos, por não serem os verdadeiros nomes que, provavelmente, jamais os saberemos.

Vale ressaltar que muitos dos descendentes dos escravos africanos que pertenciam às fazendas da Baixada Fluminense e da Serra da Estrela (alguns que até trabalharam com Koeler) localizam-se no Morro do Bonfim (antiga rota de fuga dos negros em direção ao Quilombo de Maria Conga) na localidade de Magé.

Em Piedade ainda existe um túnel escavado pelos escravos com acesso ao Morro de Maria Conga e neste morro há um cemitério onde a escrava Maria Conga foi sepultada em 1895.

Considero esta oportunidade como um momento de reflexão para valorizarmos a contribuição africana no nosso país.

A partir de 15/01/1836, com a fundação da Sociedade Promotora de Colonização do Rio de Janeiro, chegaram 9 mil colonos portugueses na Capital da Província, sendo 6 mil das Ilhas Açores. Alguns desses colonos, sob as ordens de Koeler, foram trabalhar na construção da ponte do Rio Paraíba e mais tarde na conservação da Estrada Calçada de Pedras na Serra da Estrela. Eram 70 famílias com cerca de 150 pessoas.

Vale ressaltar que muitos destes acima mencionados, permaneceram próximo à vila de Paraíba do Sul, Serra da Estrela e no Córrego Seco.

Entre os açoreanos que chegaram em 1836 que ficaram no Córrego Seco e cercanias consegui apurar os seguintes: Antônio José de Araújo, Antônio José Ferreira, João José Raposo, João Luiz Barbosa, Joaquim Manoel Moreira, José Manoel da Silva Abreu, José Maria Pereira da Costa, Manoel Gomes Ferreira, Manoel José dos Passos, Manoel José do Rego, Manoel de Oliveira Lima, Manoel dos Santos Costa e Manoel de Souza.

Os trabalhadores coordenados por Koeler, com mão de obra livre e especializada, eram bons e os trabalhos eram perfeitos, porém diante de tantos serviços havia a necessidade de mais trabalhadores.

Em 13/11/1837 aportou na Guanabara a barca Justine com 238 passageiros germânicos, cujo destino era a Austrália. Desses passageiros, 235 ficaram na capital da Província do Rio de Janeiro e se cadastraram como colonos na Sociedade Promotora de Colonização.

Em 08/02/1838 Koeler conseguiu a autorização do Presidente da Província, O Sr. Paulino de Souza, para contratar 29 famílias (do Justine), constando de 32 trabalhadores. Em 12 de março do mesmo ano contratou mais alguns destes colonos que, de imediato, foram trabalhar na manutenção e conservação da Estrada da Estrela (Calçada de Pedras). A princípio estes colonos ficaram acomodados nos quartéis da Fábrica de Pólvora, ao longo da Estrada da Serra e mais tarde instalaram-se nas terras da Fazenda do Itamarati (às margens do Caminho dos Mineiros – entre o Alto Quissamã e a sede desta fazenda). Esta colônia, a 1ª de Petrópolis, teve início em abril ou maio, estendendo-se até o mês de outubro de 1838, quando chegaram mais alemães, totalizando-se 51 famílias formadas por 147 pessoas. Destas 51 famílias acima citadas, foi possível, através de vários documentos e entre estes principalmente pelos livros eclesiásticos de assentamentos de casamentos, batizados e óbitos da matriz de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, Sant’Anna de Cebolas e o livro dos primeiros registros de casamentos da Igreja Luterana de Petrópolis, identificar quase todos estes colonos, conforme seguem relacionados: Peter Heizmann; Andreas Andressin; Balthasar Beiken (ou Reiken); Christina Henken (ou Hensken); Adams Paul (de Altenstad, Hesse); Jacob Lubad; Catharine Steil (ou Steit); Philipp Blas (ou Plas); Conrad Sattler; Philipp Jung; Johann Diedrich; Peter Gross; Joseph Engel; Richerth; Friedrich Arends; J. Müller; E. Müller; E. Huttscher; Retz; Däsen, Hettering (ou Hettensing); Prach; Wiegand; Hieffer; Blanth; Conrad Leonard Bittermann (professor dos filhos de colonos); Goldecker; Wilhelm Heiser (de Hanover), casado com Catharine Keller (de Weiler em Würthenberg), Hans Friedrich Detlev Lültgens (de Kiel), casado com Henriette Christine Sophie Horstmann (de Schwochel – de Holstein); Peter Weissmann, casado com Catharine Stolz; Johann Boeckle (de Standenbühl, na Bavária), casado com Marie Klein (de Meisenheim, em Hesse); Zeissig, Joseph Klis (ou Kliss), Reter Raiber (ou Reiber), Werker; Johann Georg Fiedler e Peter Klein casado com Marie Hill (foram pais de Johann Klein, nascido em 26/08/1841, no Itamarati).

Em 1838, conforme determinação do Presidente da Província, Koeler deu início aos estudos de um projeto para a construção de uma nova estrada, partindo do Porto da Estrela até o Rio Paraibuna. Este projeto com o conjunto de 71 mapas, além de um mapa geral, foi concluído em fins do ano de 1839 e apresentado à Assembléia Fluminense em março de 1840.

Em 08/03/1842 Koeler foi dispensado da chefia da 2º seção de obras públicas e nesta mesma data foi substituído pelo Engenheiro Charles Fellipe Garçon Rivierre.

Em 11/01/1843 Rivierre, com o projeto de Koeler e com 55 operários, deu início à construção da nova Estrada da Estrela. Nesta época Koeler já era proprietário da Fazenda do Quitandinha e estava processando os planos de arrendamento da Fazenda do Córrego Seco (para a criação de uma colônia germânica e a construção de um palácio para o Imperador), sendo o decreto de arrendamento assinado por S.M. o Imperador D. Pedro II em 16/03/1843 e considerado como o que deu origem à fundação de Petrópolis.

Para a construção da nova estrada da Estrela e os trabalhos que seriam iniciados por Koeler no Córrego Seco, seriam necessários mais trabalhadores e nesta época o presidente da Província já estava viabilizando meios de contratação de mais colonos.

Segundo dados colhidos no Relatório da Província do Rio de Janeiro de 01/03/1844, consta que João Caldas Viana, presidente da província, contratou 59 colonos franceses que chegaram em 05/04/1843 no Rio de Janeiro e que estes foram para os trabalhos que nesta época se realizavam no Porto, onde rematava a Estrada Normal da Estrela.

Os colonos franceses acima citados não ficaram apenas nas obras do Porto da Estrela, mas também ao longo da Estrada Normal da Serra até as imediações do Rio Paraibuna. Vale ressaltar que a maior parte destes colonos debandou dos serviços e foi para as vilas e cidades próximas. Isso ocorria porque alguns tinham ofícios que não se relacionavam com construções de estradas. Porém, os que ficaram nas obras misturaram-se aos demais trabalhadores.

Conforme pesquisas realizadas nos livros de assentamento eclesiásticos, nas localidades já mencionadas, pude relacionar alguns colonos franceses que permaneceram na região serrana. Eram eles: Henrique Celoun; François Stanilas Demaguri (ferreiro); Julio (ou Tulio) Duriez; Pierre Gervaise (jardineiro); Claude Etienne Henry (trabalhador); Marie Felicité Lombard (cozinheira); Adolphe Pradieu (cozinheiro) e Simon Regnier (trabalhador).

Ainda no final do seu governo (fins de 1843 ou início de 1844) Caldas Viana contratou o serviço de 135 açoreanos. Destes, cerca de 70 se destinaram à Serra da Estrela (entre a fábrica de pólvora e Petrópolis) e entre os que consegui apurar temos apenas: Manoel dos Santos; José Vieira; Manoel Antônio Gonçalves; Manoel Antônio da Costa; Manuel José Rodrigues; Antônio Rodrigues dos Santos e Maria Vieira Victorina.

Ainda estamos longe de conhecer a história completa de todos os que colaboraram para a existência de Petrópolis, principalmente pela dificuldade de localização dos inúmeros documentos dispersos em vários arquivos. Diante de tal vicissitude, muitos petropolitanos perderam o contato ascendente com os seus antepassados e provavelmente jamais saberão de suas origens.

Petrópolis, 16 de março de 2001.

Bibliografia:

· Alguns manuscritos e apontamentos de pesquisas no IHGB ( Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) pelo historiador Luiz da Silva Oliveira – membro do IHP (Instituto Histórico de Petrópolis) – documentos pertencentes ao arquivo do saudoso historiador Gustavo Ernesto Bauer.

· Revista do IHGB – vol. 322, páginas 5 à 181 – Janeiro/Março de 1979 “A Estrada da Serra da Estrela e os Colonos Alemães” – por José Antônio Soares de Souza.

· Pesquisas realizadas pelo autor desta matéria em vários documentos e nos livros eclesiásticos de casamentos, batizados e óbitos de Magé (Inhumirim) e Cebolas (Inconfidência) – RJ.; no arquivo histórico da Cúria Diocesana de Petrópolis – por gentileza de S. Excia. Revma. o Sr. Dom José Carlos de Lima Vaz, DD. Bispo de Petrópolis – RJ.