RESGATES PETROPOLITANOS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Historiografar no atacado, é fácil; falar sobre figurões de extensa bibliografia, é mamão com açúcar. Difícil é tirar das profundas do esquecimento público as figuras locais, tratá-las no varejo e resgatar-lhes a memória, por vezes repleta de elementos edificantes, elos de uma corrente maior que une o tempo ao espaço.

A alóctones e autóctones deve Petrópolis os seus dias de grandeza, de elegância, de “glamour”, de progresso material e espiritual. Alguns deles estão entronizados em praça pública, ou têm seus nomes expostos ostensivamente à entrada dos logradouros. Mas quantos há que ficaram nos desvãos da história, esquecidos numa gaveta, num armário ou numa sepultura sem lápide?

É hora de exumar a memória dessa gente e fazê-la ressuscitar para o conhecimento dos viventes de hoje e da posteridade.

Falemos de Ricardo Narciso da Fonseca que faleceu nesta cidade aos 17 de abril de 1912, aos 87 anos, depois de ter nela vivido quase sete décadas. Morreu no mesmo 1912 que levou ao túmulo o Barão do Rio Branco, o Visconde de Ouro Preto e Quintino Bocaiúva.

Ricardo Narciso da Fonseca era pernambucano, nascido em 1825, no mesmo ano em que viera ao mundo o Imperador D. Pedro II.

Mal saído da adolescência, veio para o Rio de Janeiro e, aos 19 anos, com a saúde abalada, subiu a Serra da Estrela para tentar recuperá-la.

Corria o ano de 1844. A casa grande da fazenda do Córrego Seco estava ocupada pelo Major Julio Frederico Koeler, que então cuidava do projeto Petrópolis. O jovem Ricardo enquanto buscava a cura para os seus males tentava ocupar-se com alguns misteres. Segundo Antonio Machado ele trabalhou na reconstrução da estrada de Minas no trecho entre o Itamarati e Pedro do Rio; depois dirigiu um rancho de tropeiros no Alto da Serra e finalmente veio explorar o mesmo negócio no entorno da sede da fazenda do Córrego Seco.

No contato com o Major Koeler, Ricardo Narciso da Fonseca foi tomando gosto pelo plano que estava criando a nova urbe serrana e, em pouco tempo o pernambucano tornava-se um dos principais colaboradores do Major. Desvio de rios, arruamento, plantio de árvores, preservação das encostas, em todos estes misteres fez-se presente o espírito incansável e otimista de Ricardo Narciso da Fonseca.

Foi escrivão da Colônia de Petrópolis.

No antigo regime pertenceu ao Partido Liberal sendo amigo íntimo do Major Augusto da Rocha Fragoso. De espírito conciliador gozava da afeição de inúmeros integrantes do Partido Conservador, dentre eles o Coronel José Ferreira da Paixão, tendo sido padrinho de batismo e de casamento da mulher deste, D. Maria Augusta da Paixão.

Foi vereador à Câmara Municipal de Petrópolis de 1861 a 1864. Exerceu o cargo de Delegado de Polícia. Durante a Guerra do Paraguai guarneceu com seus comandados a fortaleza de Santa Cruz na entrada da barra do Rio de Janeiro. Era então Capitão da Guarda Nacional, onde fez brilhante carreira, morrendo no posto de Coronel.

Na República Ricardo Narciso da Fonseca seguiu a orientação política de José Thomaz da Porciúncula, de quem foi fiel correligionário.

Foi durante anos secretário da Câmara Municipal de Petrópolis.

Depois do racha no Partido Republicano Fluminense durante o governo Alberto Torres, Ricardo Narciso da Fonseca manteve-se ao lado do prócer Porciúncula, o que descontentou a facção chefiada por Hermogênio Pereira da Silva, Presidente da Câmara e candidato à presidência do Estado do Rio de Janeiro do grupo que se mantivera unido a Alberto Torres.

Fosse por motivo político ou por outro qualquer, o certo é que Ricardo Narciso da Fonseca foi exonerado do cargo de Secretário da Câmara, ofício que exerceu com extrema probidade e eficiência, o que foi reconhecido pelos caciques da época.

O jornal “O Cruzeiro”, na sua edição de 18 de abril de 1912, escreveu estas palavras a respeito de Ricardo Narciso da Fonseca:

“Seu falecimento foi recebido com grande mágoa pela população de Petrópolis, que o admirava não somente pela sua brandura para com todos, como pela nobreza de seu caráter”.

E a “Tribuna de Petrópolis”, também em 18 de abril do mesmo ano, assinalou:

“O Coronel Ricardo era solteiro. Guardava a mais perfeita reminiscência de todos os fatos da história da fundação e do desenvolvimento de Petrópolis, de cuja evolução era testemunha pessoal e insuspeita”.

Foram 68 anos de participação quotidiana na intimidade da vida colonial e depois do Município de Petrópolis, da Monarquia à República.

Quanta memória poderia ter deixado o pernambucano escrita nos anais destas serras. E os seus contemporâneos esqueceram-se de anotar-lhe os depoimentos sobre a vida petropolitana de 1844 a 1912.

Lamentavelmente, Ricardo Narciso da Fonseca morreu solteiro e não se sabe onde teriam ido parar os seus papéis, os seus eventuais arquivos, os seus livros.

Perdas lamentabilíssimas pelas quais não adianta agora chorar.

O Coronel Ricardo, como era conhecido popularmente, está sepultado com todas as suas lembranças no Cemitério Municipal desta urbe, no túmulo 17.848.