UMA HISTÓRIA PARA TERESA

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira n.º 14 – Patrono João Duarte da Silveira

A fazendola do sargento Vieira Afonso – o Córrego Seco – só tinha acesso por um caminho que vinha lá do Porto da Estrela, na margem esquerda do rio Suruí, constituído por uma estreita trilha aberta no meio da espessa mata atlântica. Até a garganta que dá início à hoje rua Teresa subiam os viajantes pela “calçada de pedra”, construída entre os anos de 1802 a 1809, por ordem do príncipe regente D. João, em carta régia de outubro de 1799 dirigida ao vice-rei do Brasil Conde de Resende e uma outra, em seguida, de novembro de 1800 ao vice-rei Dom Fernando José. O príncipe regente mudou a Corte para o Rio de Janeiro em 1808, quando a “calçada de pedra” estava em fase de conclusão, a ele cabendo, em julho de 1809, inaugurá-la pessoalmente.

A “calçada” mostrou-se, em pouco tempo, inadequada para o tráfego que se expandia, ganhando a região um traçado novo que a utilizava e adiante a cortava, a Estrada Normal da Estrela. No Alto da Serra iniciava-se a descida ao Córrego Seco para atingir o caminho rumo a Minas Gerais.

Dom Pedro I adquiriu a Fazenda do Córrego Seco, depois herdada por seu filho Dom Pedro II, este fundando o povoado de Petrópolis pelo Decreto Imperial 155 de 16 de março de 1843. Uma história muito contada e bastante conhecida e pesquisada. D. Pedro I por ela transitou em suas andanças pelas terras do Império. Em 1822 sua comitiva bateu cascos e rangeu rodas por seu caminho indo e vindo da proclamação de nossa independência. O major Júlio Köeler, em seus trabalhos de engenheiro da Província, acampava com sua tropa no Alto da Serra, inclusive acompanhado da esposa Sra. Maria Delamare Köeler. No Alto da Serra havia estábulos para os cavalos, rancho e alojamentos para viajantes.

Na planta de Petrópolis de 1846, dois quarteirões aparecem, dentre os 13, como fundamentais para a expansão do povoado; o “Vila Imperial”, centro da colônia e o “Vila Teresa”, a hoje afamada rua Teresa. Na referida planta Teresa limita-se com os Quarteirões Vila Imperial e Castelânea. O topônimo homenageia a Imperatriz Teresa Cristina, discreta esposa do Imperador Dom Pedro II, enquanto este ganhava os louros da denominação geral do povoado.

O Quarteirão Vila Teresa foi dividido em prazos de terras, destinados às famílias alemães de João Hang, Jorge Diehl, Jacob Braun, Júlio Boeck, Pedro Klein, Jorge Roggenbach, Nicolau Benchel, Jorge Sommer, Frederico Goetz, Martin Michel, João Pedro Karl, Nicolau Schmitz, Henrique Falhauber, Henrique Winter, Felipe Linck, Antônio Klein, Daniel Theissen e Pedro Stoffel.

Por Teresa entrava-se em Petrópolis, por Teresa caminhava-se para Minas Gerais, em veículos de tração animal e a cavalo. Mais tarde, a partir de 1883, as brasas incandescentes e a fuligem desprendida das composições férreas mudaram a forma de acesso mas não o caminho, agora com duas vertentes subindo quase lado-a-lado, uma pela estrada carroçável, a outra, férrea.

Teresa era o portão de Petrópolis e sua extensão, de 2.200 metros bem povoados recebia os viajantes. Memoráveis as recepções feitas no correr da artéria quando a Família Imperial chegava a Petrópolis para o veraneio e quando retornava para a Corte. A rua era enfeitada de flores, as casas exibiam colchas coloridas e bandeiras, vivas ecoavam, acenos misturavam-se ao burburinho das vozes em festa. A profusão de carruagens estabelecia imponente e alegre cortejo em direção ao Palácio Imperial. O povo acompanhava, adensando-se à medida do avanço da comitiva pelos caminhos da Teresa, em festa e multicolorida. Pode-se afirmar que a vocação de muitos e muitos visitantes hoje subindo e descendo a rua Teresa, tem suas raízes naqueles tempos de orgulho e prestígio de Petrópolis como capital sazonal do Império.

A rua Teresa adensou-se de construções residenciais e mistas para as atividades comerciais. Era o único portão de entrada para o povoado. Nenhum outro senão Teresa, até que o presidente Washington Luís inaugurou a Estrada Rio Petrópolis, no ano de 1928, ligando Petrópolis ao Rio de Janeiro diretamente por estrada para automóveis. Permaneceu na rua Teresa o transporte ferroviário, com larga estação de muda para atender ao sistema da cremalheira.

Com a instalação das oficinas da “Leopoldina Railway” (hoje, no local, o grande complexo habitacional construído pelo BNH), as indústrias chegaram, primeiro a “Dona Isabel” em 1889; em seguida a “Cometa” em 1903, sob a direção do Dr. Amoroso Lima, pai do grande Alceu de Amoroso Lima, que vinha funcionando com imponente prédio no Meio da Serra, aos poucos transferindo-se para o Alto; a “Petrópolis Fabril”, de malhas, produzindo tecidos e confeccionando camisas e meias em 1904 e destruída por incêndio em 1913, todas do ramo têxtil. Pode-se considerar sucessora legítima dessa primeira atividade malharista da rua Teresa, a “Malharia Soares de Sá”, fundada por um dos diretores da “Petrópolis Fabril”, Manoel Soares de Sá, em fins de 1916, em sua casa na rua Teresa, magnificamente continuada no âmbito familiar.

Uma indústria importante e a mais antiga da rua, foi a “Serraria Falhauber”, fabricante de janelas e portas para o Palácio Imperial, em construção nos primeiros anos de Petrópolis. Essa firma funcionou até 1919. Todas elas utilizavam-se da força hidráulica captada através dos riachos que serpenteavam pela Serra da Estrela. No entorno das indústrias cresceram as vilas operárias edificadas pelas empresas. Uma enorme comunidade obreira torna o Alto da Serra em turbilhão de trabalho e desenvolvimento e a rua Teresa em misto residencial, com muitos chalés e industrias. Adensa-se, próximo ao terminal do trem do Alto da Serra, o complexo de casas operárias, obedecendo a um traçado simples e dispostas em vila, como na Europa. Cria-se um sítio de convivência entre as duas atividades, as casas operárias e os chalés de alguns veranistas. A Teresa, das poucas curvas urbanas, é paixão e encanto de Petrópolis.

O jornalista Bartolomeu Pereira Sudré instala o primeiro jornal petropolitano – “O Mercantil” – no final da reta no Alto da Serra no ano de 1857. Dezenas de anos mais tarde, dentro do ramo, o tipógrafo Luiz del Valle, em Teresa número 142, atende a toda imprensa local com sua oficina de clichês.

No Alto da Serra é edificada a capela de Santo Antônio, hoje matriz, obra dos frades franciscanos, onde o extraordinário Frei Leão OFM faz quartel de bondade e larga ação social, uma extraordinária figura do quarteirão reverenciado sempre pelas famílias, na maioria beneficiadas pelo carinhoso desprendimento do bom frade.

A música chega pelo Clube Euterpe, fundado em 1901, orgulho do bairro.

A arquitetura residencial e comercial implantada na rua Teresa, no decorrer de 100 anos desde a fundação do povoado, foi eclética, misturando-se as casas de um pavimento, com varandas, lambrequins e outros ornatos aos complexos industriais montados sob o modelo europeu, predominante, também, no restante da cidade. Margeando toda a extensão da rua, as casas, ora têm jardins fronteiros, ora se apresentam, com portas e janelas diretas junto aos meios-fios. Nessas construções, propositadamente ou por necessidade, alinhava-se o comércio à residência. Estas por detrás de muros e grades de ferro e madeira, com portões estreitos, em tempos de nenhuma necessidade de garagens.

Bons estabelecimentos comerciais funcionavam na rua Teresa, de diversos gêneros, de múltiplas atividades, em histórias de muitas lutas, como o Café-Luso Brasileiro de belo prédio esquinado, ainda de pé; a famosa oficina mecânica de Niquinho, como era conhecido Antônio de Souza Lordeiro (hoje com prédio novo da Igreja Mórmon); a Casa Rumayor, de bicicletas de aluguel, de grande movimento na época do veraneio; a confecção Tecosa, de excelentes criações; a bela Pensão Vila Teresa, com seu varandão envidraçado em verde e branco; a grande Padaria Modelo inaugurada em 1915.

No final da reta do Alto da Serra, vindo da Estrada Velha, mantinha sua residência sazonal o Conde de Afonso Celso, em casa de beira de rua, denominada “Vila Petiote”, que herdara do pai, o Visconde de Ouro Preto; o Coronel Carlos de Suckow Joppert, residia em belíssimo e invejado palacete, a “Vila Joppert” de dois amplos pavimentos; a família Batista de Castro com monumental palacete no estilo das mansões da avenida Köeler, onde hoje está o conjunto habitacional da rua Chile; o solar da Baronesa Araújo Maia, de estilo mais simples, porém sobressaindo sobre o casario modesto dos habitantes fixos; e tantas e tantas famílias de residentes fixos e sazonais, que se misturavam ao burburinho operário que fazia da rua Teresa um recanto cosmopolita de muita fascinação. O “Álbum Guia da Cidade de Petrópolis”, editado em 1919, assinalava a existência de 206 prédios, desde o Alto da Serra até o limite com a rua Aureliano Coutinho.

A Companhia Brasileira de Energia Elétrica explorava, desde 1912, as linhas de bondes, divididas em três zonas, a 1a percorrendo o Centro Histórico, com extensão até a entrada da Mosela e levando até o almoxarifado, no Bingen, servindo ao Hospital Santa Teresa; a 2a zona percorrendo os bairros centrais e toda a rua Teresa com circular pela Saldanha Marinho; a 3a zona estendendo-se até o distrito de Cascatinha. A linha denominada “Alto da Serra” partia defronte da Estação da Leopoldina, descia a rua Teresa em toda a extensão, dobrava na rua Visconde de Bom Retiro, percorria as ruas Caldas Viana e Imperador em toda a extensão, subindo pela Nelson de Sá Earp, cortando a Praça da Liberdade na direção da Roberto Silveira, virando para a Sete de Abril, subindo e descendo a Monte Caseros, virando na Piabanha, Treze de Maio, Tiradentes, Imperatriz, Praça Dom Pedro, retomando a Imperador e todo o trajeto de retorno via Caldas Viana até o Alto da Serra. Na década de 20 a companhia criou outra linha “Alto da Serra”, partindo do mesmo terminal, com o mesmo trajeto até a Imperador, quando subia, não mais a Nelson de Sá Earp, mas, pela direita, atravessava a ponte e ganhava a General Osório, Aureliano e toda a extensão da rua Teresa até o final. Quando foi extinto o serviço de bondes em Petrópolis, coube à linha da rua Teresa a partida do último carro para a cidade, a 15 de julho de 1939, recolhido à garagem na rua Padre Siqueira, onde hoje estão as garagens da Fácil/Única.

O trem era a atração maior da rua Teresa. A estação de muda do Alto da Serra, da “Leopoldina Railway”, regurgitava de passageiros vindos de todos os lugares e muitos deles desciam ali, não realizando o restante do percurso até a estação da rua Dr. Porcíúncula, no centro, muitos por medida preventiva para evitarem contratempos no desembarque no terminal. Um exemplo foi a chegada do 1o prefeito de Petrópolis, Oswaldo Cruz, que ficou na Estação do Alto da Serra para driblar a homenagem que estava preparada no terminal, descendo a rua Teresa de automóvel e surgindo de surpresa diante dos atônitos funcionários do Palácio Amarelo. Disse Oswaldo Cruz, após cumprimentar a todos: “Por favor, quero ver o Caixa!”.

Um outro que ficou no Alto da Serra foi o prefeito nomeado Stephane Vanier, no dia 31 de dezembro de 1934, rejeitado integralmente pela cidade e que, diante da manifestação popular hostil que estava preparada no centro da cidade, voltou dali mesmo para o Rio de Janeiro.

O “ruço” natural, marca registrada da rua Teresa e de seu Alto, não se mistura mais à fumaça das locomotivas que subiam e desciam por brechas por detrás do casario da rua Teresa e pela rua Dr. Sá Earp, mas que, atingindo a rua Teresa, corriam pelo acostamento da artéria, diante do casario das vilas operárias. Também não se mistura mais à densa fumaça saída pelas chaminés das grandes fábricas, todas criadas em função das linhas férreas, transportadoras da matéria prima e distribuição da produção acabada. Com a criminosa ação política de extinção dos ramais ferroviários, as indústrias enfumaçaram, também, na lembrança da História. O bonde, igualmente, sendo extinto, deixou um vazio na artéria, acostumada ao ranger das composições sobre os trilhos, a eles juntando-se o resfolegar das locomotivas férreas. Uma artéria urbana marcada pelos trilhos do progresso ostenta hoje tráfego de automóveis, ônibus, caminhões e muita a muita gente deliciada com o comércio de malhas e correlatos.

A pincelada está longe de representar um bom quadro da rua Teresa, mas serve para abrir o estudo, interessar os historiadores, incentivar à pesquisa.

Hoje o rua Teresa é a capital nacional das malhas. É uma rua de grande movimento e de arquitetura comercial colorida e bordada e rebordada de incentivos às compras. Não é mais aquela, está adaptada à vida de hoje e cresce, para o futuro, de acordo com a moda e o bom gosto. Os chalés com lambrequins ficaram no passado, as grandes indústrias cederam espaços para as novas opções de exploração econômica, algumas casas operárias resistem com moradores que abrigam, ainda, descendentes de famílias do pioneirismo têxtil, os palacetes deram lugar aos “shoppings” e nenhum vestígio deles resta senão fotografias e depoimentos.

Paga-se um tributo pela evolução e progresso e a rua Teresa, totalmente reconstruída e adaptada às exigências de sua nova destinação, é exemplo vivo dessa transformação urbana de Petrópolis. Felizmente tem belo passado, tem história para ser escrita, alimenta uma saga de trabalho que incentiva os contemporâneos a honrá-la com a mesma garra dos antepassados.

Quando foi proclamada a República, 1889, os políticos não ficaram satisfeitos com o banir da Família Imperial; ampliando sua ação “saneadora” na mudança da nomenclatura urbana das cidades brasileiras cujos topônimos homenageassem nomes e fatos do Antigo Regime, em “Revolução Cultural” bem no feitio da paixão pela novidade. Petrópolis era um cortinado de homenagens urbanas a toda a Família Imperial e nobreza. De uma foiçada desapareceram os nomes de “Imperador” (15 de Novembro), “Imperatriz” (Sete de Setembro), para citar as mudanças mais conhecidas e que acabariam por retomar os designativos em posturas recentes. Curiosamente o nome de Teresa resistiu, não foi mexido, a homenagem à imperatriz continuou, talvez por um descuido ou por ignorância do vendaval republicano. Também escapou da foice frígia o nome do Município: Petrópolis, homenagem direta ao imperador deposto.

Por último, um tópico afetivo e revelador: eu nasci no casarão 1062, da velha rua Teresa, demolido para ampliação da Casa da Criança Antônio de Pádua, meritória obra da saudosa filantropa Katarina Monken. Sou, portanto, natural da nossa rua Teresa, quase no limiar do Alto da Serra. Daí, aproveitar esse bosquejo histórico para divulgar em bico-de-pena a minha casa que desapareceu para dar lugar às crianças que hoje ali são amparadas e educadas. Feliz destino que me conforta e me alegra muitíssimo.