SAINT-SAËNS EM PETRÓPOLIS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Quando o Brasil praticamente resumia-se no Rio de Janeiro, quiçá ao embalo da mania da côrte, de que tanto falava Silvio Romero, não havia quem aportasse à Guanabara, que não fizesse uma visita a Petrópolis, inelutavelmente sucursal de todas as cortes, do Império à República.

Uns vinham apenas por um par de dias, como foi o caso do renomado jurista italiano Enrico Ferri; outros deixavam-se ficar aqui por mais tempo, enquanto durava a sua estada em terras brasileiras. Tal o caso do prestigioso compositor, maestro e pianista francês Carlos Camilo Saint-Saëns.

Tratava-se de uma das maiores expressões mundiais da música erudita, da segunda metade do século XIX e das duas primeiras décadas dos novecentos.

Nascera Saint-Saëns, em Paris, a 9 de outubro de 1835, tendo falecido repentinamente em Argel, a 17 de dezembro de 1921.

Viveu gloriosos 86 anos, tempo suficiente para produzir a obra monumental que legou aos pósteros e que fez inscrever o seu nome no rol dos grandes da música de todos os tempos.

Matriculado em 1847 no Conservatório de Paris, estudou órgão com Benoist e composição com Halévy, Robert e Gounod. Em 1852 e 1854, concorreu ao premio de Roma, sem contudo obter a láurea.

Mesmo assim, seguiu dedicando-se à composição.

Em 1858, escreveu o Oratório de Natal, peça para cordas e piano.

Já desde 1853 havia sido nomeado organista da igreja de Saint Merry de Paris, cargo que ocupou durante cinco anos. Depois substituiu Lefebvre-Wely no grande órgão da Madeleine. Neste honroso posto esteve até 1877.

Espírito eclético, foi professor de piano do Instituto Niedermeyer e, em 1881, era nomeado membro da Academia de Belas Artes da França.

Pelos relevantes serviços prestados à pátria, foi condecorado em 1913 com a grã cruz da Legião de Honra.

Como compositor, apesar de seu estilo marcante, não se pode dizer que não tenha sofrido a bôa influência de Haydn, Mozart, Beethoven, Berlioz e sobretudo de Franz Liszt.

Seu classicismo e seu bom gosto de latino e de francês, o livraram dos excessos do modernismo em que incorreram outros autores contemporâneos seus.

Compunha por necessidade biológica, como disse em depoimento a certo jornalista alemão.

Tudo em sua música é deliciosamente simples e natural.

Foi nos poemas sinfônicos que alcançou seu maior prestígio como compositor.

Saint-Saëns foi um viajor inveterado. Andou pela Ásia, pela África e pela América. Deixava-se ficar nonchalante nas terras mais exóticas, impregnando-se dos sons emanados da própria natureza e das várias manifestações culturais dos povos visitados. E a riqueza sonora regional captada pela sua fina sensibilidade e por sua arte de bem ouvir, tornava-se universal na música sublime do compositor de gênio.

Lástima que tivesse estado em Petrópolis em junho e não em final de agosto ou durante o mês de setembro, quando as nossas melhores aves canoras festejam com infinitas modulações o acasalamento e a procriação. Certamente Saint-Saëns não ouviu os nossos sabiás, os nossos trinca-ferros, os nossos sanhaços e saíras.

De sua obra variada, destacam-se: Sansão e Dalila, 1877; Henrique VIII, 1881; Ascanio, 1890; Fredegonda, 1895; Djanira, 1898; Helena, 1904.

Escreveu cerca de oitenta melodias para canto e piano.

Poeta, deixou um volume de versos: Rimas Familiares, publicado em 1891.

Tal o homem que veio ao Brasil no inverno de 1899, para dar dois concertos no Teatro Lírico do Rio de Janeiro. E quiçá com medo do fantasma da febre amarela, fixou residência, embora temporária, em Petrópolis.

A 17 de junho de 1899, o cronista da Gazeta de Petrópolis, “G. A..” ( Gregório de Almeida ) no seu estilo rebuscado e cheio de preciosismos, saudava a presença de Saint-Saëns na cidade, e, entre outras manifestações de efeito, disse o seguinte:
“O maestro da escola musical francesa, que conta entre as suas estrelas de primeira grandeza, Mehul, Gretry, Philidor, Rameau, Massenet, Aubert, que é ele mesmo astro esplendoroso no céu da arte, bem pode beber na beleza, na grandiosidade, no esplendor da nossa natureza tropical, inspirações profundas para as suas composições sublimes. Ele que não pertence a nenhuma escola, nem a do Verdi antigo, nem a do Verdi moderno, nem a de Arrigo Boito, nem a de Wagner; ele que criou uma escola sua, uma feição própria, que colhe nas flores de nossa terra, no canto dos nossos pássaros, na harmonia das nossas brisas, no murmúrio dos nossos rios, o perfume, as notas dulcíssimas, os acordes inspirados, o elemento poético essencial, os recursos orquestrais, para os seus poemas sinfônicos, para as suas peças cheias desses encantos que arrebatam, que fazem palpitar tão fortemente o coração, que elevam a alma para os sonhos da glória”.

Essa foi a personalidade que Petrópolis teve a honra de hospedar no apagar das luzes do século XIX, trazendo bons presságios, para a nova centúria que não tardaria a raiar no horizonte do mundo cristão.