QUINTINO BOCAIUVA – O PATRIARCA DA REPÚBLICA
Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito –
Na oportunidade do transcurso do primeiro centenário do falecimento de Quintino Bocaiuva, venho a esta tribuna para relembrar, já com excelente perspectiva temporal, essa grande figura da vida pública brasileira que passou à História pátria com o título de Patriarca da República.
Falando para uma plateia petropolitana e não sendo do meu feitio cansar os ouvintes com longos discursos, decidi ater-me ao Quintino Bocaiuva em Petrópolis, primeiro como jornalista, depois como Presidente do Estado do Rio de Janeiro, cumprindo o triênio 1901/1903. Aqui e ali um pouco da visão do chamado macro Quintino.
Nascido no Rio de Janeiro a 4 de dezembro de 1836 no seio de uma família comum e corrente, Quintino estava aos 14 anos em São Paulo, tendo ainda na adolescência trabalhado em alguns periódicos, notadamente no “Acaiaba”.
Tentou estudar Direito, mas os seus parcos recursos não lhe permitiram o intento. De volta ao Rio trabalhou no “Correio Mercantil”.
Aos 21 anos chegara a Petrópolis onde viera redatar “O Parahyba” de Augusto Emilio Zaluar, jornal de excelente qualidade mas de vida efêmera, já que durara de 1857 a 1859.
Ali durante o ano de 1858 aparecem matérias assinadas por ele que demonstram a profundidade de seus conhecimentos e o seu elevado espírito crítico.
Numa delas, Quintino abordou o problema da instrução na Província fluminense e o que escreveu, é ainda atualíssimo, nada distante do discurso do eminente Senador Cristovão Buarque.
O professor era e segue sendo desprestigiado e pessimamente remunerado bastando dizer que só há dois países que nos batem nessa questão: o Peru e a Indonésia.
A preocupação de Quintino Bocaiuva com a instrução foi uma constante em sua vida. Quarenta e três anos depois de ter exposto suas críticas no mencionado artigo, estando na Presidência do Estado, baixou uma dúzia de decretos tratando da instrução na terra fluminense e sancionou várias leis atinentes ao mesmo tema. Foi ele o criador da Escola Normal de Campos dos Goitacazes anexa ao Liceu de Humanidades que ali fora fundado em 1880, passando a funcionar em 1884.
Num outro artigo Quintino tratou do estado calamitoso das cadeias fluminenses, falando de sua super-lotação, de sua falta de higiene, de sua incapacidade para recuperar criminosos e reinseri-los na vida social, aspectos que estão vivíssimos nos dias que correm, agravados pelo chamado crime organizado e pela corrupção do aparelho policial.
Na matéria de 18 de abril de 1858 o jornalista de “O Parahyba” examinou os aspectos negativos da polícia de Petrópolis, pondo em destaque a falta de preparo dos policiais, os excessos por eles praticados, a certeza da impunidade e a fraqueza de certas autoridades como incentivos à conduta delituosa.
Quintino Bocaiuva foi incontestavelmente um primoroso jornalista, um tributo de grandes recursos verbais, um parlamentar acima de qualquer suspeita, um articulador político de grande talento. Mas como ninguém é perfeito, deixou bastante a desejar como executivo, fosse na vida privada, fosse como Presidente do Estado do Rio de Janeiro.
Participou da fundação do jornal “A República” e foi um dos principais redatores e signatários do Manifesto Republicano de 1870.
Pertencia ao grupo dos que desejavam a República pela evolução e não pela revolução. Conservar, melhorando, segundo a filosofia comteana.
A partir de 1883 Quintino Bocaiuva passou a redatar “O País” de que depois foi diretor presidente. Aí o encontrou o golpe de 15 de novembro de 1889. Aproximou os republicanos civis dos militares, indicou Francisco Portela para o governo do Estado do Rio de Janeiro e integrou o Governo Provisório como Ministro do Exterior.
De sua malograda negociação em Buenos Ayres, acerca do problema das Missões, ficou-lhe a pecha de vendilhão do templo ante a opinião pública brasileira, mormente porque sua mãe era de nacionalidade argentina.
Muito mais próximo de Nilo Peçanha de quem fora padrinho de casamento em 1895 do que de Porciúncula, então líder do Partido Republicano Fluminense, contribuiu em muito para a ascensão do político campista, mormente depois que um lamentável impasse provocou o racha no P.R.F.
Refiro-me à duplicidade de câmaras municipais e de juízes de paz em Campos dos Goitacazes.
Na sucessão municipal em Campos ao iniciar-se o ano de 1898, dois grupos de candidatos à Câmara Municipal e ao corpo de juízes de paz se julgaram eleitos e, por conseguinte em condições de tomar posse. O caso deveria ter sido resolvido pela Comissão Municipal de Verificação de Poderes com recurso para o Tribunal da Relação.
Entretanto, os dois grupos que se digladiavam decidiram trilhar um outro caminho, valendo-se da Lei Estadual nº 373 de 21 de dezembro de 1897, que permitia uma solução provisória para a crise dada pelo Presidente do Estado e, em caráter definitivo pela Assembléia estadual.
Governava então a terra fluminense o eminente jurista, depois Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alberto de Seixas Martins Torres, que, tendo sob suas vistas o problema para resolver, provisoriamente, negou-se a fazê-lo por entender que a Lei nº 373 era inconstitucional.
Talvez tenha agido com excesso de rigor jurídico, já que a lei em tela havia sido sem qualquer reparo, sancionada por seu antecessor o Dr. Joaquim Maurício de Abreu, cabendo ao Tribunal competente julgar se era ou não constitucional o referido diploma legal.
Na mensagem ao legislativo fluminense em 15 de setembro de 1898, Alberto Torres abordou o momentoso tema e repetiu estar convicto de que a Lei nº 373 era inconstitucional, alvitrando que a Assembléia votasse uma legislação que solucionasse definitivamente não só o caso de Campos, mas também que evitasse tal tipo de problema em qualquer outro município do Estado. Entretanto, em nenhum momento pediu que a Assembléia julgasse especificamente a questão campista.
O rigor jurídico do Presidente esbarrou nas conveniências políticas de grande parte dos membros da Assembléia. E até o líder do P.R.F. José Thomaz da Porciúncula colocou-se em posição antagônica a Alberto Torres, preocupado com os correligionários campistas.
A Assembléia resolveu sair pela tangente, numa espécie de operação tapa buraco. A 13 de outubro 1898 ela apresentou projeto de lei calcado no artigo 1º da Lei nº 373, em que julgava o caso de Campos, declarando vencedora uma das facções em litígio. O projeto converteu-se na lei de 29 de novembro do mesmo ano a qual foi vetada por Alberto Torres, até mesmo por uma questão de coerência comportamental. O veto é de 8 de dezembro de 1898. E encerrou-se a sessão legislativa sem que o veto do Presidente fosse apreciado.
Enquanto os homens da lei gozavam as delícias de Petrópolis Capital do Estado radicalizando a disputa entre o jurídico e o político, em Campos havia um ano que se instalara o caos administrativo, gerando graves problemas para a sua população.
A 14 de março de 1899, Alberto Torres, acolhendo parecer de seu Secretário de Interior e Justiça, baixou o Decreto nº 530 para resolver emergencialmente a questão campista. Valendo-se do artigo 231 do Decreto geral nº 8213 de 13 de agosto de 1881, o Presidente do Estado determinou que tomassem posse os vereadores e juízes de paz cujo mandato havia expirado em fins de 1897. A determinação tinha suporte legal já que até a Constituição Federal de 1891 previa o uso da legislação do antigo regime para os casos não previstos no corpo de leis da República.
Com as devidas garantias policiais o decreto foi integralmente cumprido a 16 de março de 1899.
Era o explosivo que faltava para rachar de alto a baixo o Partido Republicano Fluminense. De um lado, Porciúncula e a maioria da Assembléia Legislativa que, em sessão extraordinária, ameaçava apiar do poder o Presidente do Estado; de outro Alberto Torres e Hermogênio Pereira da Silva com um pequeno, mas aguerrido grupo de deputados estaduais.
O mundo político fluminense estava em pé de guerra e o insulamento do Presidente do Estado era visível.
A 26 de abril de 1899 o inconformado deputado campista Alberto Bezamat alvejou o seu colega Arthur de Sá Earp em plena Assembléia fluminense. A vítima, por sorte, não levou um tiro letal e, submetido a rigoroso tratamento sobreviveu ao atentado, vindo a falecer vinte anos depois.
Como as grandes crises costumam mudar o rumo da História, esta, que durara praticamente todo o triênio de Alberto Torres, também produzira os seus efeitos.
Cresceu o movimento em prol da remoção da Capital do Estado para fora de Petrópolis. Alberto Torres, sem apoio político não conseguira fazer seu sucessor, no caso, seu ex-Secretário de Obras e do Interior e Justiça Hermogênio Pereira da Silva.
Para acalmar os ânimos e tentar uma reconciliação dos grupos políticos fluminenses, o então Presidente Campos Sales propôs o nome de Quintino Bocaiuva para governar os fluminenses a partir de 1901.
Homologada a candidatura Quintino, foi ele eleito em julho de 1900, tomando posse a 31 de dezembro do mesmo ano.
Do ponto de vista administrativo o triênio de Quintino Bocaiuva pode ser considerado um desastre, máxime no que concerne ao econômico-financeiro. O Estado praticamente faliu o que foi admitido pelos próprios aliados.
Em Petrópolis, o antagonismo entre Quintino e Hermogênio Pereira da Silva cresceu enormemente, culminando no ataque à Câmara Municipal em 18 de fevereiro de 1903, confronto que deixou vítimas fatais. O caso nunca ficou suficientemente esclarecido, mas Hermogênio, Presidente da Câmara, esteve no Palácio Rio Negro para tomar satisfações do chefe do executivo fluminense.
Na imprensa petropolitana houve também sérias modificações. A “Gazeta de Petrópolis” que era eminentemente hermogenista passou a defender o Presidente Quintino, daí surgindo a fundação da “Tribuna de Petrópolis” em outubro de 1902, para abrigar os correligionários de Hermogênio, Sá Earp e outros que faziam oposição acerba à situação no Estado. A “Gazeta” começou a decair e morreu melancolicamente em 1904, tendo sido durante doze anos um dos órgãos mais ricos e expressivos da imprensa fluminense.
E o legislativo fluminense em parceria com Quintino votou o retorno da capital do Estado para Niterói, que se articulou com Campos, Macaé e Resende para formar o novo eixo da política fluminense. A máquina burocrática estadual começou a mover-se em direção da antiga Vila Real da Praia Grande, depois Imperial Cidade de Niterói a partir do segundo semestre de 1902.
Em julho de 1903 Nilo Peçanha era eleito Presidente do Estado do Rio de Janeiro e, em setembro daquele mesmo ano a Assembléia votava a reforma constitucional, que o próprio Nilo considerou essencial para a sua governabilidade.
Quintino Bocaiuva ainda voltaria ao Senado e já aos 75, depois de uma vida rica de enfrentamentos, de sucessos e desditas, morreu na cidade em que nascera aos 11 de julho de 1912.
Foi sem dúvida um republicano coerente, simples, despojado, austero, equilibrado.