OS SOLDADOS NEGROS FARRAPOS NA SURPRESA DE PORONGOS E NO CONVÊNIO DE PONCHE VERDE

Cláudio Moreira Bento, Associado Correspondente

Em 16 nov 2004, no Rio Grande do Sul, o Correio do Povo, deu amparo, sem o contraditório, a interpretações históricas ” revisionistas ” radicais apresentando Davi Canabarro como traidor dos negros farrapos de Infantaria e Cavalaria, na Surpresa de Porongos. Isto “por se deixar surpreender mediante acerto com o Barão de Caxias.” Surpresa feita pelo famoso guerrilheiro imperial Chico Pedro ou Moringue e futuro Barão de Jacui “com vistas a matar os índios, mulatos e negros farrapos que poderiam prejudicar o processo de paz em curso.” Vejam que absurdo histórico !!!

Henrique Oscar Wiedersphan, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e hoje patrono de cadeira na Academia Militar Terrestre do Brasil em seu livro original e pioneiro, O Convênio de Ponche Verde (Porto Alegre: EST/Sulina/Universidade de Caxias do Sul, 1980), escreveu:

“A respeito desta surpresa de Porongos há uma série de coincidências que chegariam a atingir Canabarro, ao ponto de que suscitaria séries suspeitas de haver sido o mesmo executado em conluio dele com o Barão de Caxias e até com Antônio Vicente de Fontoura, embora se tenha posteriormente conseguido desfazer tais suspeitas de modo cabal e definitivo.”

E a base da acusação foi um ofício bem forgicado (falsificado) por Chico Pedro, como sendo assinado pelo Barão de Caxias para ele, no qual este lhe ordenava que atacasse Canabarro, pois este não resistiria conforme combinação entre ambos. E mais que ele aproveitasse “para atacar e eliminar os mulatos, negros e índios farrapos e poupasse sangue branco.”

E esta falsidade atribuída a Canabarro fez o efeito esperado, entre os farrapos, num quadro de Guerra Psicológica, os quais em parte passaram a considerá-lo um traidor, até por interesse político escuso e como descarrego ou fuga de responsabilidades pelo insucesso militar da revolução que seria colocado assim na conta de Canabarro, “pelos demônios de todas as revoluções,” segundo Morivalde Calvet Fagundes, o autor do mais completo livro sobre o Decênio Heróico. Ou seja perto do fim do insucesso de uma revolução, ocorre a caça de um bode expiatório e no caso em tela foi Canabarro, não habituado às guerras de alfinetes..

E o ofício falsificado, que tantas injustiças provocou à bravura, à honra e até hoje à memória histórica de Canabarro, teve a seguinte origem:

“Chico Pedro em perseguição a Canabarro e acampado no Pequeri, falou ao seu Major de Brigada João Machado de Moraes: És capaz de imitar a firma do Barão de Caxias? E ele respondeu: – A letra é boa e talvez eu possa imitar. Então vamos fazer uma intriga contra Canabarro. Pois ele é o único que pode sustentar a Revolução. Portanto vamos fingir um ofício assinado por Caxias para min dizendo que no dia tal eu vá atacar Canabarro e derrotá-lo, visto haver entre o Barão de Caxias e Canabarro e oficiais deste um convênio.”

Escrito o ofício com a assinatura de Caxias falsificada, Chico Pedro ao passar em Piratini pela casa de Manoel Francisco Barbosa, mostrou-lhe o ofício falsificado. E este, republicano extremado, mordeu a isca. E exaltou-se e copiou o dito ofício e o distribuiu. A intriga planejada fez o efeito desejado que até hoje perdura, sem que sejam analisadas as heróicas vidas de Canabarro e Caxias que negam a capacidade de fazerem tal acordo.

Mas, Félix de Azambuja Rangel em seu relato na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, 1º e 2º trimestre de 1928, p. 36-47, comprova a armação feita para abalar a confiança dos farrapos em Canabarro, o comandante de seu Exército, pelo seu grande e indiscutível valor militar como mestre consumado da Guerra à gaúcha, como demonstramos em sua biografia em nosso O Exército farrapo e os seus chefes ( Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1992, 2v), onde o estudamos junto com as demais lideranças militares farrapas, ao lado dos comandantes imperiais e do Barão de Caxias, o pacificador em D. Pedrito atual, da Revolução Farroupilha e mais do que isto da Família Brasileira, há 13 anos em luta fratricida.

Esta histórica controvérsia se presta a dar razões a quem o desejar, de absolver ou condenar Canabarro, partindo de considerar o citado ofício como forgicado ou como verdadeiro.

E documentos forgicados como este tem sido comuns na História do Brasil como as cartas falsas atribuídas ao presidente da República em 1922 e que provocaram a Revolução de 1922. E, hoje, as falsas fotos do jornalista Wladimir Herzog publicadas pelo Correio Braziliense que provocaram e ainda provocam negativos reflexos na vida nacional, no instituto da Anistia e na harmonia do Governo, sem que o jornalista responsável por esta grande barriga jornalística tenha sido responsabilizado por erro.

Creio que escrevemos pioneiramente sobre os Lanceiros negros farrapos, interpretando que em Porongos eles salvaram, numa reação a todo o custo, com seu sangue, suas vidas e bravuras a Revolução Farroupilha, impedindo uma rendição incondicional. E assim, deram fôlego à Revolução para que esta conseguisse condições honrosas. Mas outros preferem explorar o episódio como traição aos negros e assim estimular a luta de classes e o baixo astral social.

Por falta de apoio na Mídia, que não nos dá oportunidade de um contraditório, abordamos o assunto na Internet, na Mídia Independente, e no site GOOGLE, em A surpresa de Porongos, junto com outros autores como Paulo Bento Bandarra e Luiz Ernani Caminha Giorgis que procuram desfazer esta intriga.

Quanto aos negros no Convênio de Ponche Verde ou combinação de Ponche Verde, há 43 anos da Lei Áurea, deve-se considerar como premissa básica a afirmação de Ortega y Gasset:

“Eu sou eu e as minhas circunstâncias.”

As circunstâncias na época eram de escravidão, apoiada no ordenamento jurídico da Constituição de 1824.

E que os farrapos lutaram até onde foi possível para assegurar a liberdade dos negros que lutaram em suas forças.

Que Instrução Reservada recebida por Caxias o autorizava a conceder ampla anistia aos farrapos.

Mas no seu artigo 5º ela estabelecia que os escravos que fizeram parte das forças rebeldes serão remetidos a Corte à disposição do Governo Imperial que lhes dará conveniente destino.

E que o Convênio de Ponche Verde estimulava uma de suas cláusulas.

São livres e como tal reconhecidos todos os cativos que serviram a Revolta.

Segundo Henrique Oscar Wiederphan na sua obra citada:

“Canabarro entregou 120 soldados negros farroupilhas que o Barão de Caxias alforriou (libertou) com apoio no Decreto de 19 nov 1838 que prometia liberdade a todos os negros farrapos que desertarem e se apresentarem às autoridades imperiais.”

E a seguir os fez embarcar como livres para o Rio de Janeiro com a condição de não mais retornarem ao Rio Grande do Sul.

Mesmo assim se pretendeu no Legislativo do Império se dar ultima forma a estas alforrias (liberdades) ao chegarem os Lanceiros Negros no Rio de Janeiro, não sendo efetivadas, somente ante o alarde ocorrido no citado Poder Legislativo de parte do alguns dos mais exaltados da bancada liberal …

Outra versão que precisa ser comprovada ou negada é que estes lanceiros negros, como bons soldados, tenham sido em parte ou no todo incorporados à Cavalaria do Exército no Rio Grande do Sul.

Acreditamos que estas questões históricas precisam ser aclaradas de vez pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul tendo como base suas preciosas fontes sobre o tema e mais os livros que seus distintos sócios Henrique Oscar Wiedersphan (livro já citado) e o do professor Moacyr Flores: Negros na Revolução Farroupilha – Traição de Porongos e farsa em Ponche Verde, Porto Alegre: EST, 2004.

E isto se impõe para tentar esclarecer por completo esta controvérsia que envolve as honras do Barão de Caxias, de Davi Canabarro, de Chico Pedro, de Vicente da Fontoura – da oficialidade farroupilha, os quais não depuseram sobre Porongos, e Chico Pedro que poderia ter feito em suas Memórias não o fez.

Tem sido uma controvérsia há mais de 160 anos usada politicamente e na atualidade ideologicamente para alimentar uma luta de classes, baseada num fato que representa uma pretensa talvez mancha negra, a confirmar, no meio duma enorme e bela planície nevada que foi o Decênio Heróico que consiste na mais bela tradição gaúcha comemorada anualmente na Semana Farroupilha.

E escrevemos este apelo com a autoridade que penso havermos adquirido como autor do livros O Negro na Sociedade do Rio Grande do Sul 1625-1975 (Porto Alegre: Grafosul/IEL, 1976), O Exército Farrapo e os seus chefes (Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1971, 2 v.), Porto Alegre – memória dos sítios farrapos … ( Brasília: EGGCF, 1989) e como biógrafo de Duque de Caxias na obra Caxias e a Unidade Nacional (Porto Alegre: AHIMTB, 2003), etc.

Por oportuno apelamos à Mídia gaúcha, se isto for possível, que, para reforçar a Democracia Brasileira e consagrar na prática o direito de resposta ou o contraditório, dêem oportunidade a publicação de opiniões discordantes para que seus usuários formem a opinião correta e não sejam manipulados, por ouvirem só um lado. Aliás ouvir os dois lados era uma característica da liderança de Canabarro.

E mais, que historiadores em geral, especialmente os gaúchos se apliquem em detalhar os nomes e destinos dos negros farrapos, com base em documentos que devem existir no Senado e Câmara de Deputados e outros locais. E que os descendentes dos soldados negros farrapos cultuem os seus feitos e projeções heróicas na construção do Rio Grande do Sul, o que pela primeira vez levantamos em nosso livro O Negro na Sociedade do Rio Grande do Sul. Livro que foi prefaciado pelo notável deputado negro Carlos Santos que chegou até a governar o gaúchos como seu governador interino e que ali falou representando todos os negros e seus descendentes gaúchos. Homem distintíssimo e glória de uma raça que em cerimônia de entrega dos prêmios na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, foi o único parlamentar a deixar seu lugar e vir nos cumprimentar pela nossa pesquisa premiada em 2º lugar pela citada Assembléia e Associação de Imprensa do RGS, pelo nosso trabalho em concurso literário por elas promovido intitulado O gaúcho fundador da imprensa brasileira (Hipólito da Costa) que em breve pretendemos publicar.

Enfim que os negros gaúchos e seus descendentes não se liguem nas interpretações ideológicas de baixo astral e cívico masoquistas que dominaram as comemorações de Porongos em 2004, potencializadas por parte da Mídia, sem a oportunidade de um contraditório, e sim que se liguem nas interpretações de alto astral sobre a contribuição do negro e descendentes gaúchos na construção da sociedade do Rio Grande do Sul e em especial de sua gloriosa história militar onde soldados negros chegaram a ser denominados Os suíços da América. E por fim apelamos aos comunicadores sociais para que respeitem a função social do historiador e não tentem substituí-los, como não desejariam e conseguiram que outros não pertencentes a sua função social roubem este seu papel. E mais que assegurem o contraditório, dando vez e voz aos historiadores, não os alijando da Mídia e coerente com as afirmações de que “a História é a mestra da vida a mestra das mestras.” E mais que História é verdade e Justiça. Do contrário se estaria acelerando uma marcha à ré de volta a Idade Média, sob um autoritarismo preconceituoso disfarçado com pele de Democracia. Creio que meu apelo não será atendido mas o registro para a História, para que alguém talvez um dia o perceba.