IDADE MÉDIA, ÉPOCA DE TREVAS? A FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA E SUA SAGRADA ESTIRPE MEDIEVAL.

Otto de Alencar Sá Pereira

É impressionante a estirpe sagrada de antepassados dos nossos Príncipes. Se não, vejamos: A tão conhecida e venerada Sta. Edwiges (+ 1243), nascida Princesa da Merânia, por casamento tornou-se Princesa da Polônia. Uma de suas irmãs foi Rainha da Hungria (1197-1231) também por matrimônio e, mãe de Sta. Isabel da Hungria a qual, por casamento tornou-se Duquesa da Turíngia. Uma irmã desta, Sta. Isabel, foi Rainha de Aragão por matrimônio e mãe de Sta. Isabel de Aragão, Rainha de Portugal (1271-1336), por se ter casado com D. Diniz I, Rei de Portugal, antepassado dos Reis deste Reino e dos Imperadores do Brasil. O presente artigo, ao tratar da Idade Média, conta um episódio como exemplo, justamente, da tia da Rainha Santa Isabel de Portugal, a Sta. Isabel da Turíngia. Vemos, por aí, uma estirpe de Rainhas Santas canonizadas pela Igreja, antepassadas diretas de nossos Príncipes, como Sta. Isabel, esposa de D. Diniz; ou colaterais como Sta. Isabel da Hungria e da Turíngia, tia materna da anterior da qual falaremos, ou a nossa tão popular, no Brasil, Sta. Edwiges, Princesa da Merânia e da Polônia, tia-avó da Rainha Santa, esposa de D. Diniz. Além destas Santas tão conhecidas, a Família Real Portuguesa e especialmente a Família Imperial Brasileira (que possui a varonia dos Orleans de França pelo Príncipe Gastão de Orleans, o Conde d’Eu) descendem do Rei S. Luiz IX, (1214-1270), e do Beato Condestável D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431). Descendem também de S. Vladimir (+ 1015), Príncipe de Novgorad e Grão-Duque de Kiev (uma neta dele casou-se com Henrique I de França, antepassado dos Bourbon-Orleans). Entretanto colateralmente pelos Reis de Portugal, pelos Reis de França, pelos Imperadores do Sacro-Império (estirpe de D. Leopoldina, nossa 1ª Imperatriz), as famílias Real Portuguesa e Imperial Brasileira, ainda têm como antepassados os Reis Santo Estevão da Hungria, S. Fernando de Castella, Santo Henrique da Alemanha, etc., etc… Todos, como se pode observar, Reis Santos que viveram na Idade Média, na “Doce Primavera da Fé” (Leão XIII). E a baixa, que se estrutura à partir da Segunda orda de invasões bárbaras do século X, quando então se forma, aos poucos, a organização feudal.

O fim da Baixa Idade Média dá-se, oficialmente, no século XV com a queda do Império Romano do Oriente, derrubado pelos Turcos, conhecida como a queda de Constantinopla.

A Alta Idade Média, a mais antiga, pode ser, em parte, considerada época de trevas e de atraso cultural, pois foi originada da decadência do Império Romano do Ocidente e das conseqüentes invasões bárbaras germânicas – (até que estes bárbaros adquirissem a cultura greco-romana e as luzes do cristianismo, levou tempo). Mas mesmo nesta Alta Idade Média, houve exceções à barbárie: o Império Bizantino (Romano do Oriente) era o centro cultural da Europa; os Califados Árabes, da Europa (Península Ibérica), da África e do Oriente Médio Asiático, a partir do século VIII, traduziam Aristóteles para o árabe, ensinavam álgebra, transmitiam ao Ocidente os conhecimentos chineses dos algarismos, etc…, e, entre os ocidentais, alguns descendentes dos bárbaros desde os séculos V e VI brilharam na espiritualidade cristã: temos a Filosofia Patrística com Santo Ambrósio, Bispo de Milão, Santo Agostinho, Bispo de Hipona – o autor da “Cidade de Deus” e das “Confissões”. Há ainda S. Leandro de Sevilha, Santo Hilário de Poitiers, Santo Isidoro de Sevilha, São Jerônimo, autor da tradução da Bíblia para o latim (a Vulgata) e ainda os irlandeses S. Colombo e S. Colomba, sem mencionarmos o evangelizador da Germânica, São Bernardo. A partir do século VIII, já não eram tão bárbaros, pois ocorreu o chamado Renascimento Carolíngio, promovido pelo Imperador Carlos Magno, ou seja, um alvorecer das artes, letras, organização sócio-econômica e administrativa.

A Baixa Idade Média, forçosamente então (século X ao XV), não pode ser apontada como período de trevas culturais e de crueldades e de desrespeitos à dignidade humana, em hipótese alguma (como afirmavam muitos historiadores antigos, agora já ultrapassados).

Uma época histórica que criou uma filosofia como a Escolástica, com um Santo Thomaz de Aquino – autor da Suma Teológica e da Suma contra os Gentiles – ou um São Boaventura ou um Santo Alberto Magno; que construiu catedrais e igrejas magníficas em estilo gótico, como a Notre Dame de Paris, a de Reims, a de Chartres, a de Colônia, a de Regensburg, a de Santo Estevão de Viena, o Duomo de Milão, a Sé de Lisboa, a de Guarda, a Catedral de Salamanca, a de Toledo, Westminter na Inglaterra, etc…; castelos como o de Windsor, S. Jorge de Lisboa, Carcassone na França (cidade, castelo), o arcepiscopal de Salzburg, etc…, mosteiros como o do monte Santo Michel na França, os Jerônimos em Portugal. Que teve o mais espiritual dos pintores como Fra Angélico; uma época que produziu a escultura de Nossa Senhora de Paris, o “Beau Dieu” da Catedral de Amiens, que nas letras teve um Dante Alighieri com a sua Divina Comédia e o poeta Petrarca, entre muitos outros; que na espiritualidade cristã, produzia um S. Francisco de Assis e um S. Domingos; que teve reis como S. Luiz IX, Rei de França, Afonso X de Castela, um Eduardo III da Inglaterra, os Imperadores Otto I, II e III do Sacro Império Alemão; papas como o S. Gregório VII ou Inocêncio III; que deixou-nos lendas literárias que até hoje encantam o espírito da juventude, como a dos Cavaleiros da Távola Redonda, a da Canção de Roland ou a do Santo Graal, etc…

Enfim, uma época histórica de tantos valores espirituais e culturais só pode servir como modelo e paradigma para a humanidade e para todas as outras épocas e nunca como exemplo de atraso cultural ou de crueldade de costumes ou de desrespeito à dignidade humana.

Quanto a estes dois últimos apostos, com os quais a Idade Média sempre aparecia ligada (Dark Age – Idade das Trevas), pelos historiadores mal informados (mas que infelizmente ainda há quem insista em repeti-los), posso tentar desmenti-los, procurando dar uma perspectiva do espírito do homem medieval, utilizando de filosofia e de psicologia e ilustrando com um exemplo histórico.

Sabemos que em filosofia há uma diferença entre idéias contrárias e idéias contraditórias. As contrárias divergem em certos aspectos, mas não em caráter absoluto. Exemplo, o azul é uma cor contrária ao vermelho, porque são diferentes, mas ambas são cores. Já a idéia contraditória, opõe-se absolutamente à outra. Exemplo, o branco é contraditório ao preto, pois um representa o conjunto de todas as cores e o outro a ausência total de cor.

O espírito do homem medieval era assim: adquiria um sentido absoluto da vida, e o outro sentido, lhe era contraditório. Em outras palavras, o homem medieval ou era santo ou era demônio. Oriundo da mistura do sangue primitivo do bárbaro com o ibero-romano ou com o galo-romano ou com o ítalo-romano, ou ainda com o bretão-romano, deu-se nele uma formação genética propícia a adquirir a cultura greco-romano-cristã mas guardando também muito do primitivismo barbárico.

Ele estava disposto a aceitar a cultura guardada pela Igreja, mas a queria integralmente, sem meios termos, não dubiamente.

Seguia ao pé da letra a palavra de S. Paulo: “Sede frios ou quentes, porque se fordes mornos, vos vomitarei da minha boca”.

Portanto, o homem medieval quando absorvia a cultura greco-romana-cristã, procurava vivê-la na totalidade das potências de sua alma, tornando-se um sábio, um santo, um herói, um mártir, ou pelo menos, uma boa ovelha do rebanho de Cristo.

Quando entretanto não absorvia, continuava sendo um bárbaro cruel, impiedoso, ignorante, brutal.

Os dois tipos do homem medieval acotovelavam-se na plebe, na nobreza, na realeza e até no clero; acotovelaram-se na mesma família e às vezes dentro do mesmo homem; neste último caso, nunca ao mesmo tempo (pois aí teríamos o homem contemporâneo), mas sim em fases diferentes da vida dele, entremeadas de grandes perversões ou de grandes conversões.

Entretanto, embora estes dois tipos se acotovelassem, as instituições políticas, sociais e econômicas, bafejadas de espírito cristão e direcionadas ela Igreja, davam apoio ao primeiro tipo e condenavam o segundo: logo a Virtude prevalecia oficialmente, assim também a Verdade e o Bem.

Para exemplificar este espírito filosófico-contraditório, que havia na Idade Média, cito o seguinte fato histórico:

Santa Isabel da Hungria, filha de Reis Húngaros (a já mencionada tia da Rainha Santa Isabel de Portugal e sobrinha de Santa Edwiges), casara-se com o Duque Luís da Turíngia, soberano de um dos feudos mais ricos do Sacro Império Romano Alemão.

Ela distribuía fartas esmolas entre os pobres, o que irritava os seus cunhados, os príncipes Henrique e Conrado da Turíngia. Partindo seu marido o Duque soberano Luís para a Cruzada, morreu em combate, o que causou enorme dor em Santa Isabel. Esta dor, entretanto, foi ainda acrescida de maiores agruras, quando seus cunhados, livres do temor que nutriam pelo irmão mais velho, explodiram seu ódio numa vingança cruel contra Isabel, expulsando-a do castelo com seus filhos, em pleno inverno, sem dinheiro e sem mantimentos e ainda proibindo o povo de agasalhá-la e a seus filhos.

Algum tempo depois, entretanto, os cavaleiros que tinham acompanhado o Duque da Turíngia à cruzada voltaram, trazendo seu corpo. Corajosamente enfrentaram os Príncipes, irmãos do Duque falecido e exprobraram-lhe a crueldade praticada contra a viúva de seu próprio irmão e contra seus sobrinhos. Os príncipes não resistiram às palavras dos cavaleiros e deu-se a conversão aludida acima. De perversos que eram, praticando baixezas e maldades, converteram-se ao bem. Pediram perdão a Santa Isabel e a restauraram em seus bens e propriedades.

Henrique ficou como Regente de ducado durante a minoridade do sobrinho mais velho, o novo Duque soberano, porém Isabel preferiu viver na pobreza e retirou-se para um convento onde veio a falecer poucos anos depois.

Conrado perverteu-se novamente, vivendo uma existência desregrada e sempre praticando crueldades. Finalmente, a morte da cunhada o trouxe à realidade da vida. Converteu-se novamente e fez uma peregrinação a Roma onde pediu ao Papa que lhe impusesse uma penitência. O Pontífice determinou que professasse em uma ordem religiosa e ele o fez na ordem dos Cavaleiros Teutônicos.

Não satisfeito, pois, como bom medieval, queria pagar todas suas faltas. Foi a uma aldeia onde tinha assassinado vários camponeses, e despindo a camisa, pediu que lhe açoitassem as costas. O povo amedrontado e respeitoso não se mexeu, até que uma velhinha, que tinha perdido todos os filhos por causa das maldades do príncipe, pegou do chicote e bateu-lhe até tirar sangue, aceitando ele a penitência com humildade perfeita.

Quando morreu, Conrado da Turíngia quis ser enterrado ao lado do túmulo de Santa Isabel. Sobre a sua sepultura estão a espada de cavaleiro e a chibata de penitência, como símbolos de sua vida e de sua conversão.

Assim era a Idade Média, assim os homens medievais. Época ou Trevas? Jamais! Época de contrastes, porém de luzes do espírito que deveriam iluminar os caminhos dos homens das épocas históricas posteriores, mostrando-lhes o verdadeiro sentido da vida. Principalmente àqueles que descendem destes Santos e Santos que foram Príncipes e Reis, os membros da Família Imperial Brasileira que procuram se utilizar do exemplo destes seus antepassados como paradigma e exemplo de vida cristã. Afinal D. Pedro I, o fundador do Brasil, pai do Magnânimo D. Pedro II e avô da Redentora Princesa Isabel, é 15º neto do Rei D. Diniz e da Rainha Santa Isabel.