POSSE DE PATRÍCIA SOUZA LIMA

Patrícia Ferreira de Souza Lima, associada efetiva, titular da cadeira n.º 36, patrono José Vieira Afonso

É grande a honra que me conferem os senhores ao me admitirem em um grupo tão seleto de pensadores, que muito me têm ensinado ao longo de minha formação e cujos trabalhos aparecem por vezes citados nominalmente em alguns de meus escritos acadêmicos. Não poderia deixar de agradecer ao professor Jeronymo pela confiante indicação. É uma grande honra também por estar tendo a oportunidade, na ocasião de uma posse coletiva, de ter a meu lado o professor Ferreira, que foi um dos meus professores durante o ensino secundário aqui em Petrópolis e o primeiro a me despertar os olhos para a história local.

E, por isso, manifesto publicamente minha gratidão ao terem me oferecido justo a cadeira de número 36, cujo patrono é o Sargento-Mor José Vieira Afonso, tendo sido seu associado fundador também um Pedro de Orléans e Bragança, como o colega ao lado.

O Sargento-Mor José Vieira Afonso é um personagem aqui imortalizado que foi militar, dono de terras, cuja biografia toca a memória da história de Petrópolis em seu marco fundador: a compra de uma fazenda sua, por parte de um imperador encantado com as belezas descortinadas serra acima. É nesta transação que uma porção de terra redefine sua trajetória, e nos sublinha o nome José Vieira Afonso na história desta cidade, e apesar da dificuldade em traçar sua biografia por seu caráter fragmentário, sua identidade não segue com momentos contraditórios em sua constituição.

O vínculo com a terra brasileira, especialmente com as cercanias petropolitanas, começa bem antes. Seus pais são Manoel Vieira Afonso, português, natural da Ilha de São Miguel, e Catarina Josefa de Jesus, filha do português Manoel da Costa Bravo, residente aqui perto no Suruí, amigo dos proprietários da região, segundo o professor Jeronymo. O pai, que se dedicava à agricultura e ao comércio, decidira se mudar de Inhomirim, na baixada, para a Quadra do Secretário. Em 1759, o casal (pais de Afonso) comprou uma fazenda no Sardoal, que ficou conhecida como Fazenda dos Vieiras.

Ali na serra é que nasceram, à exceção dos primogênitos, os filhos do casal, todos ali criados, estabelecidos e casados. Na falta de uma data precisa, estima-se que por volta dos anos de 1770 a 75 José Vieira Afonso nasceu, na própria Fazenda dos Vieiras.

O certo é que a 3 de julho de 1807, foi nomeado para o posto de Alferes da 5ª Companhia do Regimento de Infantaria de Milícias de Inhomirim. E que passados três anos – em 1810 – seu nome já aparece como capitão, depois major.

Foi por volta de 1815 que ele chegou na região da Freguesia de São José de Serra Acima, depois chamada de São José do Rio Preto, e ali adquiriu a Fazenda de São Silvestre do Rio Preto. Além de construir a sede da Fazenda, Afonso ergueu uma capela para o culto do padroeiro, adquiriu terrenos vizinhos e construiu bem mais tarde um cemitério.

É a partir de 1822 que assume o cargo de Sargento-Mor, tornando-se abastado fazendeiro de vasta área de terras entre Areal, Cebolas e Bemposta, em que se situavam as capelas de São Silvestre, Santa Cruz e Santo Antônio do Engenho. Destas, a que nos interessa é a do Córrego Seco, herdada de seus pais.

Eles que a compraram, a partir da fragmentação das iniciais sesmarias do vale do Piabanha. Estas sesmarias haviam sido concedidas ao longo do Caminho Novo, com várias finalidades: proporcionar albergue e alimentação para funcionários, tropeiros e animais de carga em trânsito; construir e conservar pontes sobre os rios; enfim, manter conservado o próprio Caminho. Contudo, em conseqüência da morte dos proprietários, uma delas, a do Itamarati, deu origem a duas importantes fazendas, a do Itamarati e a do Córrego Seco.

A Fazenda do Córrego Seco constituía, portanto, ¼ da primitiva sesmaria de Bernardo Soares de Proença e recebeu esse nome por causa do curso do Rio Palatino que, em determinadas épocas do ano, ficava completamente seco.

As terras da fazenda, embora frias, úmidas e improdutivas, foram prosperando com a administração de Manoel Vieira Afonso, pai de José. Ali costumava reunir-se a família. Ali, também, na sede da Fazenda do Córrego Seco, Dom Pedro I esteve em sua primeira viagem por terra do alto da Serra da Estrela, antes chamada Serra do Mar.

D. Catarina Josefa, já viúva, faleceu a 25 de junho de 1825, deixando a Fazenda do Córrego Seco a seus sete filhos. José Vieira Afonso só vinha ao Córrego Seco em visita aos velhos pais, que sempre mantiveram ali uma espécie de casa para o descanso. Foi a 17 de abril de 1828 que, por morte dos pais, ele entrou na posse legítima da Fazenda do Córrego Seco, das terras que hoje constituem a cidade de Petrópolis, pois resolveu comprar a parte dos irmãos por 200 mil réis. O sargento-mor continuou residindo no Sardoal, mas a propriedade do Córrego Seco, segundo nos informa Schaette, “não ficou abandonada, pois nela funcionava um negócio e havia ranchos em favor dos tropeiros”.

Por pouco tempo. Pois, em outra viagem, Dom Pedro I dirigiu-se para Corrêas, onde tentaria, pelo clima saudável, melhoras para a saúde de sua filha, a princesa dona Paula. Durante sua estada, o imperador tentou comprar as terras da Fazenda do Padre Corrêa. Mas não conseguiu. Adquiriu, então, a recém-herdada fazenda de Vieira Afonso, pela quantia de vinte contos de réis, conforme escritura lavrada no dia 06 de fevereiro de 1830. Revelou-se, por sorte, um ótimo empreendimento do nosso sargento-mor. Ele tinha de fato tino para negócios, pelo visto.

Comprada a fazenda trocou-lhe o nome para o de “Concórdia”. D. Pedro I quis simbolizar seu desejo de paz, amor e concórdia para os brasileiros. A seguir, começaram os planos para a construção do Palácio de Verão.

Esse foi o início, a pedra fundamental a ser idealizada para a elevação futura de Petrópolis a cidade, somente posta em prática no reinado do filho do monarca, o Imperador D. Pedro II.

Após a venda da Fazenda do Córrego Seco a Dom Pedro I, nosso Sargento-Mor José Vieira Afonso volta todas as suas atenções para a sua Fazenda de São Silvestre do Rio Preto, que ganha, então, grande desenvolvimento, caracterizando-o como um grande empreendedor. A Fazenda São Silvestre, núcleo de expansão original da região rural e urbana do Areal de hoje, foi subdividida pelo proprietário e por ele mesmo administrada.

José Vieira Afonso, casado com Rita Maria de Jesus, residiu toda a vida na sua Fazenda de São Silvestre, em Areal, onde nasceram seus filhos. E faleceu ali mesmo, em São José do Rio Preto, hoje Município e antes 5º Distrito de Petrópolis, a 26 de janeiro de 1852.

Considero um privilégio pertencer a este Instituto Histórico e sei que aprenderei muito na convivência com os senhores, nos encontros daqui para frente agendados às segundas segundas do mês. Além de continuar com meu trabalho de historiadora, espero contribuir para promover o diálogo entre quem preza a guarda da memória da história de Petrópolis e suas instituições de preservação e ensino.

Entrar em um instituto de história é sempre recriar vínculos com o passado, tendo em vista novas perspectivas e construções. Ainda mais este, prestes a comemorar seus setenta anos de atividade. Ocupar o lugar de um cidadão que tem sua biografia ligada à família imperial e também associada ao espírito empreendedor é um estímulo para contribuir, de algum modo, para as tradições locais, com um espírito que una memória a transformação, e nosso presente contexto de passado a futuro.