O TRATADO E A SOBERANIA DA AMAZÔNIA
Antônio Eugênio de Azevedo Taulois, Associado Titular, Cadeira n.º 29 – Patrono Luiz da Silva Oliveira
A questão acreana, decidida pelo Tratado de Petrópolis tem certos desdobramentos que não podem ser subestimados, alguns deles repercutindo até os dias atuais. O recente centenário desse importante acordo diplomático foi comemorado com destaque no Acre e na cidade serrana onde ele foi decidido. Trata-se da mais complexa questão de limites enfrentada pela diplomacia brasileira, levando em conta os vultosos interesses econômicos internacionais envolvidos, seus profundos aspectos sociais e humanos, além do enorme risco da interferência estrangeira na soberania da Região Amazônica.
A prolongada seca nordestina de 1878 e a demanda internacional cada vez maior de borracha provocaram uma corrida aos seringais naturais amazônicos, muito semelhante à corrida do ouro dos tempos coloniais. O Acre boliviano da época, foi ocupado por uma numerosa população brasileira de trabalhadores mas, vinte anos depois, o governo boliviano começou a cobrar taxas aduaneiras elevadas sobre a produção, provocando inquietação e agitação entre os seringalistas. O presidente Campo Salles não só não se envolveu no caso, como ainda afirmou ser aquele um território realmente boliviano. Seguiu-se então uma sangrenta revolta quando os brasileiros prenderam as autoridades bolivianas, obrigando o governo da Bolívia, sem recursos e nem meios de resolver a situação, firmar um contrato com um consócio anglo-americano, o que hoje seria uma multinacional, o Bolivian Syndicate, dando-lhe poderes excepcionais para agir, como cobrança de impostos e uso de força armada para resguardar os interesses nacionais na região. No início da era do automóvel, as seringueiras eram a única fonte disponível de borracha industrial, tornando a presença estrangeira na região, ávida pela hévea brasiliensis, com similares extraídos em poucos locais no mundo, um grande risco para todos os países vizinhos. Impressionado com a arbitrariedade do ato, o Congresso Brasileiro suspendeu as relações do Brasil com a Bolívia, ao mesmo tempo em que um gaúcho na região, ex-aluno da Escola Militar, o agrimensor José Plácido de Castro reuniu os seringalistas, enfrentou e expulsou bolivianos e norte-americanos da região, e proclamou o Estado Independente do Acre. Assim, eliminou a ameaça do domínio estrangeiro na Amazônia e a conseqüente distribuição da borracha amazônica para todo o mundo. Restava agora enquadrar aquela solução de força no direito internacional o que se afigurava um apuro diplomático complexo, embaraçoso e desfavorável ao Brasil, envolvendo os Estados Unidos, o Reino Unido e a Bolívia.
Esse era o cenário que o presidente Rodrigues Alves recebeu no início de seu mandato, incluindo aí a opinião pública chocada com as centenas de brasileiros e bolivianos mortos e feridos nos combates. Passar a questão ao arbítrio internacional nem pensar pois era perda na certa, uma vez que Campos Salles havia reconhecido a soberania boliviana na área. Na opinião do embaixador Rubens Ricupero, conceituado diplomata, as divisões e divergências provocadas hoje pela implantação da ALCA são de pequena monta comparadas à complexidade do problema acreano, agravada pela comoção pública quanto à sorte daqueles brasileiros que não queriam a soberania boliviana por não demonstrarem nenhuma identidade com ela. Rodrigues Alves passou o impasse para seu Ministro do Exterior, o Barão do Rio Branco, que, segundo Gilberto Freire, “marcou significativamente a vitória da diplomacia brasileira contra a pior forma de imperialismo anglo-americano”. Concluímos que tinha razão o mestre pernambucano, quando comparamos esse episódio com a Guerra do Ópio na China, a Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia e com outros atos semelhantes contrários aos interesses desses países como os que aconteceram na África do Sul, no Panamá, na América Central etc.
Em nenhuma outra questão de limites territoriais, revelou o Barão tanta perícia diplomática no uso do poder que tinha nas mãos. O problema, eminentemente político pois o fator humano era prioritário, não poderia ser resolvido por via histórica e geográfica como em outras vezes quando as regiões eram desabitadas. Rio Branco foi realista e objetivo: “Temos que adquirir o Acre pois ele não nos pertence e está habitado por brasileiros.” Após longo estudo e demoradas conversações, para as quais o Barão preferiu a quietude da rua Westphalia, em Petrópolis em lugar da agitação do Itamaraty, surgiram as propostas que foram aceitas para ser firmado o Tratado de Petrópolis. O Acre foi adquirido pelo equivalente a US$ 180 milhões, mais cerca 3000 km2 de terras em Mato Grosso que permitiria aos bolivianos o acesso ao Rio Paraguai e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, para escoamento de seus produtos pelo Rio Amazonas. O Bolivian Syndicate recebeu indenização de US$ 200.000. Essa solução “…onde todos ganham alguma coisa.”, na opinião do Barão, foi duramente criticada na Câmara, no Senado e também pela imprensa, sob a alegação de favorecimento à Bolívia. Tratava-se certamente da oposição ao governo Rodrigues Alves.
Aquele impasse era uma bomba que há anos ameaçava a nossa política interna e externa e foi resolvido em menos de um ano após a posse do Barão do Rio Branco no Ministério do Exterior. Esse epílogo conclusivo mostrou o seu senso de medida, seu espírito de conciliação e a lisura de suas atitudes, descartando qualquer anexação camuflada do território sublevado. Um ponto de honra na história do Estado do Acre.
Tanto o Brasil, como Bolívia, Colômbia, Peru e Venezuela também devem ao Barão do Rio Branco, a neutralização da primeira tentativa séria de ocupação estrangeira da Amazônia. Hoje essa pretensão retorna com freqüência. Recentemente, em uma conclave internacional sobre segurança continental em Buenos Aires, os mapas dos países amazônicos foram apresentados sem a parte da floresta que cabe a cada um. Essa questão terá de ser decidida pelos nossos “Rios Brancos” de hoje..