UMA MENTALIDADE QUE SE ETERNIZA

Aurea Maria de Freitas Carvalho, ex-Associada Titular, Cadeira n.º 4 – Patrono Arthur Alves Barbosa, falecida

Dia em que se festeja o Zumbi dos Palmares, um feriado para comemorar o personagem que se tornou símbolo da luta contra a prática vergonhosa da escravização de seres humanos por outros seres humanos, da opressão de uma raça cuja única diferença consistia numa característica física: a cor.

Felizmente, há 113 anos tivemos uma princesa que se viu tocada pela sorte de tantos e tantos desgraçados que sofriam já do ponto de vista físico, pois havia senhores de escravos que lhes infligiam castigos desumanos despejando sobre eles sua crueldade insensata, como do ponto de vista moral começando pela humilhação de serem vendidos em mercados corno animais. A vida de alguns daqueles infelizes era mesmo insustentável e se assemelhavam as piores fantasias que até hoje se fazem do inferno.

Havia, na época da abolição da escravidão um grande movimento de almas já nem vou denominá-las boas ou caridosas – mas justas e sadias que se insurgiam contra essa abominável prática, sentindo-se mesmo envergonhadas e, até humilhadas, de viverem em um país que, sobretudo por questões financeiras, se sujeitava à execração mundial provocada por aquele estado de coisas.

As pressões políticas eram grandes, tanto no sentido de acabar com a escravidão como no sentido de deixar as coisas como estavam. A princesa Isabel, aproveitando a oportunidade de uma viagem de seu pai, o imperador Pedro II, que a colocou no trono como Regente, deu fim à tão deplorável pratica extinguindo a escravidão no dia 13 de maio de 1888.

Dia abençoado, dia em que os corações bondosos sentiram-se mais leves, dia luminoso para as almas bem formadas.

A liberdade no Brasil atingia a todos, independente de onde tivessem nascido ou de que cor fosse a sua pele. Todos eram livres

Mas aí começava um outro problema ao qual as nobres almas empenhadas no bem-estar dos escravos não haviam pensado: como iriam se sustentar aqueles ex-escravos, não tinham profissão, conheciam apenas os trabalhos que executavam para seus senhores, trabalhos de lavoura sem qualificação. A grande maioria deve ter continuado nas lavouras dos antigos donos. Quase nas mesmas condições anteriores apenas não podendo ser castigados fisicamente, mas carentes das condições de uma vida humana digna. Felizmente alguns já eram considerados quase como membros da família e ficaram como agregados, tendo casa e comida garantidas, outros ainda tiveram a sorte de contar com ex-senhores humanitários que os transformaram em empregados.

Passados os tempos de euforia o ato da princesa Isabel foi e é, considerado por alguns, como um ato impensado, motivado apenas por um coração feminino, sem sentido prático. Os que assim pensam esquecem-se que desde o tempo de D. Pedro I, seu avô, já se condenava a pratica da escravidão e que a idéia da abolição desta prática abominável nunca deixou de ocupar políticos, jornalistas e homens públicos.

O fato é que se angariavam fundos com a finalidade de comprar cartas de alforria, de manter os escravos alforriados porém nada foi feito no sentido efetivo de amparar os libertos no caso de uma alforria geral e nem criaram-se meios deles próprios se sustentarem.

Isto se passou há mais de cem anos, mas parece que a mentalidade pouco mudou. Ainda hoje se procura corrigir com energia fatos errados, ações que deixam a desejar. Assim tem sido na hora de acabar com instituições que não estão dentro dos padrões ideais de funcionamento, contra as quais surgem reclamações, às vezes, sobre a conduta de algum funcionário ou referentes à higiene ou contra as acomodações que não atendem às necessidades específicas de determinado tipo de deficiência como “barras de apoio” etc.

Assim foi feito, há pouco tempo, em nossa cidade quando as negociações entre as autoridades e a administração de uma clínica para crianças portadoras de deficiências físicas e neurológicas foram interrompidas e os pacientes do SUS, justamente os mais carentes e desamparados, foram abruptamente transferidos para hospitais, não especializados neste tipo de tratamento, sem condições de atendimento adequado, com conseqüências desastrosas.

Assim foi feito também com vários asilos para idosos. É uma verdade que há “asilos” que mais parecem campos de concentração de guerra, mas há aqueles cujas deficiências decorrem de falta de verba, da falta de conhecimento ou da pura e simples ignorância, às vezes.

As autoridades “competentes”, sem quererem aprofundar o que há por trás de certas situações, e, sem se preocuparem com o que estará reservado às pessoas que dependem daquela instituição, sem nenhuma preocupação de qual será o seu destino, apressam-se em apresentar um relatório muito bem feito, dar um prazo para o cumprimento das exigências que se não forem cumpridas a tempo ocasionarão a retirada pura e simples dos carentes que lá se encontram… para onde? Os que têm família, embora, talvez, sobrecarregada e sem recursos, ainda vão para algum lugar. E os que não possuem parentes nem quem os possa acolher’? E aqueles que podem até pagar, mas não encontram abrigo que possa recolhe-los? Às vezes os próprios internados pedem para ficar onde estão, sinal de que talvez já tenham estado pior!

Não seria melhor um pouco menos de açodamento em fechar e inviabilizar os locais onde se encontram e procurar primeiro um lugar conveniente para ficarem definitivamente ou, pelo menos, até solucionar os problemas, reverter as situações e tornar, senão ideais, pelo menos aceitáveis os locais onde se encontram uma vez que o ideal é difícil de ser atingido principalmente num pais de terceiro mundo? Seria mais humano e racional!