Revolução Russa: Centenário Acima de Qualquer Suspeita

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, Associado Titular, Cadeira n.º 13 – Patrono C.el Amaro Emílio da Veiga

“A revolução de outubro de 1917 é o ponto de partida de um movimento histórico, cujas sequencias estendem até nós e que ainda não esgotou os seus efeitos.” (Rene Remond).

 

Remond, não deixa de ter razão ao afirmar que seus efeitos não cessaram, principalmente quando em nossa sociedade a polarização atual e reflexa se estabelece na disputa entre “mortadelas & coxinhas”, indicador de posições ideológicas ancoradas nas questões partidárias.

Por estes sintomas contemporâneos, não podemos negar que a “revolução russa” de 1917, marcou o início de uma experiência cujos reflexos se processam à atualidade, pois se constituiu em sua época em um desafio concreto à ordem burguesa e capitalista da sociedade.

O movimento possibilitou no período a transformação da sociedade e das relações sociais de produção, conduziu a ocorrência de uma ruptura social e política sem precedentes que possibilitou manifestações espontâneas de um grupo até então invisível no circulo político da sociedade industrializada, o operariado urbano.

Assim é praticamente impossível não repensar a revolução russa e seu contexto de época, quando uma sociedade com 170 milhões de habitantes com 80% da população vivendo oprimida no campesinato, extremamente miserável, recém-liberada de um secular regime de servidão atroz, onde servos falecidos dignificavam candidatos à nobreza (Gogol). Mas impossível ainda é não a contextualizarmos em sua época e seu momento político extremamente opressivo comportando violências e genocídios como heranças do czarismo.

Naquele exato momento a população sangrava em uma serie de combates nos cenários de guerra com o Japão, cuja derrota significou a destruição e miséria, com uma vitória para uma nação que se industrializou rapidamente como o Japão da Era Meiji. Em menos de uma década a Rússia foi inserida a força no cenário da Primeira Grande Guerra europeia, por puro capricho do Czar que se indispôs rufando seu nacionalismo ao dos germânicos, resultando na deserção de milhares de soldados russos onde o maior contingente era de mutilados que marchavam em fétidas fileiras de famintos para terra que pertencia ao “paizinho” (Czar).

Independente do perfil ideológico, o movimento revolucionário foi necessário, pois o momento exigia reações que não poderiam ser contestadas na época. Mesmo que houvessem saído de um cenário de dominação, passaram a um novo dominador, onde o império de uma sociedade burocrática comunista se estabelece na sociedade.

Reproduzindo em partes o histórico movimento francês de 1789, a revolta russa também passou por fases diversas, não aglutinando todo o povo que não a entendeu, mas ao contrário, consolidou uma diferente proposta política de Estado que, por longos setenta anos, impôs suas regras sobre um povo fragilizado, mas tão logo se cristaliza o manto de um tirano. A nova nação digladiou contra um rival oportunista e hábil na utilização das ferramentas de mercado provocando sua decadência exitosa com a queda do muro.

Serviu de mito e lenda a diversas sociedades que enveredaram pelo caminho libertário em diversos rincões e em diversas épocas que cruzaram por experiências paralelas ou convergentes. Até mesmo serviu de referencial para uma nova formulação de Estado assistencialista como a que pontificou posteriormente pela America Latina contemporânea.

Admiradores, estudiosos, contestadores, não importando seus extratos ideológicos, não podem negar sua referência em contexto de época de verter um marco histórico do qual se tornou herança positiva para reflexão sobre as questões sociais que os afligem no cotidiano.

Nossa ilha urbana petropolitana foi atingida por sua explosão em 1917, quando os operários das diversas indústrias informados pelas associações sindicais, aumentaram suas pressões grevistas chegando ao clímax com o “31 de agosto de 1918”, com o quebra-quebra dos armazéns açambarcadores de produtos destinados a ganhos com a exportação (Silveira Filho), após operários participarem de palestras dos líderes anarcossindicalistas no Rio de Janeiro.

“Paz, terra e pão”, continua a ser um grito sombrio nas vertentes rurais e agora urbanas de nossas sociedades pelos cinco continentes que aguardam transformação de suas realidades.