RESGATES PETROPOLITANOS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

ERNESTO FERREIRA DA PAIXÃO, eis um nome que honra a medicina, a política e as letras petropolitanas.

Rebento desta terra, nascido no dia de Natal de 1866, trazia do berço as luzes do saber. Seu pai, José Ferreira da Paixão, era o dono do colégio deste nome, eminente pedagogo, que trouxera o menino Ernesto ao pé de si, até torná-lo apto a prestar preparatórios, que lhe garantiram o ingresso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se formou em 1890.

Não se deixou ofuscar pelo brilho das ofertas profissionais que o prenderiam à Capital Federal. Voltou à sua terra e aqui abriu consultório, aberto a todas as classes sociais. Fez da Medicina um sacerdócio, aliás obrigação comezinha dos que realmente levam a sério o juramento de Hipócrates.

Teve Ernesto Paixão vasta clientela e gozou do melhor conceito entre seus pares. Dirigiu o Hospital Santa Teresa com eficiência e espírito humanitário.

Abolicionista, fez campanhas memoráveis, angariando fundos para a libertação do elemento servil, antes da abolição total do nefasto instituto da escravidão.

Foi no início da República Intendente Municipal nesta urbe, distinguindo-se pelo seu equilíbrio e bom senso. Nunca foi um político rancoroso, desses que perseguem o poder pelo poder. Apenas servia-se dele para prestar os melhores serviços à comunidade petropolitana.

Formado dentro dos melhores padrões humanistas, Ernesto Ferreira da Paixão tinha menos de vinte anos quando estampou seus primeiros artigos no “Mercantil”, folha que se editou nestas serras de 1857 a 1892. Quando da morte de Victor Hugo, o jornal em epígrafe ocupou toda a primeira página da edição de 27 de maio de 1885 com matérias alusivas à vida e à obra do grande escritor francês.

Ernesto Paixão, nos seus dezenove anos incompletos atendeu ao chamado do periódico, fazendo publicar vibrante artigo sobre o autor de “Os Miseráveis”. Bem ao estilo da época e coerente com os arroubos da juventude, escreveu Paixão:

“Victor Hugo, o deus da literatura, despiu o invólucro de mortal e tomou lugar no sólio da imortalidade.
Assim o foi; porque a matéria que o circundava era impotente para resistir à força das chispas, que o gênio – aninhado em seu cérebro – irradiava por ela”.

Quando o “Mercantil” deixou de circular, cedendo espaço à “Gazeta de Petrópolis”, o grande jornal da Capital do Estado do Rio de Janeiro, o Dr. Ernesto Paixão passou a colaborar nesse periódico, não raro sob o pseudônimo de Flávio Marciano. E já no apagar das luzes do século XIX, passaria a redator chefe da “Gazeta”.

Fundou alguns jornais, entre eles “O Comércio” e colaborou em revistas mundanas e especializadas. Com sua própria firma recordou aspectos interessantes desta urbe em artigo que estampou na edição de 25 de dezembro de 1908 de “Verão em Petrópolis”, órgão que nascera do esforço de João Roberto D’Escragnole.

Nos seus 42 anos, idade em que ainda se não cultivam nostalgias, Ernesto Paixão, nessa matéria respigada de saudades perguntava:

“Onde as belas petropolitanas, meninas a guiarem as carrocinhas tiradas por cabritos e até cachorros, trazendo leite, queijo e manteiga fresca aos fregueses?
Onde os bailes da Floresta e do Bragança nos quais, aos domingos, a laboriosa colônia, como se dizia, operários, enfim, vinham desenferrujar as pernas?”

Para essas conjecturas os franceses tem uma frase taxativa:

“Tout passe, tout casse, tout lasse et rien se remplace”.

Antecipando-se a Mário Lago, assim se houve Ernesto Paixão ao encerrar seu poema intitulado “Redimida”, que “O Comércio” publicou na edição de 7 de julho de 1912:

“O amor que é nobre tudo justifica,
Do amor que é puro o que é sublime medra,
Magdala pelo amor se ourifica,
E qual, que puro for, lhe atire a pedra.”

Ernesto Paixão faleceu a 14 de janeiro de 1922.