O TEMA É AINDA PAULO BARBOSA DA SILVA

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Não percamos de vista que o Conde Ney, no seu depoimento sobre o Mordomo da Casa Imperial, desencavado em boa hora por Alberto Rangel nas suas exaustivas pesquisas realizadas no arquivo D’Orsay, disse com todas as letras que Paulo Barbosa da Silva tornara mais regular a administração das terras imperiais, fazendo crescer as rendas, sendo por conseguinte digna de aplausos a maneira como cumpriu suas funções.

A leitura desse depoimento nos faz crer que o projeto Petrópolis almejava, antes de mais nada, aumentar as aludidas rendas. De que forma?

Até o advento do ato de 16 de março de 1843 e do conseqüente instrumento de contrato celebrado com Júlio Frederico Koeler, a fazenda do Córrego Seco não passava de um taperão, arrendado por inteiro a pessoas que pagavam um aluguel anual que pouco deveria representar na contabilidade da Casa Imperial.

A perspectiva do fraccionamento do solo dessa herdade e depois do das demais que se somaram a ela, através do sistema de facteosim ou enfiteuse, com pagamento de foros anuais pelo prazo aforado e suas eventuais subdivisões e laudêmio em face das transações inter-vivos a título oneroso, obviamente, haveria de proporcionar um maior faturamento para os cofres do senhorio direto, no caso, a Casa Imperial.

Era o ovo de Colombo a que as terras serranas serviam como nenhuma outra, caindo pois o projeto da colônia / povoação como uma luva nos planos de Paulo Barbosa da Silva, sempre de olho na receita de seu amo e senhor.

Na parceria com Júlio Frederico Koeler, o Mordomo matou vários coelhos com uma só porretada: fez crescer paulatinamente as rendas imperiais; atendeu à necessidade de mão de obra livre reclamada pela província fluminense na área das obras públicas com fulcro na construção da Estrada Normal da Estrela; ensejou a criação de uma colônia agrícola na serra acima; provocou o início de uma povoação que se desenvolveria pelos quarteirões nobres da concepção urbanística de Koeler e propiciou ao Imperador uma bela residência serrana de modo a poupá-lo dos rigores e da insalubridade dos verões cariocas.

Essa perfeita união do útil ao agradável resultou da urdidura e da costura levada a efeito pelas mãos hábeis e já experientes do Mordomo. É bom lembrar que D. Pedro II, nessa época, estava completando seus 18 anos e que Júlio Frederico Koeler não poderia dar um passo sem ordens superiores.

Assim sendo, fica demonstrado que Paulo Barbosa da Silva foi inquestionavelmente o grande arquiteto do projeto Petrópolis, partindo é claro de uma idéia fundamental: a de aumentar as rendas imperiais. Tudo o mais veio a furo a seu tempo, por via de conseqüência dessa primordial intenção.

O Conde Ney deve ter visto tudo isso dentro de um quadro mais abrangente, sem descer a minúcias, até porque, no seu tempo de Rio de Janeiro, Petrópolis ainda era um projeto in fieri, que somente se tornaria realidade a partir de 1845, quando o Conde deixara este planeta, viajando quiça para outras galáxias.

E por falar no Conde Ney, é bom lembrar que o seu depoimento sobre o Mordomo da Casa Imperial não terminara no ponto em que ele ficou no artigo anterior.

Prosseguindo na sua apreciação, informava ainda que Paulo Barbosa tinha cerca de 45 anos, era fino de espírito mas não de corpo, ambicioso, vaidoso, vingativo e muito imprudente nos seus discursos. Pesavam sobre ele acusações de ter-se envolvido na Revolução Liberal de 1842 que se alastrou por Minas e São Paulo. Sobranceiro a tudo ele seguia, entretanto, movendo os cordeis da política e no chamado Clube da Joana, decidia-se o destino de ministros, presidentes de províncias, do Império, enfim.

E o plenipotenciário francês perguntava a certa altura:

De onde lhe adviriam essa força e essa coragem?

E outra pergunta:

Estaria ele seguro do apôio do Imperador?

Mas, os seus inimigos viviam a dizer que o Imperador não gostava dele. Mesmo assim, o certo é que o Mordomo tinha poder.

Por ocasião do casamento do Príncipe de Joinville, Paulo Barbosa da Silva foi feito Comendador da Legião de Honra, o que o envaideceu sobremaneira. Criou-se aí um novo liame entre ele e a França, país de sua predileção onde passaria a viver se perdesse as boas graças do monarca.

Numa outra nota, esta de 26 de maio de 1844, o representante diplomático da França no Rio de Janeiro agregava outros conceitos aos já expendidos acerca da personalidade e do desempenho de Paulo Barbosa da Silva no contexto da vida brasileira.

O Conde Ney não se enganava, dizia ele mesmo, quanto ao que pudera observar sobre o Mordomo da Casa Imperial, durante os últimos despachos de ambos. Tratava-se de um homem que se imaginava o próprio poder. O francês ignorava, entretanto, até onde ia essa crença e que fim tudo aquilo teria. Os ministros não tomavam nenhuma medida sem o consultar e sua importância dentro do jogo político era tão marcante, que muitos perguntavam quem realmente governava, se Paulo 1º ou Pedro 2º.

E mais uma vez perguntava o diplomata:

Essa influência de Mr. Barbosa seria ela saudável ao Imperador e ao Império?

Tudo fazia crer que ele queria atrair o monarca para os seus projetos e o isolar mesmo de modo que S. Majestade não pudesse dispensar os seus serviços. Era um desejo que o Mordomo jamais poderia realizar já que a oposição que lhe faziam certos jornais haveria de calar fundo no espírito do jovem Imperador.

Ninguém duvidava de sua probidade e aqueles poucos que arriscavam a pô-la sob suspeita, jamais apresentaram provas convincentes.

Asseverava Ney que a Imperatriz não suportava Paulo Barbosa. Sua presença em Palácio a repugnava e de seu ponto de vista trazia sempre maus presságios.

Alberto Rangel ao encerrar esse capítulo sobre Paulo Barbosa da Silva, valendo-se das impressões do Conde Ney, houve-se desta forma:

“Grande número de elementos de ordem pública e íntima, ficam assim dispostos à análise dessa individualidade. O seu préstimo e astutez, a sua moralidade e valor mental, a sua cupidez e malícia, aí ficam indicados para quem quiser tirá-los a limpo das sombras em que o rejeitaram.”

Apesar de tantas pistas lançadas nos textos acima para que se construa um retrato de corpo inteiro do Mordomo Paulo Barbosa da Silva, pouco tem sido feito para que se colime tal objetivo.

E muitas dúvidas seguem rondando a vida do Mordomo e de inúmeros figurões de seu tempo a ele ligados.

A dobradinha com Aureliano Coutinho em tantos momentos da vida nacional e fluminense é ainda um ponto obscuro carente de lupa e bisturi para que sobre ele se derrame a luz da verdade histórica.

E que dizer-se da eventual participação de ambos na malograda Revolução Liberal de 1842, sem que suas imagens tivessem ficado embaçadas no quadro da política brasileira e no perigoso jogo do poder?

Até onde conseguiu Paulo Barbosa, maduro de quase 50 anos, atrair o jovem Imperador de 18 dezembros, para os seus projetos?

Cada vez fica mais claro, segundo as afirmações do Conde Ney, que Petrópolis nasceu das maquinações de Paulo Barbosa, mais fundador daquilo que um dia tomou forma de cidade do que qualquer outro que direta ou indiretamente atuara nessa fantástica urdidura.

Mas ainda seria válido investigar quais teriam sido os projetos barboseanos com o aval do Imperador e, como eles, teriam se comportado em termo de factibilização, ensejadora de produto perfeito e acabado.

Outros temas também hão de fustigar a índole pesquisadora de tantos brasileiros debruçados sobre a história, muitos deles de olhos fixos em suas teses de docência, de mestrado, de doutorado.

O assunto do famoso atentado, de que teria sido vítima o Mordomo, tão mal estudado e interpretado, está a merecer acurada investigação. O fato ou a versão mais conveniente dele, teria forçado a espontânea Viagem do Mordomo à Europa, ou teria sido tudo uma forgicação para que Paulo Barbosa se afastasse do país, deixando descansar a praça.

Quantos não teriam tido interesse nesse afastamento, quem sabe até mesmo o Imperador?

E no caso particular de Petrópolis, há que se esmiuçar o relacionamento do Mordomo com Koeler e com as demais figuras no jogo de poder da diretoria e da superintendência da colônia.

E por derradeiro – the last but not the least – há que se remexer o baú de lembranças de modo a se poder aferir qual a importância da bela e charmosa mulher do Mordomo no quadro político e social de então e até onde ela pode ter pesado nas maquinações e decisões políticas de seu tempo.