“TOCA PRO GABRIEL!” – TEATRO EM PETRÓPOLIS
Arthur Leonardo de Sá Earp, Associado Titular, Cadeira n.º 25 – Patrono Hermogênio Pereira da Silva
No dia 12 de julho deste ano passei por duas grandes emoções. Uma estava sendo curtida fazia tempo. A outra, e maior, foi inesperada e me atingiu quando acabava a reunião do Instituto Histórico de Petrópolis.
A emoção aguardada foi, como se sabe, a de dar por inaugurado ali, de acordo com a pauta, o Acervo Histórico de Gabriel Kopke Fróes via Internet, no endereço www.earp.arthur.nom.br . A partir de então, desde o término da palestra daquela noite, qualquer pessoa poderia consultar tudo o que já existe transcrito, hoje em cerca de 12.300 entradas, dos dados colecionados pelo estimado amigo e sócio fundador do Instituto.
Quase ao findar a apresentação, afirmei que utilizar o acervo era o primeiro passo de qualquer estudo sobre Petrópolis.
Sem dúvida, é certo que as anotações de Fróes, por sua amplitude, hão de fornecer na maior parte dos casos alguma pista para o aprofundamento da pesquisa que se pretenda fazer.
Como exemplo, vale publicar aqui, para delícia dos que investigam a história do teatro em nossa cidade, o texto de um manuscrito do acervo.
É o seguinte, constante do registro 10446 do arquivo ama03001:
“COLÉGIO DE SÃO VICENTE DE PAULO
Caixa Postal 332
Rua Coronel Veiga, 550
Petrópolis, R. J.
Fone 3032
Petrópolis, 29 de Junho de 1963
Meu caro Gabriel
Junto, o que você me pediu sôbre o que sei do movimento teatral em Petrópolis. Se estivesse em casa, com tudo à mão e com a comodidade que aqui na enfermaria do Hospital não chega a ser mínima, outro teria sido o meu atendimento ao pedido do amigo que tanto merece e sôbre um assunto que tanto me interessa. Daqui, e com muita dificuldade, só posso concorrer com estas notas esparsas sem redação e até mesmo sem português, o que você saberá perdoar a um professor que no momento se vê como um artífice sem ferramenta.
Falo muito em mim no que aí vai. Nem encontrei outro meio de expôr o que sei. Não veja nisso uma vaidade, e muito menos uma insinuação. Pois nem sei o feitio que você pretende dar ao seu trabalho. Caso encontre para êle qualquer subsídio na minha xaropada hieroglífica, pode dispôr sem receio, pois que tudo é verdade, e dela dou fé.
Com o abraço amigo de quem ainda fica gostosamente às suas ordens
B Coiai”.
A carta é acompanhada de 19 folhas por igual manuscritas, cujo conteúdo se acha no registro 10446,01. O professor Benedicto Coiai assim começa o relato de suas lembranças: ” Admirador que sempre fui da Arte de Representar, procurei informar-me desde que aqui cheguei (1910) do movimento teatral amadorístico em Petrópolis.”
No correr de seu escrito, consigna: “Essa auspiciosa aquisição atraiu vários outros elementos de valor, e cogitou-se na organização do Grupo Cênico de Petrópolis, com séde então na Escola de Música de S. Cecília, num acanhado salão com pequeno palco que já servia às exibições cinematograficas para os socios da benemerita fundação de Paulo Carneiro, na confluência das ruas General Osório e M.al Deodoro. Começa então o tempo áureo dêsse conjunto. Com o apoio que lhe emprestou a Escola, nas pessoas dos seus incansáveis diretores Reynaldo Chaves e Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos, passou a chamar-se “Grupo Cênico de Santa Cecília”.
Em outra parte conta: “Então, o público petropolitano pôde assistir a espetáculos de arte dramática que em nada ficaram a dever às companhias profissionais. Os dramas “Os Dois Sargentos”, “Amor e Ciúme”, “Fé, Esperança e Caridade” e a comédia “O Tio Padre”, ou “Empresta-me tua mulher”, tiveram, na opinião de artistas profissionais do Rio, desempenho digno das mais cultas platéias. A êsse grupo coube também a iniciativa de levar à cena, talvez pela 1ª e única vez no Brasil, a inigualável cena simbolica de Menotti del Picchia “Máscaras”, com Carmélia Machado Ramos, em Colombina; Bendicto Coiai, em Pierrot e Reynaldo Chaves, em Arlequim.”
E, mais além, revela: “Já consagrado poeta e brilhante jornalista, o sr. Reynaldo Antonio da Silva Chaves, animado pelo valor do Grupo Cênico Santa Cecília deu asas à sua veia de teatrólogo, e produziu mais de uma dezena de peças curtas ou longas, algumas brilhantemente criadas por êsse grupo. É bom ressaltar que o teatro de Reynaldo Chaves constitui uma escola. O autor simplesmente imagina e esboça as peças. O artista completa-as com a interpretação e as constróe sôbre os alicerces do autor.”
Do resumo integral de Coiai muito há a extrair pelo amante da história. Os pequenos trechos aqui reproduzidos foram apanhados ao acaso.
Este é apenas um exemplo, mas importantíssimo, das preciosidades que Gabriel Kopke Fróes reuniu.
Foi por causa de comentário sobre uma das minhas frases, a de que o primeiro passo de qualquer pesquisa é consultar o acervo de Fróes, que a segunda emoção me assaltou, como se fosse aquela, intensíssima, de ter acertado um alvo que existia mas que não se via.
Após minhas palavras, podendo a assistência se manifestar, a senhora secretária Dora Maria Pereira Rego Correia, sempre competente, atenta e atenciosa, disse ser muito cabível a sentença por mim usada porque ela se lembrava bem de que, toda a vez em que ocorria alguma indagação sem resposta lá no Museu, o professor Lacombe, com seu jeito muito próprio, logo ordenava: “Toca pro Gabriel!”
Se assim agia quem foi reconhecida autoridade na matéria, não sou eu quem vai estar aqui a dizer alguma novidade! Pensei, arrepiei-me e me calei, agradecendo o testemunho da amiga Dora.
Ontem o telefone levava à fonte segura da informação. Hoje a linha telefônica traz a fonte. Pena que do outro lado já não se tenha a voz viva solucionando a questão. De qualquer modo, “Toca pro Gabriel!”.