SUBSÍDIOS PARA UMA HISTÓRIA DE SECRETÁRIO
Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette
As sesmarias eram terrenos incultos ou abandonados, doadas para efeito de povoamento e cultivo. Eram doadas em quadras de uma légua, o que correspondia a 3.000 braças ou 6.600 metros.
Na primeira década do século XVIII, o secretário do Governo, José Ferreira da Fonte recebeu, segundo nos informa Schaette “uma sesmaria ao sul das terras concedidas à numerosa família da Garcia Rodrigues Pais” (1). Garcia Rodrigues Pais, filho do famoso bandeirante Fernão Dias Pais, foi quem mediante licença do Governador Arthur de Sá, construiu o Caminho Novo, ligando Rio de Janeiro a Minas Gerais e que, finalizando a obra, se estabeleceu com sua família nas terras banhadas pelos rios Paraíba e Paraibuna.
(1) SCHAETTE, Estanislau Frei. “Fazendeiros e Fazendas de Serra Acima”. In: Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, 1948.
José Ferreira da Fonte, posteriormente, procurou obter as terras contíguas à sua sesmaria, para fazer um curral de gado. Em conseqüência, em 28 de agosto de 1734 conseguiu do Capitão Geral da Capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrada, uma légua de terra em quadra, que alcançava o rio Piabanha.
Possuiu assim José Ferreira da Fonte duas sesmarias: a 1ª localizada no vale do rio Fagundes, abrangendo inclusive as terras da região atualmente conhecida como Secretário e a 2ª, cortada pelo rio Piabanha, conhecida como quadra de Magé, por ter sido colonizada por famílias provenientes da Baixada Fluminense, especialmente de Magé e que hoje constitui a região de Itaipava.
Em 1770, “o filho do Secretário, Antonio Pegado de Carvalho, requereu medição especial de sua vasta propriedade, demarcação esta que só no ano seguinte, de 1771, seria reconhecida pelos vizinhos que a assinariam na ordem que se segue: Inácio Caetano da Costa, Antonio Pinto Braga, Joaquim José Pegado, Eugênio Viegas de Proença, Germano Barbosa Lage e Antonio Nunes da Silva” (2). Quem seriam esses vizinhos?
(2) SCHAETTE, Estanislau Frei. “Fazendeiros e Fazendas de Serra Acima”. In: Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, 1948, p. 87.
Joaquim José Pegado recebera em 5 de junho de 1758, uma sesmaria localizada na sobrequadra da fazenda do Secretário onde se achavam terras devolutas, isto é, desocupadas, “nas quais já tinha roçado e plantado”. Eugênio Viegas de Proença era proprietário de terras que havia herdado de seu pai Nicolau Viegas de Proença, na região denominada Fagundes.
Quanto aos demais signatários do importante documento, não nos foi possível identificá-los. Certamente eram ocupantes de terras devolutas dos imensos domínios da sesmaria do Secretário, sendo possivelmente este o motivo que levou Antonio Pegado, filho do Secretário, a requerer a medição de suas terras, até porque não foram poucas as dificuldades que este encontrou face à oposição desses seus vizinhos. Tais dificuldades podem ser percebidas em seu requerimento ao governo: “…o suplicante por várias vezes tem procurado satisfazer e os confinantes seus vizinhos não só repugnam mas embaraçam” (3).
(3) SCHAETTE, Estanislau Frei. In: Pequena Ilustração, Petrópolis, 05 de fevereiro de 1938, p. 8.
Consta que a fazenda de Antonio Pegado de Carvalho ficava localizada no alto de um morro, o que contribuiu para que aquela região fosse batizada pelo povo com a denominação “Alto do Pegado”, a qual até hoje persiste.
Em 2 de maio de 1723, o capitão Francisco Fagundes do Amaral requereu e obteve a concessão de uma légua de terras em quadra “onde acabam as terras da sesmaria de Ambrósio Dias Raposo” (4), na região que lhe tomou o nome – Fagundes, entre as terras do Secretário e de Cebolas.
(4) SCHAETTE, Estanislau Frei. In: Pequena Ilustração, Petrópolis, 24 de setembro de 1939, p. 16.
Estas terras, pode-se afirmar com segurança, foram mais tarde (1765), adquiridas pelo Padre José Antonio Penafiel, Presbítero secular do hábito de S. Pedro, que ali exerceu suas atividades sacerdotais entre 1765 e 1824.
Com o correr do tempo estas sesmarias foram, em conseqüência da morte de seus proprietários, fragmentando-se em fazendas. Assim, na Carta Topográfica da Capitania do Rio de Janeiro, datada de 1767, já encontramos assinaladas três importantes fazendas entre Fagundes e Cebolas: Pampulha, Boa Vista e Rocinha, às quais não tardaram a se juntar outras.
Ao longo da Variante do Caminho Novo as tropas de muares asseguravam e mantinham a circulação de produtos e mercadorias, contribuindo para que surgissem ao longo do referido caminho inúmeros pousos e ranchos, destinados ao abrigo de tropeiros, cargas e animais.
Os ranchos, que no dizer de Goulart “eram longos telheiros cobertos, tendo à frente às vezes uma varanda de postes de madeira ou pilastras de tijolos” (5), por vezes, deram origem a povoados e vilas.
(5) GOULART, José Alípio. Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil. Rio de Janeiro, 1961, p. 174.
Os visitantes estrangeiros que percorreram a variante de Bernardo Soares de Proença fazem referências aos seguintes ranchos, existentes entre o Sumidouro e Secretário: Rancho da Fazenda Sumidouro, a respeito do qual Freireyss afirma: “Com satisfação fui recebido no Sumidouro” (6); Sítio do Alferes Caetano, mencionado por Cunha Matos como “um rancho e casa pequena”; e Rancho do Almeida onde pernoitou o citado viajante que assim o descreveu: “aberto, tem um venda imunda; o cheiro das cangalhas das bestas é insuportável; o alarido dos animais ensurdecedor” (7).
(6) FREIREYSS, George Wilhem. “Viajando ao interior do Brasil nos anos de 1914-1918”, p. 163.
(7) CUNHA MATTOS, José Raimundo da. “Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará em 1823”. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, 1836, p. 12.
Barreiros, em seu interessante trabalho “Dom Pedro Jornada a Minas Gerais em 1822” chega à conclusão de que “as terras do Alferes Caetano correspondem à atual Vila de Pedro do Rio, 4º Distrito de nosso Município” (8).
(8) BARREIROS, Eduardo Canabrava. “D. Pedro Jornada a Minas Gerais em 1822”. Livraria José Olympio Editora, 1973, p. 33.
Retornando às terras do Secretário, “seu filho e herdeiro Antonio Pegado de Carvalho vendeu a Sebastião de Araújo Amares 400 braças de testada com meia légua de fundos; doou a seu genro Eugênio Viegas de Proença 600 braças de testada e vendeu a Manuel da Costa Guimarães o resto da Sesmaria” (9). É o que nos informa o pesquisador Francisco Vasconcellos após minuciosa pesquisa nos autos existentes no foro de Paraíba do Sul.
(9) VASCONCELLOS, Francisco de. “Petrópolis do Embrião ao Aborto”. Petrópolis, Revista Continente Editorial, 1981, p. 81.
Atribui-se a Manuel da Costa Guimarães a construção da Capela de Nossa Senhora da Lapa, com provisão de 29 de abril de 1763, tendo o bispo D. Frei Antônio do Desterro Macheyro lhe concedido uso da pia batismal. Trata-se pois de uma das mais antigas de nosso Município, uma verdadeira relíquia do passado, que nunca mudou de lugar e sempre se manteve muito bem conservada.
Posteriormente foram as terras de Manuel da Costa Guimarães adquiridas pelo Padre Antônio José Leal Penafiel, português, radicado no Rio de Janeiro, onde consta que mantinha ótimas relações com as autoridades que lhe foram contemporâneas. Além de exercer suas atividades sacerdotais na capela da fazenda, administrou com grande zelo sua propriedade “construindo ampla e confortável sede em sobrado e abrindo na grande gleba vários sítios, núcleos de seu desenvolvimento agrícola” (10).
(10) SILVA, Pedro Gomes da. “Capítulos da História de Paraíba do Sul”. Paraíba do Sul, 1991.
O Padre Penafiel criou uma afilhada, Mariana Rosa de Jesus que se casou com um jovem que ele mandara vir de Portugal, João Manuel Rodrigues Caldas. Em conseqüência desta união surgiu uma das maiores, mais antigas e mais prestigiosas famílias da região do Secretário, a família Rodrigues Caldas.
O ilustre sacerdote faleceu em 4 de julho de 1824, em idade avançada, deixando todos os seus bens no Brasil para os filhos de João Manuel e Mariana Rosa. O inventário durou entretanto cerca de 23 anos, só se encerrando em 1847, sendo desconhecidas as razões de tamanha demora.
Em 13 de dezembro de 1879 o jornal “O Mercantil” publicou interessante matéria intitulada “A Questão da Fazenda Fagundes Novo” (11).
(11) O Mercantil, Petrópolis, 13 de dezembro de 1871, p.2.
Na oportunidade, o conceituado órgão de imprensa refere-se a uma ação movida por Antonio Gonçalves Pereira e sua mulher contra Bernardo Ferraz de Abreu e outros herdeiros do Padre Penafiel, pretendendo uma demarcação entre suas terras e a dos herdeiros do citado sacerdote.
Alegavam os autores da ação que “o Padre Penafiel vendera 400 braças de terras das que possuía e ainda desmembrou das terras que comprara à viúva Francisca de São Felix, 86 braças que passaram a constituir a Fazenda do Calembi” (12).
(12) O Mercantil, Petrópolis, 13 de dezembro de 1871, p.2.
Afirmavam os réus que “a linha divisória entre as terras da Rocinha e do Calembi, e as terras partilhadas era um valo; linha esta que foi aviventada em 1840 por mais de uma medição extra judicial sem oposição dos autores” (13).
(13) O Mercantil, Petrópolis, 13 de dezembro de 1871, p.2.
Entretanto, os que moveram a ação alegando “que o Padre Penafiel só podia transmitir a seus herdeiros as terras que possuía, deduzida as que vendera… Que o valo foi sempre considerado pasto ou lavoura e nunca linha divisória das terras dos autores” (14), requereram nova medição judicial, tendo sido a intenção dos mesmos julgada procedente.
(14) O Mercantil, Petrópolis, 13 de dezembro de 1871, p.2.
Dos herdeiros do Padre Penafiel, no ano em que se encerrou o inventário (1847), vale a pena destacar Bernardo Ferraz de Abreu, proprietário das fazendas da Cachoeira e Oriente, o qual se projetou na vida política, ocupando por duas vezes o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Petrópolis, de 31 de outubro de 1870 a 16 de novembro do mesmo ano e de 30 de dezembro de 1870 a 11 de outubro de 1872.
Bernardo Ferraz de Abreu possuiu residência em Petrópolis, à Rua D. Maria II, hoje Tiradentes e uma chácara na Westphalia. Foi casado com D. Mariana Rosa de Jesus.
O filho do casal, Dr. Carlos Ferraz de Abreu foi um notável magistrado que ocupou, conforme informa Silva, “os cargos de Juiz de Direito em Valença, chefe de polícia no Paraná e presidência da província de Santa Catarina” (15).
(15) SILVA, Pedro Gomes da. “Capítulos da História de Paraíba do Sul”. Paraíba do Sul, 1991, p.147.
O neto do Visconde de São Bernardo, Eugênio Ferraz de Abreu, foi diplomata, tendo servido em várias legações e a neta, Ana Ferraz Caldas, casou-se com o Dr. José de Barros Franco Júnior, renomado político, um dos fundadores do partido republicano em nosso Município e grande fazendeiro no 4º distrito.
Outro herdeiro do ilustre sacerdote foi o Dr. Antônio José Rodrigues Caldas, médico, que ocupou em Cebolas o cargo de juiz de paz.
Seu filho, o Dr. João Rodrigues Caldas, nascido na Fazenda do Secretário, passou sua infância em Petrópolis. Médico formado pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, recebeu ainda como estudante o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa, pelos relevantes serviços que prestou por ocasião de uma terrível epidemia de febre amarela que, em 1876, assolou a Capital do Império. Teve seu nome ligado aos manicômios de Barbacena, em cuja direção permaneceu durante vários anos, e ao de Jacarepaguá.
Em Barbacena, segundo relata Garden, “… fez-se muito querido e admirado, pela magnanimidade do coração e pelo irradiar da viva inteligência adornada de vastos conhecimentos” (16).
(16) GARDEN, C. “Flagrantes de Petrópolis”. Rio de Janeiro, Empresa “A Noite”, 1943, p. 183.
Dedicou-se ainda o Dr. Caldas à lavoura do café, tendo inclusive representado governo de Minas no Convênio de Taubaté, em 1907.
Foi casado com Carlota Ferraz Caldas e o filho do casal Pedro Paulo Rodrigues Caldas foi médico de nomeada em nossa cidade.
Outra herdeira, Maria Adelaide, foi casada com o Comendador Joaquim Antônio dos Passos, o qual se tornou em conseqüência, proprietário da Fazenda do Alto Pegado. A ele também se deve a construção do palacete que ainda hoje se encontra na Praça da Liberdade, e vem sendo, recentemente, cenário de exposições de gravações de telenovelas.
Todavia, uma das figuras mais expressivas da região nos primórdios da República, foi, sem dúvida, o Dr. José de Barros Franco Júnior.
Nascido no Rio de Janeiro em 1861, fez seus estudos no Colégio São Francisco de Paula e no Colégio Pedro II, diplomando-se em 1882 pela Faculdade de Direito de São Paulo.
Pouco depois de seu casamento com D. Ana Ferraz Caldas, neta do Visconde de São Bernardo, veio para a Fazenda da Cachoeira, onde permaneceu até a sua morte, ocorrida em 1938.
Como fazendeiro, segundo nos informa Fróes “foi um dos pioneiros da plantação científica do café no Brasil, de acordo com os novos métodos que então começavam a ser postos em prática” (17).
(17) FRÓES, José Kopke. “Centenário do Dr. Barros Franco”. In: Jornal de Petrópolis, 22 de outubro de 1961, p.6.
Como político teve uma brilhante, longa e proveitosa carreira, ocupando inúmeros cargos eletivos.
Assim, eleito deputado estadual, foi um dos que mais contribuíram na elaboração da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em 1892. Tal fato, ligado à operosidade de sua atuação na Assembléia lhe valeram a eleição como deputado federal a nada menos de quatro legislaturas (1894-1896; 1897-1899; 1900-1902 e 1906-1908).
Em Petrópolis, foi igualmente eleito um grande número de vezes como vereador à Câmara Municipal, ocupando a presidência da mesma nos anos de 1913, 1914 e 1915, ocasião em que o Presidente da Câmara representava o poder executivo. Posteriormente, quando já implantado o regime de Prefeitura, voltou a ocupar o referido cargo nos anos de 1919, 1921, 1922 e 1923, substituindo por diversas vezes o prefeito Oscar Weinschenck, inclusive por ocasião da honrosa visita que nos fez o Rei Alberto da Bélgica.
Graças à sua iniciativa foi criado o 4º Distrito, atual Pedro do Rio, foram construídas duas pontes de ferro, uma em Pedro do Rio, outra em Fagundes, das primeiras metálicas construídas no Estado, bem como a Escola de Secretário, cujo terreno foi por ele doado.
Artur Alves Barbosa traçou muito bem o seu perfil ao defini-lo como “um homem íntegro, desassombrado e ilustrado, ao qual não faltaram oportunidades magníficas para revelar a nobreza de seu caráter impoluto que colocava acima de tudo, a finalidade dos seus ideais e a lealdade aos amigos e correligionários”.
Saudosa recordação evocam também as figuras do major Theóphilo de Carvalho, fazendeiro na Rocinha e que, segundo nos informa Schaette, “era um espírito culto e comunicativo, que teve largo conhecimento das pessoas e fatos do município” (18); de seu irmão o capitão José Carvalho Júnior, coletor estadual e que, tendo sido nomeado prefeito pelo interventor do Estado Ary Parreiras, realizou proveitosa administração, introduzindo vários melhoramentos na cidade e nos distritos, bem como amparando as casas de caridade e a educação e do Dr. José Gabriel de Almeida Paim, político e médico renomado que se destacou no combate à epidemia de varíola que, por volta de 1904, quase dizimou a população do Rio Pequeno.
(18) SCHAETTE, Estanislau Frei. In: Pequena Ilustração, Petrópolis, 28 de abril de 1940, p.8.
O Dr. José Gabriel de Almeida Paim era grande amigo do Dr. José de Barros Franco Júnior e militou na vida política, sendo eleito vereador para o biênio 1901-1903. Em 1907, foi eleito deputado à Assembléia Legislativa do Estado.
Como médico, conforme depoimento daqueles que o conheceram, dedicava-se desinteressadamente à profissão, atendendo aos enfermos pobres, sem nada receber em troca, a não ser a gratidão daqueles que curava.
Faleceu em Petrópolis, em 15 de março de 1908, sendo sepultado no cemitério municipal.
A estes primeiros povoadores e animadores do progresso desta importante parcela do território do 4º Distrito, nossa reverência e nossa profunda gratidão e admiração.