POSSE DE CARLOS ALBERTO DA SILVA LOPES
Carlos Alberto da Silva Lopes (Calau Lopes), associado efetivo, titular da cadeira n.º 7, patrono Bartholomeo Pereira Sudré
Sendo a gratidão moeda com que se resgatam os débitos do coração quero, logo de início, externar o mais profundo agradecimento pela indicação e aprovação unânime de meu nome para ingressar no quadro de sócios efetivos do Instituto Histórico de Petrópolis.
Só o carinho deste meu antigo professor, mestre de várias gerações, pesquisador emérito, Jeronymo Ferreira Alves Neto, aliado à generosidade de tão caras e ilustres personalidades – algumas das mais valiosas amizades e referências que pude conquistar ao longo da vida – que integram com o meu pai, Raul Lopes, esta nobre instituição, justificam tal lembrança, honraria que recebo com humildade, cônscio das responsabilidades que me assomaram em me juntar a importantes cidadãos e cidadãs na tarefa de preservar a nossa memória, cuidar do nosso patrimônio, elevar fatos e figuras da nossa história e laborar reflexões e idéias sobre a nossa gente, a nossa identidade cultural e o nosso projeto de cidade. E agora, ainda mais do que antes, certamente recebendo de meus novos pares os eflúvios estimulantes a outras empreitadas, sob a inspiração de Bartholomeo Pereira Sudré, patrono da Cadeira nº 7 que passo a ocupar, e perseguindo os exemplos legados por Geraldo Ventura Dias, a quem tenho o privilégio de suceder.
Aos elogios:
A Petrópolis que nascia, povoado próspero, quase se tornando uma cidade, recebia em 1855 o filho de José Pereira Sudré e Maria Cândida Sudré. Alguns afirmam hoje que ele era natural da Bahia. Não importa se não existem provas concretas. Bartholomeo Pereira Sudré veio do Arquipélago da Madeira, em Portugal, até prova em contrário.
Nascera a 24 de agosto de 1825. Chegou a Petrópolis beirando 30 anos de idade com o propósito de montar um jornal por aqui, como o fizera no Rio de Janeiro e em Paraíba do Sul. Um historiador de nossa cidade afirmou que:
“o seu objetivo estava definido porque vislumbrava naquela povoação grande futuro e queria contribuir para que ela crescesse e cumprisse uma função histórica marcante no contexto da evolução do Império”.
Admirador de Dom Pedro II, Sudré pretendia que circulasse no recanto escolhido pelo monarca para veraneio, um jornal que documentasse aquela evolução, no acompanhamento do dia-a-dia de seu povo.
Alugando uma casa no início da Rua Teresa, nº 23, montou sua “Tipografia Comercial”, em sociedade com José Marcelino Nunes. No local, instalou-se mais tarde, a estação de trem do Alto da Serra, da Leopoldina, onde hoje está erguido o Conjunto Residencial Grão Pará, no populoso bairro.
No dia 3 de março do ano de 1857, saiu o primeiro número d “O Mercantil”, o pioneiro da imprensa petropolitana.
Em trabalho recente, pronunciado nesse Silogeu e depois publicado na página do Instituto Histórico na Tribuna de Petrópolis, o sócio Joaquim Eloy, meu estimado amigo e conselheiro, imaginou a emoção de Sudré ao tirar do prelo o primeiro “O Mercantil”. Disse ele:
“Imaginemos, ou melhor, transportemo-nos para o dia e a noite de 2 de março, acompanhando a emoção da redação do jornal na ânsia do tipógrafo Bartholomeo; sua pressa na composição junto à caixa de tipos móveis, a montagem das páginas – hoje o designativo é diagramação -, a primeira impressão no prelo, a revisão de cada texto, os títulos, tudo em colunas, como era o usual na imprensa do país. Passemos acordados e sob feliz excitação toda noite da impressão do primeiro número de “O Mercantil” e, com os olhos brilhantes de satisfação tenhamos, nas duas mãos estendidas, ao romper da aurora e em meio ao ruço que embranquece o cristal da janela, o primeiro exemplar, com todo o cuidado retirado da impressora. Ponhamos em nossa face o olhar buliçoso e iluminado de Bartholomeo; façamos nossas suas mãos sob o tremor do êxtase e seu corpo seja o nosso na elevação dos batimentos cardíacos. Sorvamos, com a gula da paixão mais nobre, cada letra, cada espaço em branco, cada matéria e apoiemo-nos a um canto da parede para que a emoção não nos derrube ao solo. Saiamos à rua bradando aos ventos, rompendo a barreira do ruço, desçamos afoitamente a rua Teresa, brandindo o primeiro exemplar; aportemos ao centro do povoado, que dorme ainda, encolhido nas cobertas da noite já quase dominada pelos primeiros raios do sol, e abramos os diafragmas da alegria: – Olha “O Mercantil!” Saiu “O Mercantil!” “Quem vai ler?” “Quem vai comprar?”.
“O Mercantil”, pela independência com que noticiava os acontecimentos do povoado e pelas campanhas que resolveu empreender, logo ganhou a simpatia da população. Sudré engajou-se na luta para elevar Petrópolis a categoria de cidade, apoiando abertamente o projeto neste sentido que estava em discussão na Assembléia Legislativa Provincial.
A vitória chegou em 29 de setembro daquele ano, pela Lei Provincial nº 961. Petrópolis ascendia direto de povoação à categoria de cidade, graças ao denodo e coragem do deputado Amaro Emílio da Veiga, que se opôs à vontade do Imperador e do próprio Presidente da província. Graças, também, ao “O Mercantil”, que vencera sua primeira batalha por Petrópolis e seu povo.
Outras campanhas se sucederam e Sudré, através do seu jornal, foi um ferrenho defensor da abolição da escravatura, um paladino do trabalho livre. Homem de excelente formação moral, também esteve a favor da benemerência e da religião. A coleção d “O Mercantil” é um inestimável repositório da vida da cidade até maio de 1892, quando foi sucedido pela “Gazeta de Petrópolis”.
Bartholomeo Pereira Sudré entrou na política e teve bela participação na Câmara Municipal, naqueles dias em que o Legislativo e o Executivo pertenciam a mesma Casa. Como vereador, ocupou o honroso posto de presidente no ano de 1884, o que correspondia ao prefeito de hoje. Foi Juiz de Paz, subdelegado de polícia e operoso membro da Guarda Nacional.
É ele o “Pai da imprensa petropolitana”; o pioneiro exemplo e padrão de jornalista, patrono da classe e honra da profissão.
Bartholomeo Pereira Sudré foi um personagem de seu tempo, com visão de futuro. Não poderia imaginar que a semente plantada com “O Mercantil”, jornal que circulava às terças e quintas-feiras fosse frutificar em uma imprensa vibrante como a que se seguiu e que continua significativa trajetória nos dias de hoje como uma das melhores do Estado.
Faleceu a 15 de maio de 1891, aos 66 anos de idade, dirigindo e editando “O Mercantil”, vitimado por fulminante derrame cerebral. Ao sepultamento compareceram as mais altas autoridades municipais e grande número de leitores de sua folha. Sua urna funerária foi coberta pela bandeira do Império, em pleno regime republicano, desejo cumprido por seus amigos e seguidores.
Seu túmulo foi guardado e venerado durante alguns anos, ficando depois sem atenção. Certa feita, alguns historiadores evitaram que ele fosse demolido e o espaço reaproveitado, pela prefeitura, para a construção de novas sepulturas. O jazigo permaneceu, mas o abandono continuou. Acho que já é hora de diligenciarmos no sentido da restauração e conservação daquela relíquia, em respeito a Sudré, ao que ele representa e à própria história de Petrópolis.
Cem anos depois do nascimento de Sudré, vem ao mundo, em Juiz de Fora, Minas Gerais, a 6 de outubro de 1925, Geraldo Ventura Dias, filho de José Ventura Dias e Palmira Nicolini Ventura Dias.
Nasce com alma de artista e, na juventude, estuda música com a professora Josefina Rocha, além de participar de grupos teatrais e grêmios literários. Nasce para servir, moldando-se um esportista e mostra, desde cedo, especial sensibilidade para aglutinar pessoas e olhar pelos necessitados, o que vai forjando o excelente cidadão.
Formado em Ciências Contábeis, ingressa no Banco do Brasil e, como funcionário, passa a trabalhar e residir em várias cidades, até chegar a Ubá, onde Geraldo, num certo dia, em jogo de vôlei, teve a ventura de conhecer Gilda, de Angostura, lugarejo próximo daquela cidade. Acabara de encontrar o seu primeiro grande amor que ficou para a toda vida.
Noivos, Geraldo e Gilda visitam Petrópolis e se encantam com a urbe, com sua paisagem, seu clima. Surge o segundo grande amor e, de pronto, começam a fazer planos de se mudarem para o município tão logo se casem e ele consiga transferência no Banco. Dois anos mais tarde o sonho se concretiza e, chegando a Cidade Imperial, já trazem pela mão Simone, a primogênita de seus quatro filhos.
Era o início dos anos 60 e Petrópolis, linda e bucólica, vivia o impacto do período JK, e a transferência da capital para Brasília, os sons da bossa nova e as agitações dos governos Jânio Quadros e João Goulart.
Geraldo Ventura Dias tornou-se um petropolitano de coração e militância. No Banco, trabalhou durante 33 anos, aposentando-se em 1986. Participou ativamente da Associação dos Funcionários do Banco do Brasil da qual foi seu Presidente. Também presidiu o Rotary Club de Petrópolis com destacada atuação em campanhas filantrópicas e criou o Banco de Cadeiras de Rodas com ótimos resultados. Muito contribuiu para a construção, e posteriores melhoramentos, da Escola Rotary, no Retiro. Idealizou a primeira pesquisa na região sobre entidades assistenciais de amparo ao menor carente, promovendo a conferência de 1975 para a instalação do Centro de Triagem e Reeducação de Menores, a COMAC, obra que sempre acompanhou de perto. Voluntarioso, colaborou com vários clubes e entidades e, no Instituto histórico, foi reconhecido como de seus sócios mais presentes.
Por tudo isso, foi agraciado com vários títulos, dentre os quais o de Petropolitano Honorário e de Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro.
Mas o que o eternizou foi, sem dúvida, o Hino Oficial de Petrópolis, letra e música de sua lavra. Também compôs algumas dezenas de músicas, inclusive os hinos do Petropolitano F.C. e do Serrano F.C..
Numa ocasião escreveu:
“A maior realização de minha vida é minha família; o maior desafio, trabalhar em favor dos menores abandonados; a maior honraria, ser autor do Hino de Petrópolis”.
Quem pensa que é feliz em outra terra é porque
Ainda não viveu aqui.
Geraldo Ventura Dias, por onde passou, só fez amigos. Faleceu em 12 de junho de 2000, depois de enfrentar corajosamente grave enfermidade. Deixou viúva Dona Gilda, sua permanente companheira; quatro filhos: Simone, Ricardo, Sandra e Mônica; seis netos e uma legião de admiradores.
Lembro-me dele, ainda em 66, prestigiando os jovens atores do Grupo EU – Estudantes Unidos, depois Caleidoscópio, em “O Tempo e os Conways” de Pristley, capitaneados pelo saudoso Maurício Cardoso de Mello e Silva, eu e Lindolpho – que veio a ser seu genro – no elenco daquela premiada montagem teatral. Recordo-me de seu entusiasmo, do incentivo ao nosso trabalho e me vem à mente tantas outras passagens onde a presença de Geraldo Ventura Dias se fazia luz.
Agora, encerro essas singelas palavras dizendo alguns versos escritos, parece, há mais de dez anos, por este honrado homem a quem tenho, repito, o privilégio de suceder, ao ocupar a Cadeira nº 7 deste Instituto.
No silêncio das frias madrugadas,
Se a brisa das montanhas tudo invade,
Eu ouço o teu clamor, cidade amada,
Pedindo paz, amor, fraternidade.
Escuto teus queixumes, teus lamentos,
Nas águas pachorrentas de teus rios
E sinto tuas penas, sofrimentos,
Nos lírios amarelos, tão sombrios;
As velhas magnólias, em fileiras,
Murmuram mais tristezas e aflições
E os troncos dos ipês e das palmeiras
Revelam que há maus tratos e agressões.
Lastimo tanto mal, tanta fereza,
Que atiram contra ti, minha querida;
Revolta-me saber que haja torpeza
Em muitos que aqui vêm ter guarida.
Condeno estes vilões desumanados,
Pois, tendo obrigação de defendê-la,
Omitem-se, escondem-se, são culpados,
Furtando-se ao dever de protegê-la.
Petrópolis meu rancor é ingente
E luto há muito tempo, na cruzada
Contra quem te maltrata, impunemente,
E ainda eu farei mais, cidade amada.
Vou despertar a ira de outros mais,
Amantes da beleza, da razão,
Para lutarmos juntos, fraternais,
Que a nossa força vem do coração.
Escritores, artistas, trovadores:
Ajudem-me a cumprir esta missão.
Petrópolis merece seus louvores,
Mas quer hoje mais participação.
Se as belezas queremos preservar
Deixemos nossos sonhos de angelismo.
Nosso caminho é um só: lutar
Com determinação e rigorismo.
Que os maus sejam banidos, sem piedade,
E a maldição os puna, por vileza;
Se cegos estão a fazer maldade
Que não mais possam ver essa beleza.
Petrópolis, no verso e na canção,
Faremos retumbar, por todo espaço,
Nosso grito, nossa disposição,
De defender-te sempre, a ferro e aço.
E os jovens que aqui irão viver,
Recebendo de herança esta cidade,
Terão o grande orgulho de dizer:
Aqui viveram homens de verdade!
Senhora e senhores, amigas e amigos que me prestigiam com suas presenças, que mais posso eu dizer que não os canse?
O Instituto Histórico, pela excelência de seus membros e ao longo de seus 62 anos, tem sido responsável por brilhantes páginas para a nossa história. Que eu saiba corresponder a essa tradição e colaborar, ainda mais, pelo constante engrandecimento de Petrópolis.
Quem não procura superar-se a si mesmo não é digno de sua própria existência.
Contem comigo.
Muito obrigado.